A megacrise do capitalismo financeirizado
Dilermando Toni
A devastadora crise do capitalismo financeirizado e neoliberal abalará ainda mais a atual ordem econômica, financeira e geopolítica mundial, hegemonizada pelos Estados Unidos. Trará mais luzes para os trabalhadores e os países que procuram resistir às pressões do império. Despertará mais interesse para as diferenças entre a situação dos EUA e da China, trazendo mais para perto a necessidade de buscar uma alternativa avançada ao capitalismo. Sem pessimismos, o Brasil deveria se preparar para o pior: é necessária e urgente a superação da atual política monetária e cambial.
A crise no traço de Hack ('Trubune', GB) Já se disse com propriedade que as crises capitalistas têm como característica comum a surpresa, pois que seu início acontece quando o ciclo econômico está no auge. Mais surpresas há agora, entretanto. Ninguém imaginou que a situação econômica e financeira internacional chegasse a tal ponto de degradação. E nem que as trilhonárias intervenções de socorro ao sistema financeiro, patrocinadas pelos Bancos Centrais dos países ricos, fossem incapazes de resolver de pronto o problema.
Arriscar previsões está mais difícil, é o senso comum. Mas se há cautelas quanto a isto, os representantes dos círculos financeiros dominantes não hesitam em defender o sistema, tratando apenas topicamente os problemas surgidos, como era de se esperar. Irremediavelmente, porém, a crise atual vai deixando patentes os limites do capitalismo e mostrando os rastros de destruição deixados mundo afora.
Do que se pode ter certeza é que a crise, pela sua profundidade e extensão, abalará ainda mais a atual ordem econômica, financeira e geopolítica mundial, hegemonizada pelos Estados Unidos. Trará mais luzes para os trabalhadores e os países que procuram resistir às pressões do império. Despertará mais interesse para as diferenças entre a situação dos EUA e da China, trazendo mais para perto a necessidade de buscar uma alternativa avançada ao capitalismo, estimulando a luta pelo socialismo.
Como começou: a bolha imobiliária
A crise começou há mais de um ano, em agosto de 2007, com o estouro da bolha imobiliária nos EUA. A partir dessa manifestação inicial mais visível, foram crescendo os sinais de que o setor financeiro, bancos incluídos, poderia ser seriamente afetado e a crise poderia provocar uma desaceleração na economia (real) dos EUA, com repercussões pela Europa.
A situação criada revelava uma saturação da relação entre um setor da economia real – as construções e o comércio de imóveis residenciais e comerciais nos EUA – e a economia financeira, em grande parte fictícia e especulativa. A elevação dos preços dos imóveis parecia não ter fim, proporcionando alegre sensação de riqueza (!) àqueles que os adquiriam. As hipotecas, muitas das quais de alto risco, eram transformadas sucessivamente em derivativos, apelidados de “inovações financeiras” e comercializados pelo mundo afora, em clima de euforia generalizada.
Com a elevação das taxas de juros nos EUA, com o aumento continuado das desigualdades de rendimentos, e considerando-se que os contratos de financiamentos de imóveis estavam baseados juros flutuantes, rompeu-se a cadeia de acumulação. Houve um crescimento assustador da inadimplência, construtoras e financiadoras vieram à falência, houve quedas sucessivas nas vendas e nos preços dos imóveis, assim como nos índices de novas construções, dando origem a uma situação caótica. Uma típica crise de superprodução relativa capitalista.
A conseqüência imediata da crise do setor imobiliário foi que os capitais especulativos migraram para os mercados futuros de petróleo e de commodities agrícolas cujos preços foram para as alturas. O barril de petróleo chegou ao recorde de US$ 147 em meados de 2008. Esperava-se então uma recessão branda nos EUA e uma desaceleração em outros países ricos. As expectativas em relação aos países em desenvolvimento eram muito diversas, mas não propriamente pessimistas. O dólar desvalorizava-se em praticamente todo o mundo. Aumentava-se as taxas de juros em função da expectativa de uma inflação crescente. Esse cenário prevaleceu até meados deste ano.
Agravamento: quebras e recessão
Depois de um ano, abriu-se um novo período, tendo como marco a quebra do tradicional banco de investimentos norte-americano Lehman Brothers, com dívidas de US$ 613 bilhões, em meados de setembro. Instala-se uma crise financeira de âmbito mundial, que coloca em cheque principalmente todo o sistema financeiro dos EUA.
