Trabalhadores da palavra
Que peso e significado tem o ato de fazer literatura, em um mundo cada vez mais açoitado por marés de violência, estupidez e insensibilidade? Em um mercado onde tudo se vende, qual o valor daquilo que não tem preço?
Em um mundo em que só tem valor aquilo que tem preço, como precificar o trabalho da consciência que não se vende? Como são vistos pelo mercado os trabalhadores da literatura? Teremos valor simbólico e, portanto, mítico, enquanto nos apresentarmos como consciência e defesa dos valores mais altos da vida. Só assim seremos dignos de carregar a chama que nos deu a ousadia de Prometeu.
Sucumbiremos à normose deste tempo que tudo perdoa, menos o fracasso, se nos ocuparmos apenas em acender a fogueira das vaidades. Quando os seres da recepção se transformam nas criaturas da decepção, ou seres de segunda mão, o que resta às criaturas cujo ofício consiste em simbolizar e metaforizar a beleza e a profundidade da vida e do mundo? Que tempo é este, em que os bárbaros podem ser a solução?
De onde vem a música? De um não-lugar indizível – o Nada Absoluto, onde tudo nasce. De que ventre insondável nasce a palavra poética, que ilumina e desperta? De onde brotam os veios do verbo que incendeia a alma dos poetas? Quando menos se espera, no momento distraído em que a mente aberta viaja vastidões, a beleza desce. Em forma de verdade eterna, ilumina a mente do filósofo.
Como antevisão da fórmula secreta, faz que o cientista avance em descobertas visionárias. Como aconteceu a Albert Einstein, segundo o qual a fórmula da teoria da relatividade lhe veio pronta, de uma matriz cósmica. Talvez a inteligência alerta tenha clarões do esplendor, vindos da música das esferas “O lugar onde tudo é música infinita”.
Ainda que a gênese do poético (seja qual for a linguagem artística em que se manifeste) seja impregnada de mistério e maravilha, este legado inefável está sendo perdido na leviandade com que escritores e artistas de todo o mundo tornam-se vassalos do Deus mercado.
Como um Saturno pantagruélico, que vive a devorar seus filhos, como ditadura do sucesso, nos diz que importa é levar vantagem em tudo – vender os tubos, “bombar” nas paradas, ser mega-hit da grei dos inconscientes, arranjar uma boquinha nas listas semanais dos vendilhões mais vendidos.
Talvez a palavra de conforto, nesta hora universal de embrutecimento da sensibilidade, em uma aldeia global onde só tem espaço o pornográfico, o insólito e o trivial, nos venha de Paulo Mendes Campos, ao falar do dilema em que se debatem os que se propõem o heroísmo de serem artistas neste tempo: “Se multiplicaram a minha dor, também multiplicaram a minha esperança”.
A saga do viver implica em estarmos atentos e ativos. Requer firmeza no compromisso solidário de sermos úteis ao tempo e ao lugar em que vivemos. Pois se com a trepidante modernidade os poetas perderam o halo mítico que antes ostentavam, não foram despojados da paixão de viver que os impulsiona. Podemos fazer de nossa dor uma canção que faça despertar os homens e adormecer as crianças. Drumond vem iluminar estas palavras: “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas!”.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.