Penélope
te recordo, Penélope
teu grito de “venha”
costurado a sangue
descosido a relho
em noites de indene
solitude, saudade
sal e idade queimando a pele
vida frustrada, Penélope
meu poema como uma colcha
feita de teus retalhos
feito teu tapete amado intocável
ilusões de ótica tecidas
na trama da paciência
(em tantos anos era possível escrever a bíblia)
tenho-te ódio Penélope
por teu trabalho doído
por teu amor moído
em que tinhas certeza
e a certeza é a irmã da morte
melhor seriam drogas
melhor seria rolar-se de amor
melhor seria bacanizar a existência
eis o tempo dos assassinos
ah, Penélope, coisa sem graça
amar traidor
herói feito de água e vento
vinho, musas e ouro
homérico antibiótico
como dói, pasmacenta costureira
saber que o amor não existe,
que não adiantaram tuas tramas
não, não celebro teu cérebro
teus trapos de humilhação
amarração de uma história
que sempre coadjuvarás
assim como eu
tricotando letras
com a negra vermelhidão
dos fios de meu rancor diuturno
feito de veneno e ruínas