A expansão a partir da Guerra de Secessão

o findar a Guerra de Secessão, o processo de industrialização da economia americana se aprofundou de maneira impressionante. O que chama a atenção é a velocidade das transformações. Em menos de 50 anos, o gigantesco salto econômico dos EUA transformou o país, ainda em grande medida agrário de Abraham Lincoln, na potência industrial de Theodore Roosevelt.

A experiência norte-americana, em verdade, configura um processo único, que não encontra paralelo na história. Em 1913 o PIB dos EUA já era mais de 25% superior à soma do PIB da Inglaterra e da Alemanha (em 1870 o PIB americano equivalia ao da Inglaterra). A população norte-americana, graças ao enorme fluxo migratório (23 milhões de imigrantes entre 1880 e 1920), saltou de 39 milhões em 1870 para 97 milhões em 1913. A participação norte-americana na produção industrial mundial, passou de 23% em 1870 para 36% em 1913.

Papel de destaque na revolução econômica assistida pelos EUA após a derrota dos Estados Confederados coube, sem dúvida, à vertiginosa expansão de sua rede ferroviária. A ferrovia (e com ela o telégrafo) incorporou as vastas regiões do espaço continental norte-americano aos mercados local e internacional, permitiu a mobilidade da força de trabalho, reduziu os custos do transporte, exerceu impactos dinâmicos notórios sobre as indústrias metal-mecânica, mineral (carvão) e de construção civil, inaugurou novas modalidades de gestão empresarial, impôs a mobilização de somas gigantescas de capital e construiu as bases para o nascimento do modern capitalism.

A concessão de terras pelo Estado (grants of land) e a ação dos bancos de investimento foram vitais para a viabilização da expansão ferroviária. A bem da verdade, o próprio surgimento e a indisputada preeminência dos bancos de investimento na estrutura financeira dos EUA na aurora do século XX (J.P. Morgan é seu caso mais conspícuo) se explicam pelos requerimentos financeiros impostos pela construção ferroviária.

A interpenetração entre os negócios bancários e industriais nos EUA teve também na construção ferroviária o seu ponto germinal. Magnatas das finanças passaram a delas participar, assim como proprietários de ferrovias tornaram-se banqueiros. Foi também no âmbito da expansão ferroviária que entraram em cena os primeiros robber barons da história americana, que se assistiu à multiplicação de práticas financeiras fraudulentas, e que surgiram as primeiras reações ao poder dos monopólios.

Dessa forma, o processo de industrialização e de acumulação de capitais já em curso nos EUA, mesmo antes da Guerra de Secessão, encontrou na ferrovia o veículo que iria revolucionar e aprofundar sua tendência imanente à expansão. Mas as transformações da estrutura econômica dos EUA não se resumiram à ferrovia. A vigorosa expansão da economia americana entre 1860 e 1910 abarcou todos os setores de atividade. Este foi um processo amplo, em que as mudanças qualitativas se fizeram acompanhar, ao mesmo tempo, por expressivas mudanças quantitativas. Ao longo desse período as transformações tecnológicas foram notáveis e se irradiaram pela agricultura e pelo conjunto da indústria, redundando na adoção de novos processos, na introdução de novos produtos e na elevação geral da produtividade. A avalanche da revolução tecnológica abarcou todos os setores da economia.

No processamento dos produtos agrícolas, na refrigeração, nas embalagens metálicas, na destilação, na estandardização dos têxteis e vestuário, na produção siderúrgica, no tratamento do cobre e do alumínio, na contínua sofisticação das máquinas-ferramentas, na engenharia de construção e no aprimoramento das máquinas a vapor – entre tantos exemplos –, a avalanche da mudança tecnológica abarcou todos os setores da economia. Ao mesmo tempo, a emergente indústria do petróleo, a utilização crescente da eletricidade para fins industriais e residenciais, os avanços da química e os primeiros passos da indústria automobilística na virada do século indicavam que as transformações econômicas, tecnológicas e sociais estavam ainda longe de ser esgotadas. Na mesma linha, o avanço da urbanização (em 1910 mais de um milhão de habitantes já viviam em cada uma das três grandes cidades americanas – Nova Iorque, Filadélfia e Chicago) abria inúmeras possibilidades para a produção em massa de bens de consumo e para a indústria da construção (a Brooklyn Bridge é de 1883).