Foram extintos os bancos de investimentos norte-americanos: o Bear Stearns foi absorvido pelo JP Morgan, o Lehman Brothers faliu, o Merrill Lynch foi comprado pelo Bank of America, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley não têm mais caráter de bancos de investimento exclusivamente. Dois outros gigantes financeiros, o Fannie Mae e o Freddie Mac, foram nacionalizados.
Além disto, a crise financeira atinge os bancos no seu conjunto e as bolsas de valores, em queda generalizada. O mesmo acontece com as seguradoras, a exemplo da American International Group/AIG, a maior do mundo no gênero: quase falida, ela teve que ser socorrida em US$ 120 bilhões pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) há cerca de um mês, mas já anunciou que, provavelmente, terá necessidade de outros US$ 120 bilhões para saldar dívidas. Dessa forma sistema de crédito, fundamental para o funcionamento do capitalismo financeirizado, neoliberal, paralisa-se, afetando negativamente a economia mundial, particularmente nos países de capitalismo desenvolvido.
Agora a recessão já é uma realidade nos EUA. Avolumam-se os anúncios de prejuízos e de falências. Em setembro, a produção industrial norte-americana teve a mais acentuada queda dos últimos 34 anos. No setor imobiliário o quadro é desolador: em setembro, o volume de inícios de construção de moradias nos EUA se aproximou de seu nível mais baixo em quase meio século; os preços dos imóveis caíram 21% a partir de meados de 2006.
Com a recessão e a desaceleração, a expectativa de inflação em alta transformou-se em deflação real. Os preços do petróleo já caíram para quase um terço do pico de julho, os de diversos tipos de aço caíram de 20% a 70%, os do minério de ferro em cerca de um terço. Idêntica tendência se verifica com outros metais: cobre, estanho, alumínio, níquel e suas ligas. O Baltic Dry Index (BDI) que mede o volume de carga embargada em navios, em escala mundial, tem sofrido sucessivas reduções. Este dado tem grande significância, pois é o principal indicador do comércio internacional e, por extensão, da atividade econômica.
A superprodução relativa – “o fenômeno fundamental das crises”, como descrita por Karl Marx – já se apresenta em toda a sua crueza, embora em ordem diferente da crise de 1929 a 1933, quando a superprodução antecedeu o crack da NYSE (Bolsa de Nova York). A produção e o comércio profundamente estão afetados.
O dólar volta a se fortalecer bruscamente, invertendo a tendência de desvalorização que predominava há dois anos e meio, ainda mostrando força como moeda hegemônica. Moedas em todo o mundo perdem valor e as expectativas cambiais são frustradas. Em curtíssimo tempo o dólar aumentou 16% em relação ao euro, 24% sobre o peso mexicano e o real, 9% sobre o rublo russo. Também se valoriza o iene japonês, outra moeda forte. Como é sabido, o aprofundamento desta tendência pode levar ao renascimento das crises cambiais que tanto maltrataram ultimamente os países em desenvolvimento. Noticia-se que do final de setembro aos meados de outubro Brasil, México e Rússia já haviam lançado mão de US$ 75 bilhões para fazer frente a esta situação.
A crise, com epicentro nos EUA, espraia-se para outros países de capitalismo desenvolvido na Europa e o Japão. Seus efeitos negativos são também sentidos nos países em desenvolvimento devido ao patamar elevado de interdependência econômica do mundo atual. Na Ásia o crescimento desacelera-se, com as preocupações voltadas sobretudo para a Coréia do Sul. São duramente afetados países do Leste europeu (Hungria, Bulgária e Romênia) que enfrentam sérios problemas de déficit nas suas transações correntes.
Para a América Latina, cuja economia é fortemente influenciada pelo setor exportador, por enquanto a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina/ONU) prevê diminuições significativas nas taxas de crescimento, como conseqüência da diminuição da demanda mundial. A economia mexicana, pelo seu nível de imbricamento com a dos EUA, é particularmente afetada. O país sofre uma sangria de suas reservas internacionais.
Uma crise de grandes proporções
Configura-se em conclusão um quadro de crise de grandes proporções, financeira e produtiva, do sistema capitalista mundial – financeirizado e neoliberal – com agravamento previsto para 2009. Pelo seu efeito destruidor, pela sua abrangência e profundidade, este poderá ser um processo prolongado, o que não seria propriamente uma novidade histórica. A crise de 1929 começou em outubro daquele ano, mas só chegou a fundo do poço em 1933.
Além destes aspectos econômicos e financeiros, há o fracasso do neoliberalismo enquanto padrão ou modelo institucional de acumulação cujas políticas “promoveram a desregulamentação financeira, as privatizações, a livre circulação de capitais e a economia de cassino, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos”, como bem assinalou recentemente o secretário-geral do PCP.
