Bossa Nova, 50 anos da promessa da vida
Corria o ano de 1958. O Brasil industrializava-se de forma acelerada e vivia um clima de grande entusiasmo. Uma atmosfera de esperança – que se revelaria mais tarde um tanto ingênua – tomava conta do país. O mercado interno conhecia forte expansão, e a população experimentava o acesso a novos bens de consumo. No meio do Planalto Central erguia-se Brasília, a nova capital federal. E, na Suécia, a seleção brasileira conquistava sua primeira Copa do Mundo, livrando-se do “complexo de vira-lata” de que falava Nelson Rodrigues.
Quando naquele mesmo ano o baiano de Juazeiro João Gilberto lançou o compacto de 78 rotações Chega de Saudade – que trazia no título a composição antológica de Tom Jobim e Vinícius de Moraes –, talvez não tivesse ainda a exata noção do significado histórico daquele momento e das potencialidades do novo estilo musical que acabava de inaugurar. A maneira de cantar de Gilberto, um estilo minimalista avesso a vibrattos, tremellos e outros ornamentos vocais, fugia radicalmente da tradição dos grandes cantores do rádio. Sua forma de tocar violão também inovava, com uma batida sincopada que deslocava ligeiramente o samba de sua acentuação tradicional. Esses elementos rítmicos e vocais, aliados à revolução harmônica e melódica promovida por Tom e ao extraordinário lirismo da poesia de Vinícius, configuravam o movimento que passaria à história com o nome de Bossa Nova.
Cinqüenta anos depois o Brasil homenageia com orgulho essa expressão musical, fruto de uma época de modernidade e desenvolvimento, na qual o país começava a acreditar em si. Com a Bossa – marco da internacionalização da cultura brasileira – nosso povo toma pé de sua riqueza cultural, e percebe ter notas singulares a acrescentar ao rico patrimônio da humanidade.
Como afirmava Mário de Andrade, só é universal aquilo que é profundamente nacional. Assim foi, e é, a Bossa Nova – uma revolução estética que mergulha no mais profundo de nossa música popular para extrair dela elementos de validade universal. Com a Bossa – movimento que legou ao mundo algumas das músicas mais executadas do Planeta, como Garota de Ipanema e Águas de Março – a tão brasileira “promessa de vida” revela-se uma aspiração geral, um “mistério profundo” densamente entranhado, qual “febre terçã”, nos corações e mentes de cada ser humano.
A Bossa é o retrato de uma cultura que, sem receio de dialogar com as outras, busca incorporar as mais elevadas conquistas culturais da civilização sem, no entanto, abrir mão de um ponto de vista autóctone, intensamente ligado à exuberância de nossas paisagens naturais e humanas, e à suave simplicidade de nossa vivência.
Exuberância e simplicidade – eis aí, aliás, uma boa síntese da civilização brasileira.
Fábio Palácio de Azevedo é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP).
EDIÇÃO 97, AGO/SET, 2008, PÁGINAS 81