Ao contrário da Inglaterra, que prontamente se direcionou para os mercados externos, foi com base na exploração das potencialidades de seu gigantesco mercado interno que os EUA se firmaram como a principal potência industrial. É certo que as exportações norte-americanas inevitavelmente cresceram a partir de 1870. O coeficiente de abertura da economia americana, contudo, era sensivelmente inferior ao da Alemanha e da Inglaterra – em 1913 as exportações representavam 6,1% do PIB nos EUA, contra 17,5% na Alemanha e 20,9% na Inglaterra. As exportações americanas, em verdade, cresceram como um desdobramento do crescimento endógeno do capitalismo dos EUA, e não porque para se firmar e se expandir o capitalismo norte-americano necessitasse se voltar aos mercados externos. A sua dinâmica, após a Guerra de Secessão, centrou-se, de maneira marcante, nas possibilidades e na expansão de seu mercado interno.

A progressiva expansão das exportações alterou a estrutura do balanço de pagamentos norte-americano. Entre 1896 e 1914 o crescimento das exportações redundou na obtenção de elevados superávits comerciais e em saldos positivos nas transações correntes. O país – mesmo sendo ainda devedor líquido por conta dos estoques acumulados de dívida – transformou-se em exportador de capitais.

Para além das especificidades setoriais, uma marca característica da expansão do capitalismo nos EUA (sobretudo a partir de 1880) foi o elevado grau de concentração e centralização, que redundou no domínio dos mercados por algumas grandes corporações. As ondas de fusões horizontais (1879-1893) e verticais (1898-1904) evidenciam a impressionante velocidade alcançada pela centralização do comando capitalista em tão curto espaço de tempo. Neste processo, a chamada “classe financeira” desempenhou um papel crucial, pelo simples fato de os requisitos financeiros indispensáveis ao avanço da concentração e da centralização muitas vezes terem ultrapassado a acumulação interna de lucros das empresas.

Produzir em massa, distribuir em massa, auferir ganhos progressivos de escala e aumentar o market share eram imperativos maiores que se impunham a todos os ramos de atividade. As grandes corporações que daí surgiram, quer na indústria ou no comércio, estabeleceram novos e elevados padrões de organização empresarial, de escala de operações, de controle dos mercados e de poderio financeiro, que redefiniram os termos da concorrência inter-capitalista. Nessa época é que nasceram alguns gigantes, muitos deles ainda hoje ativos e operantes.

Como seria de esperar, o processo de monopolização da economia norte-americana suscitou fortes reações, como a dos “populistas” em sua cruzada destinada a limitar o poder econômico e político do big business. A principal raiz do descontentamento que iria desaguar na criação do People’s Party em 1891 estava no campo: os agricultores externavam sua contrariedade ora contra os banqueiros, ora contra os proprietários de silos e armazéns, ora contra os fabricantes de implementos agrícolas e bens de consumo, ora contra as ferrovias. Paralelamente, os industriais e comerciantes que iam sendo esmagados pela voragem da centralização uniam suas vozes à dos agricultores, e também cerravam fileiras no movimento populista:

A grande vitória alcançada pelos populistas foi a promulgação do Sherman Antitrust Act de 1890. Através de sua aplicação procurou-se disciplinar a concorrência, e até mesmo sanções foram impostas à ação dos monopólios. Entretanto, a marcha da centralização foi avassaladora, e nada conseguiu deter o controle de poucos, traço que se tornou característico do capitalismo norte-americano. Em verdade, o dinamismo da economia americana passou a se confundir com a própria vitalidade de suas grandes corporações.

Não houve força política ou econômica capaz de conter o avanço da centralização. O modern capitalism – e com ele a celebração do individualismo e da concorrência impiedosa, a imposição do primado da eficiência sobre as normas da equidade, e a entronização do consumo como critério de sociabilidade –, esse estilo tipicamente norte-americano de produzir em massa, consumir em massa e viver em massa, foi gestado e sedimentado nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. A expansão frenética a que se assistirá nos anos 1920 far-se-á justamente sobre a base econômica e social construída nestas décadas.

