O duro cerne da beleza
O mais esplêndido não é
a beleza, por profunda que seja,
mas a clássica tentativa
de beleza,
em meio o charco: a
estrada interrompida, abandonada
quando a nova ponte finalmente entrou em uso.
Ali, de ambos os lados de uma entrada
cuja tinta, crestada pelo sol,
começa a descascar –
dois vasos de gerânios.
Pois entre: em uma das paredes,
pintadas numa placa ornamental,
romãs maduras.
– e, ao sair, repare lá
embaixo na estrada – numa unha,
numa unha de polegar se poderia esboçá-lo –
degraus de pedra subindo
pela fachada toda até, no
primeiro andar, um
minúsculo
pórtico
em bico como o palato
de uma criança! Deus nos dê de novo
igual intrepidez.
Há tufos
de roseiras dos dois lados
dessa entrada e ameixeiras
(uma seca) circundadas
na base por carcaças
de pneus velhos! sem outro propósito
senão a glória da Divindade
a qual fez aparecerem
ambos os seus ombros, sustentando
o enlameado lourejar
de suas tranças, acima
das ondas pacientes.
E nós? o vasto mundo inteiro abandonado
sem nenhuma razão, intacto,
o mundo perdido da simetria
e da graça: sacos de carvão
jeitosamente empilhados sob
o telheiro dos fundos, o
fosso bem atrás um passadiço
por entre a lama,
triunfante! ao prazer,
prazer; prazer de barco,
retirada vereda de um domingo
até o livre rio.
William Carlos Williams
Poemas
Seleção, tradução e estudo crítico: José Paulo Paes
Editora Companhia das Letras – edição 1987