É inédita a complexidade com que se defronta a Quarta Geração de dirigentes do Partido Comunista Chinês. Mudanças sócio-econômicas sem precedentes. Saneamento e reestruturação do setor empresarial do Estado. A adesão à Organização Mundial do Comércio e uma estratégia de reformas econômicas à la “leninismo de mercado”. Uma matriz organizacional de planejamento baseada no leninismo, adaptada a uma perspectiva de um “capitalismo de Estado desenvolvimentista”.

Enormes modificações no “tecido sócio-cultural” produzidas pela urbanização mais que acelerada, uma dinâmica nova da mobilidade geográfica. Desafios inteiramente desconhecidos no que tange à emergência de novos grupos sociais – empresários –, novas atividades econômicas (tecnologia da informação), isto “saindo do controle” do Estado.

Para além disso, sabidamente a China altera suas posições no sistema de relações internacionais. Substituindo relações baseadas no “bilateralismo”, um crescente envolvimento nas questões internacionais e uma visão estratégica voltada para um “multilateralismo condicionado”. Daí um crescente processo de integração no “espaço asiático”, através de diálogos políticos e de segurança regional e trans-regional. A constituição da ARF (Asiana Regional Fórum) e da ASEM (Asia-Europe Meting), especialmente, possibilita a construção de um “espaço natural” geoestratégico e geopolítico de não hostilidade a Taiwan, simultaneamente buscando reduzir a pressão da influência dos EUA.

Tudo isso não seria possível sem um rápido processo e modernização do aparelho militar da China e uma nova concepção de seus estrategistas acerca das novas condições de desenvolvimento dos conflitos armados. O aumento do orçamento para a Defesa, centrada em: a) expansão da capacidade de seu sistema de mísseis; b) desenvolvimento de aviões de combate “multirole”; c) aumento de sua capacidade naval de “perimeter defense” e das operações anfíbias. Tudo sintonizado à mudança no conceito de “local war” para “hightech war”.

Alterações no processo de consolidação de chefias no famoso Exército Popular de Libertação (EPL) se defrontariam com duas tendências importantes. Uma primeira, marcada por não completa identidade entre a Quarta Geração de chefes militares do EPL e a Quarta Geração de dirigentes. A segunda, onde a emergência de uma nova China no cenário mundial estaria sendo um conduto para um nacionalismo atuante como fator de “distensão na sociedade e como suporte político das reformas econômicas”; o reposicionamento estratégico do EPL lhe reservaria função de “prolongamento militar do poder econômico”.

No centro nevrálgico de tudo, as transformações ideológicas no Partido Comunista Chinês, que transitariam do marxismo-leninismo-maoísmo para um nacionalismo de Estado como principal fator mobilizador de massas da sociedade chinesa, suportado num “pragmatismo tecnocrático”. Um novo nacionalismo, tipificado em: a) nacionalismo político; b) identidade étnica; e c) uma concepção culturalista da posição da China no mundo. O que, ainda, fundaria o exercício do poder para “manter o mais inalterada possível a sede do poder”.

Tal nacionalismo chinês – “como ideologia útil” –, em síntese, emergiria como uma resposta ao
pós-maoísmo (“três crises espirituais”): de confiança no socialismo, de confiança no futuro do país e de confiança no Partido. Wang Gungwu, por exemplo, disserta sobre as várias facetas desse nacionalismo: a) afirmação da soberania; b) unificação do território; c) respeito pela moral nacional; d) recuperação dos valores tradicionais (apud Romana, p. 258).

Todavia, quais seriam a principais características dessa nova liderança chinesa? 1) é relativamente jovem e possui formação acadêmica; 2) afiliou-se ao PCCh no auge da Revolução Cultural, somente iniciando a carreira política nos fins dos 1970, sob a influência do presidente Deng Xiao Ping; 3) tem pouca experiência militar e adveio dos centos urbanos costeiros.
A obra de Heitor Barrras Romana é poderosa, crítica e inigualável a tudo o que foi publicado no Brasil acerca das extraordinárias transformações da exuberante China. No âmago, como diz o título, o exame detalhado (das transmutações) na sede do “anagrama” chinês: o Partido Comunista!

Sérgio Barroso

EDIÇÃO 98, OUT/NOV, 2008, PÁGINAS 80