Obama e o declínio do hegemonismo unipolar dos EUA
O significado da eleição de Barack Obama, como o 44º presidente dos Estados Unidos da América, e os limites de seu governo requerem uma leitura multilateral. Nem o olhar míope de que nada se moveu, nem miragens. Não é sensato mirar uma águia e enxergar uma pomba. No entanto, é relevante saber a idade da águia, de que força ainda dispõe em suas garras e as contradições que se acumulam em seu ninho.
Ao derrotar a parte mais reacionária do establishment estadunidense e romper o crivo racista incrustado naquela sociedade, ao provocar uma ebulição de idéias e aspirações mudancistas em contraponto ao ciclo de obscurantismo, retrocessos e guerras do período George W. Bush, a eleição de Obama representa um episódio positivo. Vitória para qual foi decisivo o conjunto de efeitos da grande crise capitalista que sacode o mundo e que tem como epicentro os Estados Unidos. É relevante que a maioria do eleitorado tenha dito não ao legado retrógrado e macabro da era Bush. Rompeu-se o amplo respaldo social à política de guerra do imperialismo. Respaldo construído pelo poderoso complexo midiático e cultural.
Obviamente, ao se sublinhar o conteúdo positivo da vitória de Obama, não se deve extrapolar para o campo das ilusões. Primeiro, é patente que – por via desse atual processo eleitoral estadunidense regido por um bipartidarismo oligárquico e excludente – jamais se mudará a essência imperialista dos EUA. Segundo, para além das respeitáveis esperanças de quem votou no democrata, o líder de um império é eleito ou entronado ou coroado para com os poderes militares, políticos, econômicos e diplomáticos disponíveis defender os interesses desse império.
Se a eleição de Obama representou a derrota da parte pior do status quo estadunidense, se movimentou os trabalhadores e em especial a juventude em prol de aspirações democráticas, simultaneamente, restabeleceu legitimidade e prestígio interno e externo à Casa Branca. George W. Bush por onde ia era “caçado” por multidões que protestavam contra seu governo tirano e belicista. Na campanha eleitoral, na Alemanha, duzentas mil pessoas se reuniram para ouvir e aplaudir Obama. Ao imperialismo é importante o “imperador” em viagem pelos seus domínios ser recebido com aplausos em vez de apupos.
Até quando Obama será aplaudido nos EUA e no mundo é que o se verá. Vai depender do grau de frustração ante as expectativas que sua campanha angariou. Paz ou guerra? Unilateralismo a ferro e fogo ou gestos de respeito aos organismos multilaterais? Reforma financeira ou o mercado especulativo seguirá seu reinado?
A montagem do gabinete Obama obedeceu ao objetivo de amalgamar a divisão atual daquele país, fraturado pelos efeitos da crise e pelo legado desastroso do período Bush. Seu governo poderá ser uma espécie de “governo de salvação nacional”, com um líder carismático à frente. A missão de Obama é conter o declínio da supremacia dos EUA e tentar prolongar seu domínio e sua hegemonia sobre o resto do mundo. A bandeira que congrega o Partido Democrata e o Partido Republicano é a defesa resoluta dos oligopólios e do domínio ianque sobre o planeta.
Ao anunciar os titulares de seu gabinete para a Segurança Nacional e para a Política Externa, Obama resolveu deixar tudo bem claro: “Nosso poderio econômico tem de ser capaz de manter nossa força militar, nossa influência diplomática e nossa liderança global.” E acrescentou ao enaltecer o currículo dos escolhidos, entre eles, o do Secretário de Defesa, Robert Gates, que aplicou com denodo a política externa dos republicanos: “partilham o meu pragmatismo sobre o uso do poder e os meus objetivos sobre o papel dos Estados Unidos como líderes do mundo.”
Todavia, com os efeitos dialeticamente opostos da presente crise capitalista – destruição, ameaças e renovação e oportunidades– nem a atual geopolítica mundial, nem os Estados Unidos serão os mesmos. Se a resultante será progressista ou não, dependerá em grande medida da união e da ação de governos, povos, partidos e movimentos comprometidos com a paz, a democracia, a soberania e o progresso social.
EDIÇÃO 99, DEZ/JAN, 2008-2009, PÁGINAS 3