Dá um tchauzinho!
– Mãe! Corre, mãe! Vem ver! Mãe! Mãe!
– Pára com isso, menino! Pára! Desse jeito acorda teu pai e tu já viu como ele fica, né??
– Anda, mãe! Aqui na janela do meu quarto. O Cristo … ele sumiu!!
– Que Cristo?! Tô indo!
Mal pude acreditar! Meus olhos doeram na claridade, baixei o rosto, levantei e olhei de novo: o Cristo tinha mesmo sumido! Olhei para todos os lados, pra praia, pro calçadão. Nada, a rua estava deserta, só eu e o Mateus vendo aquilo. Quer dizer, não vendo.
– Credo! Que é isso! Mateus, chama teu pai! Agora! Corre! Eu vou ficar aqui vigiando.
Nem parei pra pensar no que falava. Só sentia que tinha que vigiar.
– Cacete! Quantas vezes vou te pedir pra não me acordar cedo na segunda?! Que porra é essa de Cristo que sumiu? Tá doidona, já fumou um e nem me esperou?
– Cala a boca, Otávio, num tá vendo o Mateus aí, pára de falar essas coisas perto dele. Que diferença faz pra você se é segunda ou sábado? Tu num acorda cedo nunca! Vem aqui e eu te mostro.
– Puta que pariu! Cadê o cara? Neguinho já rouba até a estátua do Cristo? E agora?
Como que a cidade fica? Quem vai abençoar? Nossa Senhora da Penha? Já ligou pro bombeiro, pra polícia…
Enquanto Otávio falava sem parar, o Mateus tratou de pegar a digital e fotografar feito um doido. Oito da manhã. Não tinha neblina, não tinha chuva, não tinha fumaça nenhuma, nada de explosão.. e nada do Cristo Redentor. Não era culpa do Peréio.
– Otávio, vamos descer! Não liga pra ninguém. Anda, pega a chave do carro, Mateus ponha uma blusa! Boca fechada! Talvez o prédio todo esteja dormindo, nós vamos ser os primeiros…
– Tá maluca, Lúcia? Vamos ser os primeiros a quê?
– A descobrir onde ele está, se é que está em algum lugar… Anda, deixa de perguntas, no caminho eu explico. Ah! Esse elevador sempre lento…
Dentro do carro, comecei a explicar, subindo as Paineiras:
– Essa hora, ninguém tem vontade de subir o Cristo. Aliás, alguma coisa muito esquisita tá acontecendo, nenhum carro na rua, nem o guarda na entrada das Paineiras.
– Ô Lúcia, pára de falar da rua e vamos à estátua.
– Vamos até lá com o Mateus e ele fotografa mais de perto. Aí, nós saímos e vamos pro jornal pra vender as fotos. Este será nosso passaporte para sairmos do SPC direto para as compras de novo.
Desci do carro correndo. Mal olhava para os lados. Não havia ninguém, somente nós três. Mateus vinha ao meu lado e parou de repente.
– Anda, menino, parou por quê??
– Olha mãe! – ele estava imóvel e branco igual à blusa que vestia.
Quando olhei para frente, também congelei. Caramba! Era o Cristo, de cara pra mim, sentadinho nas escadas. Não consegui dar nem mais um passo, emudeci.
– Só vieram vocês?? – Falou e baixou o rosto entre as mãos. Parecia cansado. Pudera, 78 anos de braços abertos … Puxei conversa, meio gaguejando:
– Es… estava esperando alguém?
– Todos os dias eu espero. Desde que começou esta história de me explodir, eu passo a madrugada desse jeito: sentado aqui, escondido desse tal Peréio, e espero a manhã chegar, volto pro meu lugarzinho de sempre, antes dos turistas. Assim, ele não terá coragem de me explodir.
– Mas como? Já tentaram? Não era só uma idéia de um doidão, querendo mídia?
Mateus sentou-se no chão e parecia não acreditar no diálogo que presenciava. Na verdade, nem eu. Mas continuei assim mesmo: – Ninguém vai fazer isso…
– Mesmo assim, você acha que eu vou me arriscar? Os caras não explodiram lá no Afeganistão?? Por que seria diferente aqui? Olha: sol quente, chuva, vento gelado, bala perdida, reforma, escalada coletiva, tudo isso inda vai… Mas ir pelos ares é que eu não quero!
– Entendo. E a polícia? Por que não fazem ronda?
– Dona, se fizerem ronda aqui, vai nevar no Rio de Janeiro. Alguém já tinha pensando nisso antes? Eles acham isso impossível! Eu, tenho certeza, e não tenho seguro nem família…
Deu um suspiro, olhou em volta:
– Só esta vista maravilhosa! É por isso que não quero morrer! Entende? Quando passa um helicóptero, dá até vontade de dar um tchauzinho…
Guardei a máquina, chamei o Mateus, fomos pro carro. Muda, calada. Otávio desceu dirigia bem devagar, observando a paisagem. Ninguém falava mais nada.