Madrinha de fogo
O colorido das bandeirolas, enfeitando a varanda, anunciava que o Sítio Esperança estava em festa.
Era junho, mês de arraial! Mês que reverenciamos nossos Santos – Santo Antônio, São João e São Pedro.
Final de tarde, quando o sol se despedia e os seus raios apenas deixavam um contorno dourado nas copas das árvores, emoldurando-as como se fossem quadros, os convidados começaram a chegar. A mesa grande aos poucos foi ganhando colorido e aroma característico das festas juninas. Já podíamos apreciar o mugunzá, bolo de milho, cuscuz, pe-de-moleque, pipoca, milho cozido, pamonha, arroz doce, tapiocas e paçocas.
Pela primeira vez o forró enchia a casa de alegria.
Mulheres com vestidos coloridos, tranças e laços de fitas nos cabelos. Homens com chapéu de palha e camisa quadriculadas de cores vivas, fugindo do costume habitual. Crianças que corriam, como se a noite fosse curta, aproveitando o máximo a festa que animava a casa-grande.
Fogueira queimando. Fogos explodindo avisando a vizinhaça que a festança começou.
Na festa junina a figura do anfitrião desaparece. Todos participam igualmente. E em cada canto, alguma coisa acontece. Simpatias são realizadas sob a proteção dos santos. Fogos e rojões voam pelos ares. Caipirinha e quentão aquecem a alma. As danças animam o salão. A fogueira se transforma em forno e batatas-doces são assadas . As rezas nunca são esquecidas. O correio elegante vai fazendo a aproximação dos mais tímidos.
É um momento em que a simplicidade nos veste de beleza e permite que os nossos passos sejam guiados pelo calor da emoção. A sensação é de liberdade. É poder descobrir nas coisas mais singelas o tamanho da nossa alegria.
A lua vai subindo e a festança continua.
Toda festa junina é fartura na mesa. A culinária é destaque. A noite foi entrando e quando tudo já era breu e a fogueira garantiu a iluminação, outra mesa foi colocada. Agora ao som do Mastruz com Leite podíamos degustar o baião de dois, a galinha misturada com arroz, a maria isabel, o carneiro ao leite de coco, a carne de sol, uma pequena amostra da culinária do Piauí. Em noite de São João não existe pecado da gula. E o forró continuava animando a dança no salão. Reza o folclore que dançar anima a alma e traz bons tempos para a plantação no sítio. E os compadres e comadres cuidavam de fazer valer esta sentença.
Mais ninguém é de ferro. Depois da meia noite o cenário vai mudando: uma criança dormindo no colo da mãe; o interior da casa vai ficando silencioso e os mais velhos vão se recolhendo; faróis de carros acesos em direção à porteira, sinal de que alguns já estão pegando a estrada.
Sempre tem uma turma que vai até altas horas. Nesta festa, também fiz parte dos que querem acordar com o sol.
Estávamos sentados em volta de uma mesa redonda, comentando a festa que ainda nem acabou de todo, quando vejo um vulto mexendo na fogueira, que a esta altura já se transformara em brasas. Chego perto e vejo o Átalo Júnior, meu sobrinho de sete anos, só de cueca, com um espeto na mão espalhando brasas. Seu corpo era frio, contrastando com seu rosto quentinho .
Agachei-me e lhe dei um abraço.
– Meu filho o que você faz aqui? Perguntei.
Ele me olhou e perguntou.
– Tia Lúcia Ana a senhora quer ser minha madrinha de fogo?
Imediatamente, ficamos um de cada lado. Mãos dadas e o ritual foi cumprido.
São João disse, São Pedro confirmou Átalo Júnior vai ser meu afilhado mandado de Deus nosso Senhor.
E foi assim que no Sítio Esperança eu me tornei madrinha de fogo. E nesta noite uma criança adormeceu sob as bençãos de Santo Antônio, São Pedro e São João.