Compõem destacadamente este novo quadro os efeitos sociais arrasadores que a crise capitalista vai provocando. Segundo a avaliação de Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, 100 milhões de pessoas foram jogadas na pobreza este ano, número que pode crescer. Nos EUA há cerca de 12 milhões de pessoas com dívidas superiores ao valor de suas residências; 1,5 milhão de trabalhadores perderam seus empregos de janeiro até setembro; e assiste-se a um crescimento inédito da desigualdade de renda. A Organização Internacional do Trabalho – OIT, prevê um acentuado crescimento da taxa de desemprego em todo o mundo.
Causas reais, geopolítica e contratendências
O sentimento de auto-preservação do sistema faz que ele procure “culpados”. De uma maneira geral responsabiliza-se a falta de regras de fiscalização e controle dos riscos envolvidos nas movimentações do capital financeiro ou das chamadas inovações financeiras, particularmente dos derivativos. Fala-se muito das responsabilidades de Alan Greespan e do Federal Reserve que ele dirigiu por quase dezenove anos.
Por certo as políticas neoliberais e seus gestores são “fatores de instabilidades, incertezas e turbulências”. As crises, porém, são inerentes ao capitalismo e têm causas objetivas que vão muito além de tal ou qual política econômica adotada e de eventuais deslizes de seus executores que podem, isto sim, acelerar ou retardar os processos objetivos.
Os limites para o desenvolvimento do capital estão em seu contraditório processo de acumulação. Nos tempos atuais as características particulares destas crises devem ser buscadas na financeirização, tendência sempre presente do capitalismo moderno, que se desenvolveu rapidamente em contexto neoliberal favorável, uma vez que o neoliberalismo liberou suas amarras.
Centenas de trilhões de capital fictício
Os volumes inimagináveis de capital fictício existentes indicam que o setor financeiro foi tomado pela especulação, seu meio natural. Segundo o Banco de Compensações Internacionais/BIS, o valor total dos negócios com derivativos passou de US$ 100 trilhões em 2002 para US$ 516 trilhões em dezembro de 2007, no que tem sido chamado de economia da sombra (shadow economy), cujo volume é dez vezes maior que o PIB mundial (US$ 50 trilhões), e aproximadamente 3,5 vezes maior que os mercados de ações, títulos da dívida e outros bônus e papéis financeiros, não futuros (US$ 150 trilhões).
Com uma correspondência cada vez mais longínqua entre o volume de capital produtivo e de capital portador de juros não se poderia esperar que a tentativa de superação dos limites do capital por esta via tivesse sucesso. O sistema detentor desses papéis fica extremamente instável, vulnerável e ameaçado de colapso.
Como comentou François Chesnais recentemente: “o seu caráter fictício revela-se em situações de crise. Quando ocorrem crises de superprodução, falência de empresas etc. descobre-se que esse capital não existia…”
Este volumoso capital fictício apresenta-se na forma de crédito, novidade importante que impacta fortemente o setor não financeiro da economia, como no caso dos derivativos das hipotecas subprime. Por outras palavras, não há no sistema produtivo capitalista condições para extrair a massa de mais-valia suficiente para satisfazer as expectativas estratosféricas de lucros embutidas nos papéis do mercado futuro. Ainda mais que, periodicamente, a esfera produtiva é afetada pela tendência à redução da taxa média de lucros.
Contra-tendência: o lugar da China
As circunstâncias particulares em que esta crise ocorre terão um papel destacado em seus desdobramentos, econômicos e políticos. Há um mercado mundial único, altamente integrado. No entanto, a assim chamada periferia do sistema enfrenta a crise atual numa situação bem diferente daquelas de 29/33, de 74/75 ou de 80/82. Agora estão ali estão os principais atores que podem diminuir o efeito destruidor da crise, atuando como contra-tendência à devastação emanada dos países capitalistas centrais.
O fato de terem alcançado certo nível de desenvolvimento, de ali se situarem importantes fontes de matérias-primas e de energia, de terem conquistado um patamar de menos vulnerabilidade diante dos ricos, possibilita que os países em desenvolvimento construam parcerias e adotem políticas de crescimento efetivo, configurando-se em uma alternativa, com força de pressão considerável.
Destaca-se neste conjunto a China, cujo PIB cresceu em média de 9,8% entre 1979 e 2007, chegando US$ 3,280 trilhões, praticamente igual ao da Alemanha. A China tem quase US$ 2 trilhões em reservas internacionais e o terceiro maior volume mundial de importações e exportações.
