A máscara ambiental do imperialismo
A questão do meio ambiente esteve em alta nos meses de abril e maio deste ano. Em Abril, Partido Comunista do Brasil realizou, em Brasilia, seu primeiro Seminário Na- cional sobre e Meio Ambiente, onde aprovou um conjunto e resoluções que, agora, serão submetidas à deliberação o Comitê Centra do PCdoB.
Em maio, foi a v z da III Conferência Nacional do Meio Ambiente, promovida pelo Ministério do Meio Ambiente, e que reuni – em seu processo de preparação mais de 1 mi participantes as 751 conferências municipais e estaduais, e que elegeram os mais de 1.20 delegados da plenária final da Conferencia , também em Brasília. O seminário do PCdoB
O Seminário Nacional sobre Meio Ambiente, do PCdoB, reuniu delegados, vindos de quase 20 estados brasileiros, para debater os dilemas que envolvem a questão da defesa do meio ambiente e as necessidades do desenvolvimento sustentado. E o debate firmou algumas conclusões importantes.
A primeira foi a necessidade da retomada do desenvolvimento econômico para que a pobreza possa ser superada no Brasil – e em outras nações – sem relegar a segundo plano a urgência de defender e proteger a natureza. Esse objetivo exige a união de todas as forças que lutam por um projeto nacional de desenvolvimento com distribuição de renda, preservação ambiental, democracia e soberania nacional.
Os problemas ambientais são reais, graves, e precisam ser enfrentados. Mas eles têm sido objeto de uma ideologia ambientalista para legitimar o domínio do imperialismo. Nesse sentido, o Seminário denunciou, com ênfase, a insistência dos países ricos em forçar a divisão dos custos da profunda crise ambiental com os países em desenvolvimento. Oculta sob esta insistência está a pretensão, dos países capitalistas avançados, de paralisar, ou desacelerar, o desenvolvimento das nações pobres. E, com isso, eliminar eventuais ameaças à atual distribuição de poder no mundo e ao domínio do bloco de nações européias, mais Japão e EUA, sobre o planeta. Há um sentido claramente político, imperialista, oculto sob a bandeira verde do ambientalismo.
Nessa linha, o Seminário firmou também a conclusão de que as agressões contra a natureza não são feitas por um “homem” genérico e abstrato, como pretende a ideologia ambientalista dominante – tese largamente difundida pelos grandes jornais, revistas e comunicação eletrônica. Na verdade, quem agride a natureza é a forma de produzir os bens necessários à vida. E, hoje, pela mais agressiva e predatória delas, o modo de produção capitalista, que subordina tudo – seres humanos e natureza – à busca desenfreada do lucro a qualquer custo.
O reconhecimento desta realidade não pode esquecer, contudo, os graves problemas ambientais que acompanharam as experiências de construção do socialismo no século XX, marcadas pela necessidade de superação do atraso e da pobreza em países como URSS, China e demais nações onde foi iniciada a transição para o socialismo. Elas foram também marcadas por um viés produtivista que minimizou os problemas ambientais e gerou problemas que não podem deixar de ser levados em conta.
A III Conferência
O tema central da III Conferência Nacional do Meio Ambiente foi as mudanças climáticas, mas a polêmica mesmo deu-se em torno de várias outras questões, entre elas temas previsíveis como: desmatamento (principalmente na Amazônia), transgênicos, projeto de transposição das águas do rio São Francisco, biocombustíveis, adoção de fontes de energia limpa, energia nuclear, transporte individual, adequado tratamento da água, dos esgotos e do lixo.
A polêmica, aliás, esteve presente desde o primeiro dia, nos painéis que tiveram a presença de especialistas brasileiros e estrangeiros, além de membros do governo e da sociedade civil.
Ela se manifestou em alguns dilemas. Como, por exemplo, a participação, do professor estadunidense Joel Kovel no painel “Mudanças do clima”, que teve a presença, dentre outros, da pesquisadora Thelma Krug, secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, e uma das principais negociadoras brasileiras nos fóruns internacionais sobre mudanças climáticas.
