Sob a lua
Rompida a face da manhã, o que lhe sobraria senão as cores do tudo em torno? Da pouca luz, recolheria cada peça de roupa largada pelo caminho entre a sala e a varanda, e sobreporia, à memória caída no ladrilho, a sensação de que o tempo, esse filho bastardo dos acontecimentos, pudesse, por fim, ser submetido.
Mas sentir não é tudo: não pode, com sua percepção difusa, apreender todas as faces do sucedido. E o fato é que ela está ali, nua, deitada – meio de lado, meio de bruços –, os cabelos lhe cobrindo o rosto, as coxas entremostrando as delícias, a bunda – poderosa, empinada, maravilhosa – desafiando o sereno que o sol logo evaporaria.
Ali, de pé, abraçado às roupas, ele contemplaria. E insistiria em sobrepor-se ao ocorrido, à noite que fora sua, à vertigem do encontro entre dois mundos. Todavia, não lograria superar a lembrança do olhar dela, de ira e reconhecimento por ver desvendado aquele ponto de seu segredo.
Ali, parado, contemplando, reveria a cena: ela encaixada em sua pelve, a mão direita no chão; a esquerda, agarrada à sua nuca. Ele afasta os joelhos e baixa sutilmente o quadril. Os olhos dela lampejam, entre agradecidos e indignados. Ele não sabe de onde vem o uivo que se segue. Só sabe que não é dela. Quando dá por si, estão colados, ofegantes. Suas pernas, dobradas ao peso de dois, doem muito.
O que fazer para reter tudo? Como não permitir que o tempo minta também sobre isso?
Antes que a manhã o dissolva – ali, parado, roupas no colo, contemplando – ele tenta desesperadamente encontrar um modo de fazer durar o instante em que fora inteiro.