Viver é jogo rápido, dizem. Não dá pra investir. Pode vir aí uma crise maior, acidente fatal, um câncer… E lá se foi toda poesia. Basta ir à feira, pra ver o que custa ficar vivo. E a farmácia? O açougue? A padaria? E se precisar de um serviço público? Pode encontrar um funcionário amargoso, do outro lado do guichê, lendo jornal ou fazendo tricô distraído, como se a conversa não fosse com ele: “Vai reclamar pro bispo, se não está satisfeito. Também pelo que ganho!” Pior se encontrar uma batida ou barreira de trânsito. A autoridade, com arma e tudo, excede no baculejo. Padece mais se for motoqueiro. “Tira o capacete. Mãos na cabeça. Abre as pernas. A multa é de lascar. Mas pode ficar por menos.” O banco, então… Esfola para guardar seu dinheiro. O melhor negócio do mundo. Vive do alheio. Empresta o que não é dele. E os juros? Quando quebra, à ameaça de falta de liquidez, porque investiu o dinheirinho dos correntistas na especulação, vem o governo e socorre, com o suorzinho dos pagadores de impostos, do que sonega à saúde, à educação. Só não exclui as esmolas com que cala e aumenta a pobreza e a humilhação do populacho. Mesmo morrer, que já foi coisa prosaica, desanima quem se atreve, por querer ou por descuido, embarcar desta para a melhor. A extrema viagem virou acerto de contas. Além dos custos da UTI, do formol. No caso, não é à espera de ressurreição, mas para dar ao morto um ar de peixe congelado, e fique nos vivos a impressão de que não vai apodrecer. À família, a sensação de conforto. O decujos aparenta elegante e digno. “Viu como ele está bonito! Parece até que sorri!” E há outros acertos. Meu amigo Gerso, recentemente, teve que ir à funerária para ajeitar o enterro de uma tia. Na fila, uma mulher gritava desesperada ao celular: “Agora, que o miserável morreu, vou cortar a aula de música, o dentista, a natação de meus filhos.” Do outro lado, voz feminina retrucava: “É isso aí, sua vaca. Você sugou o sangue dele, agora rói os ossos.” “Roa você, sua vagabunda, porque não vem pegar a carniça para dar fim nela?”  “Cuide disso você, não é a matriz? Não é quem vai ficar com a casa e o carro?” “E com as dívidas também sua Messalina.” Gerso concluiu o doloroso serviço e foi avisar a parentalha. Lá pela meia noite, acorreu ao velório. No corredor notou que em uma sala estava um cadáver sozinho. Porta fechada. Nada de velório. O defunto demorava sem choro nem vela. Indagou a um dos guardas do ambiente: “E este aí, quem é?” O guarda respondeu: “Sei lá. Veio aí uma mulher brava. Mandou descarregar o caixão, trancou a porta e foi embora. O quem é ficou aí sozinho.” Depois de alguns cafés e falas sobre a morte da parenta, foi descansar. Ao amanhecer voltou ao cemitério. A inumação seria às nove horas. Deu uma olhada na sala onde estava o cadáver solitário. Nem sinal. Instado, outra vez, o guarda esclareceu: “Olha, logo que amanheceu, veio aí a mesma mulher de ontem, mandou enterrar o finado e saiu resmungando. Não era choro nem lamentação.”