Madalena
… e lhe regou de lágrimas os pés, e os
enxugou com os cabelos da sua cabeça.
Evangelho de S. Lucas.
Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil…
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,
De resignar-se torpemente dúctil…
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensanguentado, enxovalhado, inútil,
Dentro do peito, abominável cómico!
Morrer tranquilo – o fastio da cama…
Ó redenção do mármore anatómico,
Amargura, nudez de seios castos!…
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!
Clepsidra
Camilo Pessanha
Editora Princípio – edição 1989