Kovel é professor de Estudos Sociais no Bard College, em Annandale, Nova Iorque (EUA), membro do Partido Verde dos EUA, fundador da Rede Ecossocialista Internacional, editor da publicação Capitalism Nature Socialism, e autor do livro The Enemy of Nature: The End of Capitalism or The End of the World (O inimigo da natureza: o fim do capitalismo ou o fim do mundo, publicado em 2002) e, junto com Michael Lowy, do 1º Manifesto Ecossocialista. Estas credenciais fazem dele um eminente ideólogo do chamado ecossocialismo, que se pretende uma alternativa de esquerda para os problemas contemporâneos, sem reconhecer a importância histórica da experiência socialista do século XX, apresentando-se, nesse sentido como uma alternativa ao capitalismo.
Mas não é uma alternativa revolucionária, contudo. E, pelo menos pelas declarações de ideólogos como o professor Kovel, acabam revelando-se, numa ideologia cujo escopo, certamente não desejado por aqueles que a formulam, torna-se a defesa da hegemonia capitalista e do status quo mundial contemporâneo, com o imperialismo dos EUA no comando.
Esta contradição esteve presente na intervenção do professor Kovel, pronunciada no primeiro dia da III Conferência do Meio Ambiente. Do alto de suas credenciais, ele criticou duramente o capitalismo como responsável pelo aquecimento global, mas recusou as responsabilidades diferenciadas entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento no agravamento do efeito estufa. Defendeu, na conferência, uma tese que se opõe frontalmente àquilo que o governo brasileiro, juntamente com os governos de China, Índia, México e outros países chamados “emergentes”, tem defendido nos fóruns internacionais. Ele foi ao ponto central da controvérsia e, nele, alinhou-se com as posições defendidas há pelo menos quatro décadas, pelos EUA e os países industrializados. Para se chegar a uma forte diminuição do carbono no ar, disse, é necessário uma contração na economia global. Isto é, é preciso deter o desenvolvimento. “Precisamos aprender a viver sem desenvolvimento”, disse.
Direito ao desenvolvimento
É uma contrafação, a que Thelma Krug respondeu logo a seguir – após uma verdadeira aula sobre as mudanças no clima e as influências dos fatores naturais e humanos sobre elas – ao fazer uma defesa veemente do direitos que os países pobres têm ao desenvolvimento.
Ela não fugiu dos problemas: o crescimento da temperatura global é um fato, disse. Mas ressaltou a diferença de responsabilidade entre as nações industrializadas e as demais. Os países industrializados jogam na atmosfera gases do efeito estufa há mais de duzentos anos; os países pobres começaram seu processo de industrialização há muito menos tempo. E as diferenças entre eles – e suas responsabilidades pelas emissões – são evidentes nos próprios números referentes às emissões per capita nas várias regiões do planeta. A média mundial, disse ela, é de 4,2 toneladas por pessoa por ano; nos EUA, os campeões da poluição, ela é quase cinco vezes maior: 19,7 toneladas anuais por pessoa. E, no Brasil, menos que a metade da média mundial, e quase doze vezes menos que nos EUA: 1,7 toneladas por pessoa.
A intervenção de Thelma Krug naquele painel chegou a ser emocionada e, em alguns momentos, indignada. O problema das emissões decorre do uso de energia, e ele é legítimo para o desenvolvimento, disse. Ela rejeitou, nesse sentido, a pretensão de que as emissões brasileiras sejam reduzidas aos níveis de 1990: naquele ano, insistiu, o desenvolvimento brasileiro foi pífio e, em conseqüência, o nível de emissões baixo. Enquanto isso, nos países ricos, onde os níveis já eram insustentáveis, as emissões cresceram em 11% de 1990 para cá, enfatizou.