Os EUA e Primeira Guerra Mundial

Apesar dos vínculos econômicos e culturais historicamente estabelecidos com os aliados (notadamente com a Inglaterra), os EUA, de início, resistiram a um envolvimento direto na guerra que eclodiu passos da indústria automobilística na virada do século indicavam que as transformações econômicas, tecnológicas e sociais estavam ainda longe de ser esgotadas. Na mesma linha, o avanço da urbanização (em 1910 mais de um milhão de habitantes já viviam em cada uma das três grandes cidades americanas – Nova Iorque, Filadélfia e Chicago) abria inúmeras possibilidades para a produção em massa de bens de consumo e para a indústria da construção (a Brooklyn Bridge é de 1883).

Ao contrário da Inglaterra, que prontamente se direcionou para os mercados externos, foi com base na exploração das potencialidades de seu gigantesco mercado interno que os EUA se firmaram como a principal potência industrial. É certo que as exportações norte-americanas inevitavelmente cresceram a partir de 1870. O coeficiente de abertura da economia americana, contudo, era sensivelmente inferior ao da Alemanha e da Inglaterra – em 1913 as exportações representavam 6,1% do PIB nos EUA, contra 17,5% na Alemanha e 20,9% na Inglaterra. As exportações americanas, em verdade, cresceram como um desdobramento do crescimento endógeno do capitalismo dos EUA, e não porque para se firmar e se expandir o capitalismo norte-americano necessitasse se voltar aos mercados externos. A sua dinâmica, após a Guerra de Secessão, centrou-se, de maneira marcante, nas possibilidades e na expansão de seu mercado interno.

A progressiva expansão das exportações alterou a estrutura do balanço de pagamentos norte-americano. Entre 1896 e 1914 o crescimento das exportações redundou na obtenção de elevados superávits comerciais e em saldos positivos nas transações correntes. O país – mesmo sendo ainda devedor líquido por conta dos estoques acumulados de dívida – transformou-se em exportador de capitais.

Para além das especificidades setoriais, uma marca característica da expansão do capitalismo nos EUA (sobretudo a partir de 1880) foi o elevado grau de concentração e centralização, que redundou no domínio dos mercados por algumas grandes corporações. As ondas de fusões horizontais (1879-1893) e verticais (1898-1904) evidenciam a impressionante velocidade alcançada pela centralização do comando capitalista em tão curto espaço de tempo. Neste processo, a chamada “classe financeira” desempenhou um papel crucial, pelo simples fato de os requisitos financeiros indispensáveis ao avanço da concentração e da centralização muitas vezes terem ultrapassado a acumulação interna de lucros das empresas.

Produzir em massa, distribuir em massa, auferir ganhos progressivos de escala e aumentar o market share eram imperativos maiores que se impunham a todos os ramos de atividade. As grandes corporações que daí surgiram, quer na indústria ou no comércio, estabeleceram novos e elevados padrões de organização empresarial, de escala de operações, de controle dos mercados e de poderio financeiro, que redefiniram os termos da concorrência inter-capitalista. Nessa época é que nasceram alguns gigantes, muitos deles ainda hoje ativos e operantes.

Como seria de esperar, o processo de monopolização da economia norte-americana suscitou fortes reações, como a dos “populistas” em sua cruzada destinada a limitar o poder econômico e político do big business. A principal raiz do descontentamento que iria desaguar na criação do People’s Party em 1891 estava no campo: os agricultores externavam sua contrariedade ora contra os banqueiros, ora contra os proprietários de silos e armazéns, ora contra os fabricantes de implementos agrícolas e bens de consumo, ora contra as ferrovias. Paralelamente, os industriais e comerciantes que iam sendo esmagados pela voragem da centralização uniam suas vozes à dos agricultores, e também cerravam fileiras no movimento populista:

A grande vitória alcançada pelos populistas foi a promulgação do Sherman Antitrust Act de 1890. Através de sua aplicação procurou-se disciplinar a concorrência, e até mesmo sanções foram impostas à ação dos monopólios. Entretanto, a marcha da centralização foi avassaladora, e nada conseguiu deter o controle de poucos, traço que se tornou característico do capitalismo norte-americano. Em verdade, o dinamismo da economia americana passou a se confundir com a própria vitalidade de suas grandes corporações.

