A prostituta
Como uma dor repassada de paciência,
ela é morena escura.
A franja limita no olhar
com uma leve cicatriz antiga.
E uma cruz de ouro falso pende sobre o peito,
sobre o forte lilás do vestido.
Leva o liso cabelo de índia solto.
(As bonecas baratas de meus tempos de menino
se vestiam como ela.)
Será o relógio-pulseira
de um rico esportista-bandeirante?
Será de um pobre, duro, caminhoneiro?
Ela se senta na borda, ausente.
Vem, à hora de comer, à popa;
dou-lhe um copo d'água;
e retorna, discreta.
Maria Madalena, no barco de Pedro,
se sentava aos olhos do Senhor,
e o Senhor a mirava.
A ribeira é mais tenra
que os vasos de arroz da quinta-feira santa.
E o rio é como um óleo,
sob as muitas nuvens apeadas.
Antologia Retirante – poemas
Dom Pedro Casaldáliga
Editora Civilização Brasileira – edição 1978