Conto de andar cantante
Vinha Maria pela fonte, colhendo vênias e pensando na vida mais que vivida. Parou diante do charco, reparou nas rãs, nas jias, nos sapos – que é tudo bicho diferente, embora parente. Cansada de olhar tanto, sorriu anfíbia, losna, casca, lenta e devorou tudo ao derredor com fome de onça. E disse: desse chão, só restarei eu e minha voragem. Depois saiu caminhando, faceira, festeira, rumo da casa de Luiz.
Luiz picava fumo. Reparou em Maria quando ela já tava assim, ao pé dele.
– Eita, pêntia! Que susto, menina! Donde você saiu?
– Dali. – foi o que ela disse, apontando a estrada tremeluzente no meio do dia.
E ele olhando, um olho fechado contra o sol, tabaco na palma da mão só calo, cara abestada de quem viu o nunca-visto.
– Vai ficar aí parado, é? – voltou a dizer a voz de dentro dela.
Riso sem jeito dele; boca safada da moça aberta em luz – ficaram assim bem um tempinho, até que seu Lua riscou na porta:
– Tarde, Maria?
– Tarde, seu Lua.
– Faz o que aqui por essas banda, siá minina?
– Caçando o que querer.
O velho olhou pro seu mais moço com um quê de entojo. Eita cabra besta, jesus meu cristo!
– Luiz?
– Nhô?
– Leve Maria em casa, que moça donzela não é pra andar por aí sozinha.
– Carece não, seu Lua. – disse Maria, num jeito assim quero-não-mas-de-cá-pra-ver.
– Como que não carece? – fez-se de brabo, o velho. – E despois, tá muito sol. Pegue lá a sombrinha de sua mãe, menino.
– Mas daqui a pouco é ho…
– Deixe de conversa, rapaz! Vá lá levá a moça, caminh!
Luiz, depois de algum atrapalhamento, despeja o fumo na mão do pai, entra em casa e sai de sombrinha em punho.
– Bença, pai.
– Deus lhe abençoe e nosso senhor lhe acompanhe…
– Té logo, seu Lua. E obrigada.
– Tem de quê não, minha filha.
Luiz mais Maria já lá longe, seu Lua puxa do tamborete, senta à porta, principia a repicar o fumo, espia o tempo e dispara, num riso de mofa:
– E eu aqui ficando velho…