O Brasil em Pequim
As provocações e os ataques que aquele país e a organização dos Jogos sofreram durante os preparativos do evento se transformaram em pó diante da grandiosa realização. Uma a uma, cada insinuação dava espaço para o júbilo de um país que impressiona pelo desenvolvimento nacional, capacidade de seu povo e eficiência do sistema de governo.
A China se mostrou ao mundo. Sua história, tradição e futuro pretendido. A China palco da celebração dos valores olímpicos da amizade entre os povos e nações e o desejo de paz no mundo.
Os Jogos de Pequim foram pródigos também na superação de todas as barreiras. A cada dia assistimos a recordes serem quebrados. Ao maior número de países se somou o maior número de atletas, a conquista de medalhas por mais nações, recordes pessoais de conquistas, enfim, de qualquer ângulo Pequim marcou definitivamente a história do esporte mundial.
Pequim marcou, também, a evolução do esporte brasileiro.
Em 2008, o Brasil teve sua maior delegação olímpica: 277 atletas, dentre os quais se destaca a participação recorde de mulheres e a qualificação para disputas em 32 modalidades. Um atleta vai à Olimpíada não apenas porque deseja, ele precisa atingir determinado índice técnico e, se mais atletas atingiram as marcas exigidas, é porque houve uma evolução em nosso nível técnico.
Nunca participamos de tantas finais – em Atenas, foram 30 e, agora, em 38 oportunidades tivemos brasileiros entre os melhores do mundo. Conquistamos 15 medalhas, fato notável quando consideramos que, desde 1932, nossa participação em todos os Jogos representou a conquista de 73 premiações.
Há diferenças entre as modalidades. Algumas Na categoria T46 da maratona, para atletas amputados ou com má formação congênita, Tito Sena conquistou uma prata avançaram, outras recuaram, mas no conjunto houve evolução técnica. Basta examinar, modalidade a modalidade, como foi o desempenho agora e em edições anteriores.
Como de praxe, o final dos Jogos Olímpicos também abriu a temporada de avaliações sobre a participação brasileira. O esporte mexe com emoção, o que nos impõe ter muita paciência no diálogo com as críticas e é preciso inteligência para assimilar as boas idéias e transformá-las em ação no próximo período.
Há abordagens que não são razoáveis. Restringir a avaliação de nosso desempenho à conquista de ouros é de uma superficialidade assustadora. Alguém avalia que a Jamaica, do fenômeno Usain Bolt, tem o esporte mais desenvolvido que a França? Ou que a Etiópia e seus corredores de provas de fundo estão à frente da Espanha? São distorções possíveis, para não falar de muitas outras, que um ranking pelas medalhas de ouro pode produzir. Aliás, o ranking por ouros é um filho da Guerra Fria, que sobreviveu aos dias de hoje – invenção dos Estados Unidos para tentar afirmar a supremacia do capitalismo que, aliás, rapidamente se mostrou ineficiente, já que o campo socialista quase sempre esteve à frente nas disputas. E claro, o ranking também é útil para ocupar espaços no noticiário.
Outro exagero. Vincular a boa ou má performance de um país a resultados esperados de alguns ídolos. Isso é artificial e quase cruel. Alguém em sã consciência pode imaginar que um atleta vai competir para perder? Todos os brasileiros entraram na disputa e deram o máximo de si, são nossos heróis olímpicos. Mas são humanos, podem errar um movimento que fazem com maestria há anos e, numa fração de segundos, serem superados por um adversário.
Houve também quem bradasse contra a falta de apoio aos atletas. Nesse caso houve, da parte de alguns, má-fé, de outros, desinformação. Nunca se investiu tanto no esporte olímpico brasileiro. Felizmente as condições que nossos atletas olímpicos desfrutam hoje não têm comparação no passado. Treinamento, acompanhamento técnico, intercâmbio internacional, aclimatação no período olímpico etc. São condições ideais? Provavelmente não, mas indiscutivelmente superiores a todos os outros períodos.
Não poderiam faltar aqueles que reivindicavam uma “verdadeira” política esportiva no Brasil. É discurso político. Na verdade, é uma forma de divergir do que existe. Mas como ocultar o crescimento dos investimentos públicos e privados no esporte? Como não valorizar os programas de inclusão social através do esporte? Como não perceber a estruturação de uma rede de gestão pública para políticas de esporte e lazer? Como não identificar a expansão da infra-estrutura esportiva no País? Como não comemorar a ampliação acelerada do número de profissionais qualificados em educação física e esporte? E o que dizer do Bolsa-atleta? Tudo isso é resultante de política pública que serve ao desenvolvimento do esporte brasileiro.
O Brasil teve uma participação espetacular nos Jogos Para-olímpicos. Num verdadeiro exemplo de coragem e superação, conquistamos 47 medalhas, sendo 16 de ouro, 14 de prata e 17 de bronze. É importante lembrar também que, deste total, 15 medalhas vieram de competidores contemplados pelo Bolsa-Atleta, com 5 de ouro, 3 de prata e 7 de bronze. O Bolsa-Atleta é um programa do Ministério do Esporte que garante uma renda mínima a atletas de alto rendimento que não tenham patrocínio.
A performance dos atletas para-olímpicos brasileiros mostra a eficiência de pessoas que precisam de oportunidades para mostrar sua capacidade, e lança luzes sobre a realidade de cerca de 25 milhões de brasileiros que possuem alguma deficiência e devem ser protagonistas de políticas públicas de modo a exercer plenamente sua cidadania.
Está tudo, então, perfeito no esporte do Brasil? Não, longe disso. O que talvez não seja prudente é fazer o discurso fácil da terra arrasada. A crítica deve servir para orientar nossos desafios. O Brasil esteve bem em Pequim. E nossos atletas merecem aplausos e acolhimento. Parabéns a todos eles, parabéns ao Brasil.
Orlando Silva é ministro do Esporte
EDIÇÃO 98, OUT/NOV, 2008, PÁGINAS 42, 43, 44