O milagre da poesia
Ontem aconteceu o lançamento do livro "caminhos poéticos da periferia" com os jovens do CRAS/Scândia de Taboão da Serra, Grande São Paulo. Se deus realmente existe eu não sei -"… não me esforço para acreditar em deus, esforço-me para que ele acredite em mim"-, mas eu
sou testemunha viva deste milagre. O Milagre da poesia.
Sabe um daqueles dias que você vive como se o mundo fosse exatamente como sonhou, e que todas as mazelas que afetam a dignidade humana, principalmente os jovens e as crianças, fossem extintas da humanidade? E que se a gente procurasse o significado da palavra "desigualdade" no dicionário, estaria escrito apenas: "algo ruim que aconteceu no século 20 ", simples assim ? Ontem foi um desses dias.
Tudo começou com umas oficinas de poesia caminhando pelas ruas do bairro, com uma turma de meninos e meninas de 15 a 17 anos, uns vinte e tantos, monitorados pela madrinha Eliete Mendes, a grande mentora do milagre, mas sem querer ser a santa, apenas um ser humano tocado pela
generosidade, e pelo amor à educação.
Aí, quando o poema se instalou nos olhos da molecada, ela mais do que depressa, antes que o fogo se apagasse, incendiou o coração deles com uma proposta de escrever um livro com as poesias que fossem surgindo nas oficinas, o que ela achou que seriam poucas. "Se ferrou."
Os poemas não paravam de chegar, parecia que todas as gavetas, onde eles dormem, tivessem sido abertas ao mesmo tempo, e no mais bom e belo estilo da magia que só os jovens sabem o segredo, e eles começaram a rodopiar a esmo pela sala como pássaros que fogem da gaiola, que mal conseguem controlar a liberdade.
Diante desta benção e desta chuva de palavras despertas, ela ria pra mim com dentes enormes, que mais pareciam teclas de máquina de escrever, e eu, incrédulo pelo poder da literatura, ajoelhei-me diante da minha arrogância, e agradeci pela lição do dia: ninguém nada pode contra um sonho. Contra o amor.
No lançamento do livro a comunidade, os amigos e os parentes destes "escritores da liberdade da periferia" compareceram em massa na Associação de bairro do Pirajuçara, quase cem pessoas, para prestigiar estes jovens, que apesar de tudo e de todos que atravancam seu caminho ainda escrevem poesia.
Como este milagre está acontecendo na periferia, quase ninguém vê. Nem São Tomé. Nem a Virgem Maria. Sei não, acho que um deus é pouco para tanta gente.
Pensei nisso tudo nesta terça-feira enquanto eles autografavam o meu livro, enquanto eles carregavam o seu primeiro livro nas mãos. Mais o mais bacana de tudo é que o primeiro livro que eles vão ler, é de poesia, e o melhor de tudo, escrito por eles. E para eles. Ah, que sensação divina ver estes diabinhos caminhando no céu por cima da terra…
Perguntei para uma garota o que ela estava sentindo por conta do livro, e ela me disse:
– Tô com mó urgulho de mim.
– Eu também.
Amém? De jeito nenhum.
Notas
Este livro teve o apoio cultural da Cooperifa e da Eurotur Turismo
Fotos do lançamento do livro no blog:
www.colecionadordepedras.blogspot.com