Em seguida, em entrevista a este repórter, Thelma Krug reafirmou a sua opinião . A perspectiva, para os países em desenvolvimento, é de que aumentem as emissões, pois elas decorrem do crescimento econômico necessário para superar a pobreza. Deter o desenvolvimento é ridículo, disse com ênfase. Isso não tem legitimidade, esse pleito não é legítimo, insistiu.
Esta foi uma das questões polêmicas da conferência. Houve outras: a transposição do rio São Francisco foi um tema que mobilizou muitos delegados, grande parte deles contra a obra; outra, a construção de rodovias na Amazônia. Mas as campeãs de controvérsia foram as questões ligadas aos biocombustíveis, aos contratos de concessão de florestas para a exploração pela iniciativa privada, e o uso da energia nuclear. Outro tema que sensibilizou os delegados foi a educação ambiental, cujo grupo temático teve tantos participantes que precisou ser dividido em três.
Duas decisões tomadas pela conferência merecem reflexão, e muito debate. A primeira delas é a aprovação do item que pede a proibição da construção de novas usinas nucleares em território brasileiro, conflitando com a necessidade de uma matriz energética diversificada e do domínio de todas as tecnologias como um imperativo da soberania nacional.
A outra decisão controversa foi a aprovação do estabelecimento de metas de emissão de gases na atmosfera para o Brasil. Ela conflita com a posição do governo brasileiro que, nos fóruns internacionais sobre mudanças climáticas, defende a tese das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” entre as nações, que exime os países em desenvolvimento do cumprimento de metas que os países industrializados, grandes e históricos poluidores, devem cumprir.
Essa decisão tem ainda o agravante de fragilizar a posição dos negociadores brasileiros nos fóruns internacionais, onde enfrentam forte pressão dos países ricos que exigem o estabelecimento destas metas para países como o Brasil.
Já se tornou lugar-comum dizer que os comunistas chegaram tarde à questão ambiental. Trata-se, entretanto, de uma verdade parcial. Por um lado, ao longo do século XX, o pensamento comunista e os sistemas surgidos na esteira da revolução russa de 1917, deixaram em segundo plano, ou trataram de maneira formal – muitas vezes meramente declaratória – os problemas ambientais.
É preciso reconhecer, neste ponto, que os países capitalistas, com destaque para os industrializados, incidiram na mesma inconsciência, que caracterizou todo o período histórico de sua industrialização, iniciada em meados do século XVIII. Consciência que despertou tardiamente, durante a década de 1960, respondendo fundamentalmente às crescentes contradições do sistema capitalista, e não a uma autêntica tomada de consciência da gravidade das agressões ambientais promovidas pelo modo de produção capitalista.
A outra face desta verdade parcial – como corretamente destacou o Seminário Nacional de Meio Ambiente do PCdoB – reside na compreensão teórica, herdada de Marx e Engels, que tem dois aspectos. O primeiro é a simbiose – e unidade – entre a natureza e os seres humanos, que fazem parte dela, sendo simultaneamente seres culturais e naturais. O segundo, a denúncia do capitalismo como o responsável pela quebra daquela unidade, e pelas piores e mais graves agressões ao meio ambiente. Movido pela busca desenfreada do lucro este sistema não reconhece nenhum limite para sua ação além das necessidades de reprodução e ampliação do capital. E, nesse sentido, patrocina a derrubada de florestas, o envenenamento da atmosfera com gases do efeito estufa, a poluição das águas e dos mares, e por aí afora.
Assim, os comunistas podem ter-se atrasado nesta questão. Mas chegaram para valer, e a abordam com a força da denúncia e da argumentação que vê no capitalismo o mais poderoso obstáculo para a defesa da natureza e do meio ambiente. E que sua superação é a condição sine qua non não só para a defesa do meio ambiente, mas para a harmonização entre os seres humanos e a natureza.
José Carlos Ruy é jornalista e membro da Comissão Editorial de Princípios e editor do jornal “A Classe Operária”
EDIÇÃO 96, JUN/JUL, 2008, PÁGINAS 6, 7, 8, 9