à frente do corpo
havia um mudo
mundo parado
dentro do copo
de iogurte
oferecido
feito oferenda
ao morto negro
que já não sonhava
certamente
(embora adjetivos desse tipo estejam tão fora do atual padrão poético)
eu não morri
(embora carregue comigo a cicatriz de Ulisses)
entrevistei meu
assassino
mas ele não quis falar
disse que não iria falar
pra a máquina de moer
gente e não disse nada
corpo caído em frangalhos
sem colchão
deliberadamente
(sem dor ou barulhos
em silêncio a dor bateu
no paralelepípedo
em forma de estilete
em forma de estilingue
paulada no coco
que se descasca no cascalho
 – eu preciso falar mais
falar mais um pouco
mais um pouco falar
mas o anteparo me desampara
– ele não quis falar
a bala gritou algo
talvez mentiroso
em minha mente
como a chupeta
que virava flor
na menina
boca de meu assassino)
e fomos quietos
para sempre
inevitavelmente
sirenes sereias
nadaram no convés
do camburão
o mar da madrugada
o silêncio do país