A China deverá ser afetada em certa medida pela crise. Não pelo seu sistema bancário, que está 90% nas mãos do Estado, porém devido ao peso que o comércio exterior tem na sua economia, deverá sofrer alguma desaceleração.
Nestas circunstâncias os governantes chineses vêm tomando uma série de medidas de estímulo ao investimento público e ao consumo interno a fim de garantir que a demanda se mantenha em nível razoável. Isto está consonância com as orientações do 17º Congresso do PCCh que já apontavam para uma mudança de paradigma de desenvolvimento, centrado agora no fortalecimento do mercado interno.
Por outra parte, os chineses procuram fazer amplas articulações internacionais visando uma “efetiva e geral reforma do sistema financeiro internacional” que o torne justo, mais regulado e fiscalizado. A reforma proposta inclui as organizações do tipo do FMI, que deveriam “ser mais representativas das nações em desenvolvimento…”. E esta é posição que vingou no encontro entre 43 países europeus e asiáticos (Asem) realizada em fins de outubro em Pequim.
A ideologia dominante não permite explicar por que a China se encontra hoje em situação mais favorável para enfrentar esta crise (ou a crise asiática de 97/98), por que ela é uma contra-tendência aos efeitos nefastos da mesma. Aqui não se pode omitir que isto se deve ao fato de que o país optou por um outro sistema político e econômico, que, apesar de ainda embrionário, torna visíveis as diferenças entre o capitalismo e o socialismo.
Disputas em cena: a reunião do dia 15
De toda forma pode-se esperar que a crise aumente as tensões e disputas internacionais. Entre elas, não se pode descartar a possibilidade da guerra: a solução típica do imperialismo busca jogar o ônus da crise nas costas dos trabalhadores de todo o mundo, intensificando a exploração, oprimindo ainda mais povos e pilhando países, promovendo o protecionismo.
Necessariamente depois da destruição de grande volume de forças produtivas, os Estados capitalistas poderão conduzir a uma maior regulação do sistema financeiro, coibindo em certa medida a especulação desenfreada em que ele se meteu e obrigando-o a voltar-se mais para o financiamento da acumulação na economia produtiva, como já se pôde assistir em várias ocasiões semelhantes. Por isto tem se falado em um novo New Deal, em volta ao keynesianismo e coisas do gênero. Em síntese, mais uma vez o Estado burguês serviria diretamente à oligarquia financeira que o comanda.
Está convocada para o próximo dia 15 uma reunião de 20 nações em Washington DC, onde países ricos participaram lado a lado com alguns em desenvolvimento (China, Índia, Indonésia, Coréia do Sul, Brasil, entre outros) para discutir a situação econômica e a reorganização do sistema financeiro internacional. Haverá por certo um grande choque de interesses, pois os países em desenvolvimento (alguns dos quais potências emergentes da “periferia”) buscarão ganhar espaço, a moeda chinesa buscará se afirmar mais e assim por diante. Ao que tudo indica vai se criando uma situação em que os países em desenvolvimento trocarão perdas táticas por ganhos estratégicos.
A dinâmica deste cenário poderá acelerar a transição de um quadro de unipolaridade para outro de multipolaridade. São interessantes os exemplos históricos. A crise de 29/33 abalou profundamente a economia norte-americana. Possibilitou o surgimento de um mundo multipolar cujas disputas acabaram por conduzir à 2ª Grande Guerra. Desta emergiu um mundo bipolar, hegemonizado pelaos EUA e a União Soviética. Com a derrota do socialismo e o fim da URSS passou-se a um mundo unipolar, hoje cada vez mais contestado. A crise centrada nos EUA joga água no moinho desta contestação.
O Brasil e a crise
Durante os últimos cinco ou seis anos o Brasil navegou numa situação internacional de relativa estabilidade. Conseguiu, sob o governo Lula, recuperar os estragos feitos pelas crises de 1999 e 2002.
Nesse quadro foi possível que, mesmo adotando uma política econômica de caráter híbrido – desenvolvimentismo convivendo com conservadorismo na política macroeconômica – o país voltasse a crescer a taxas medianas, gerando milhões de novos empregos. O Brasil tornou-se menos vulnerável e menos infenso às orientações do FMI. Fortaleceu seu potencial energético estratégico com as novas descobertas de petróleo e gás. Conseguiu estabelecer um razoável nível das reservas internacionais (cerca de US$ 200 bilhões em meados de outubro), assim como aproveitar melhor o potencial de capitalismo de Estado, financeiro e produtivo,que escapou à onda privatista dos tempos neoliberais. Isto se configurou, sobretudo no Plano de Aceleração do Crescimento – PAC.