Não houve força política ou econômica capaz de conter o avanço da centralização. O modern capitalism – e com ele a celebração do individualismo e da concorrência impiedosa, a imposição do primado da eficiência sobre as normas da equidade, e a entronização do consumo como critério de sociabilidade –, esse estilo tipicamente norte-americano de produzir em massa, consumir em massa e viver em massa, foi gestado e sedimentado nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial. A expansão frenética a que se assistirá nos anos 1920 far-se-á justamente sobre a base econômica e social construída nestas décadas.

Os EUA e Primeira Guerra Mundial

Apesar dos vínculos econômicos e culturais historicamente estabelecidos com os aliados (notadamente com a Inglaterra), os EUA, de início, resistiram a um envolvimento direto na guerra que eclodiu em agosto de 1914. Em 6 de abril de 1917, após dois anos e sete meses de neutralidade formal, eles finalmente declararam guerra à Alemanha.

Nos dezenove meses em que participaram diretamente do conflito, os EUA assistiram a uma mobilização impressionante de recursos humanos e materiais: o contingente das forças armadas, por exemplo, de 180 mil membros, em 1916, saltou para aproximadamente 3 milhões em 1918. Os imperativos da guerra determinaram que, pela primeira vez em sua história, os EUA organizassem uma “economia de comando”: inúmeras agências de controle foram criadas, de modo a assegurar a regulação de preços e salários, a incorporação de mão-de-obra às necessidades da produção, a disciplina no uso das matérias-primas, o provisionamento de alimentos, a operação da rede de transportes, o direcionamento do consumo e a alocação dos investimentos. Por um curto período, o planejamento governamental se sobrepôs ao livre funcionamento da economia de mercado. A centralização das decisões econômicas no Estado representou uma experiência inédita na história americana. Ainda que em caráter excepcional, a regulamentação governamental ordenou e orientou as atividades da economia norte-americana, firmando um nítido contraponto em relação à liberdade de ação dos capitais e aos princípios do business as usual.

Com o final do conflito as agências de controle foram imediatamente extintas e o país, após as atribulações de 1919-1921, ingressaria em uma fase de crescimento eufórico em que a ação do Estado não só foi limitada como, ademais, desestimulada. O transe comemorativo republicano dos anos 1920 simplesmente excluiu o planejamento central e a regulação pública da agenda econômica. Nada deveria se sobrepor à lógica pura e simples dos negócios. A age of business da década de 1920 representou a revanche das forças do mercado ao arsenal de regulamentações impostas durante os anos de guerra. Foi necessária a dramaticidade da depressão dos anos 1930 para que o princípio da intervenção governamental fosse ressuscitado.

A guerra trouxe benefícios econômicos inegáveis aos EUA. Enquanto na Europa as potências centrais e a França sofriam arduamente as consequências do conflito, e a Inglaterra se via submetida a uma permanente tensão, os EUA se converteram em exportadores privilegiados de material bélico e alimentos e em credores mundiais por conta dos empréstimos concedidos aos aliados. Ao findar o conflito, as dívidas de guerra junto a eles totalizavam US$ 11,9 bilhões, sendo US$ 4,7 bilhões de responsabilidade da Inglaterra e US$ 4,0 bilhões devidos pela França. Os EUA tornaram-se, assim, credores internacionais líquidos e Nova Iorque emergiu como o principal centro financeiro mundial.

Do ponto de vista das atividades internas os efeitos da guerra foram igualmente significativos: entre 1914 e a média do período 1915-18, o PIB e a produção industrial cresceram 14,6% e 33%, respectivamente.

Não apenas as grandes corporações, os negócios de maneira geral e a agricultura foram beneficiados pela guerra: também os trabalhadores, em virtude das condições favoráveis do mercado de trabalho (redução do fluxo migratório, convocação de contingentes de trabalhadores às forças armadas e aumento da demanda de força de trabalho), auferiram ganhos reais de remuneração. As mulheres, mesmo provisoriamente, foram incorporadas ao mercado de trabalho (em 1920 conseguiriam o direito ao voto), e uma nova oportunidade se abriu para os afro-americanos. Durante a guerra as indústrias do nordeste americano passaram a recrutar trabalhadores no Deep South. Assim como nos demais países envolvidos no conflito, também nos EUA assistiu-se à elevação dos preços durante a guerra.

Entre 1914 e 1918 os preços ao consumidor cresceram cerca de 60%, enquanto no atacado o crescimento foi superior a 90%. Destaque-se, contudo, que a inflação nos EUA foi inferior à dos demais países envolvidos no conflito, e inferior, da mesma forma, aos ganhos nominais de salários obtidos pelos trabalhadores. Considerada a excepcionalidade do período de guerra, os EUA conseguiram conviver com uma inflação que, apesar de elevada, em momento algum revestiu características perturbadoras ou disruptivas.

Uma vez terminado o conflito, o aparato de agências, controles e regulamentações estabelecido durante a guerra foi subitamente desmontado. As empresas se lançaram, então, à readequação de suas estratégias, ao mesmo tempo em que o estabelecimento da paz propiciou o surgimento de novos negócios e oportunidades. Entretanto, longe de configurar um boom sustentado, o pós-guerra se caracterizou, acima de tudo, pela escalada dos preços.

A partir do final de 1919, as preocupações em relação à marcha da inflação promoveram a reversão das políticas monetária e fiscal. O corte nas despesas públicas em 1920 (fundamentalmente em virtude da redução nos gastos militares) foi draconiano. A contração prosseguiu em 1921-22, de maneira que as contas públicas passaram a apresentar superávits e a dívida pública ingressou em uma trajetória nitidamente declinante.

Se o aperto monetário e o arrocho fiscal estouraram a bolha especulativa, de outra parte conduziram a economia norte-americana à deflação e à recessão. O impacto da recessão de 1921 foi fortíssimo: o desemprego, de 1,4%, em 1919, saltou para 11,7%, em 1921. A recessão de 1921, contudo, chama a atenção não apenas por sua intensidade, mas também por sua brevidade: assim como as atividades subitamente despencaram, prontamente elas também se recuperaram. A diferença em relação ao desastre a que iria se assistir em 1929 é que a recessão de 1921, por conta do reduzido grau de endividamento então existente, não fulminou o sistema bancário. Em 1922 a produção industrial voltou a crescer 27% e o desemprego caiu para 7,2% (3,0% em 1923). A partir de então a economia americana ingressaria em um eufórico ciclo expansivo, que se acreditava inesgotável.

A guerra trouxe uma importante mudança no ambiente político dos EUA. Os mais de 100 mil norte-americanos que perderam suas vidas na Europa (a metade vitimada por doenças), o envolvimento em um conflito distante, travado em outro continente e completamente alheio ao curso dos acontecimentos na América, a imposição forçada de uma “economia de comando” nos anos de guerra, o aumento da carga tributária, o fortalecimento da posição dos trabalhadores, a eclosão de uma onda de greves em 1919-20, as migrações internas, as transformações culturais, a retomada da imigração em larga escala em 1920, a emergência do comunismo no plano mundial (Red Scare) e o prolongamento da inflação nos anos que se seguiram à guerra – todos estes fatores se combinaram de maneira a estimular, em grande parte da população, o desejo de que a América retornasse a “suas tradições”, revivesse “seus valores” e não mais se imiscuísse nos assuntos europeus.

Os republicanos souberam capitalizar este sentimento: nas eleições de 1920, o candidato republicano, Warren Harding, foi eleito com mais de 60% dos votos populares. Os republicanos, em sua cruzada liberal e isolacionalista, na verdade, estavam em sintonia com o espírito da época: sua vitória teve um significado profundo. Ela não foi apenas a derrota dos democratas. Ela representou, também, o esvaecimento dos grandes ideais reformistas, que só iriam renascer no New Deal de Roosevelt. O tempo que se abria no início dos anos 1920 não era o das reformas, e sim o da exaltação dos negócios e do individualismo desabrido.

A reafirmação dos “valores nacionais”, como sempre ocorre, trouxe consigo a perseguição aos “inimigos internos”: o álcool, os negros, os imigrantes e os comunistas converteram-se nos alvos preferenciais, vitimados pelo Volstead Act de 1919 (Lei Seca, que viria a ser revogada apenas em 1933 por Roosevelt), pelas ações da Ku Klux Klan, pelo Emergency Immigration Act de 1921 e pelas investidas “anticomunistas” do Procurador-Geral, Mitchell Palmer. A beleza americana já mostrava, aí, algumas de suas tantas feições ocultas…

Frederico Mazzucchelli é professor do Instituto de Economia da Unicamp

EDIÇÃO 99, DEZ/JAN, 2008-2009, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42