Por outro lado, o país diversificou os destinos de suas vendas e as origens de suas compras internacionais tornando-se menos dependente da via comercial dos países ricos. Isto se deu com a participação ativa na construção da integração continental e da aproximação com assemelhados de outros continentes. Estes avanços devem ser tanto mais valorizados, pois se deram ao meio de acirrada luta política com os conservadores em geral.
Cinco pontos fracos do Brasil
Mas, apesar da crise não ser brasileira na origem, o país tende a ser afetado negativamente por ela com o decorrer dos acontecimentos. Tem laços econômicos por todo o mundo. Além disso, e mais importante, tem pontos vulneráveis.
1) Conta de capitais muito aberta. Os aplicadores estrangeiros têm cerca de US$ 160 bilhões na Bovespa e cerca de US$ 60 bilhões em títulos de renda fixa. Em função da escassez de crédito internacional estas aplicações começaram a deixar o país velozmente a partir de meados de outubro, em direção a seus países de origem. O mesmo cenário explica o crescimento acentuado das remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras que aqui atuam em direção à suas matrizes.
2) O país aplica uma política macroeconômica conservadora, que hoje está em completo desacordo com o senso comum de enfrentamento da crise. A política monetária é voltada exclusivamente para coibir as ameaças, aliás não configuradas, de elevação dos preços. Pratica-se a taxa de juros real mais alta do mundo, sob a orientação do Banco Central. Internamente o país defronta-se com pesada dívida interna – em boa parete ainda indexada à taxa de juros e aos contratos de swap cambial –, o que, do ponto de vista político, deixa o governo muito vulnerável às pressões de banqueiros e rentistas, credores daquela dívida.
3) Um câmbio mais equilibrado poderia ter ajudado muito, impulsionando as exportações brasileiras numa situação de demanda internacional solvente. Agora, o câmbio menos valorizado, tem pouco efeito pois o quadro internacional aponta para recessões e desaquecimentos. A desvalorização atual do câmbio se deve ante de mais nada a motivos especulativos.
4) A resultante da saída de grande volume de capital estrangeiro combinada com a diminuição de entrada de capital estrangeiro de investimento e mais as fragilidades da balança comercial apontam para um quadro perigoso: o crescimento do déficit nas transações correntes e mesmo, nas novas condições, maiores dificuldades para fechar o balanço de pagamentos como um todo. Esta é a tendência embutida nos números oficiais de setembro último.
5) As altas taxas de juros vigentes, aliadas à liquidez internacional de capitais até há pouco existente, trouxeram para o Brasil uma enxurrada de dólares especulativos, através das operações de carry trade, oriundas sobretudo do Japão. Bancos e empresas, que o BC sabe perfeitamente quais são, empenharam-se na especulação cambial através dos contratos de swap cambial reverso – ou seja, quanto mais o dólar se desvalorizasse mais eles ganhariam. Agora, com a mudança do quadro cambial, quem esperava grandes lucros passa a colher grandes perdas. A situação dessas empresas e bancos é uma fonte de crise. Tal é o caso da Aracruz, da Votorantim, ou da Sadia. Ao que se suspeita há ainda muita coisa na penumbra envolvendo estas operações.
Brasil deveria se preparar para o pior
As avaliações oficiais sobre a crise internacional e suas repercussões sobre o Brasil, expressas em pronunciamentos do presidente Lula, do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, procuram passar confiança na situação do país, ressaltando conquistas reais, encorajando o consumo e afirmando que não irão ajudar os especuladores, embora os leilões de swaps cambiais em curso visem apoiar a desmontagem das operações de carry trade, que ficaram em xeque com a valorização do dólar e do iene.
Porém elas subestimam os efeitos devastadores da crise mundo afora, que poderão incidir sobre o Brasil também. Talvez isto aconteça pela forma desigual com que a crise se dissemina. A rigor, o Brasil só agora começa a ser atingido mais seriamente.
A situação brasileira ainda é contraditória. De um lado há fuga de capitais, queda vertiginosa do índice da Bovespa, queda na atividade industrial. De outro, há ainda sinais positivos tais como o balanço recente da Vale/CRV que entre julho e setembro deste ano reportou um lucro líquido de R$ 12,433 bilhões, um crescimento de 167% frente ao mesmo período do ano passado. Entretanto a situação se agrava rapidamente e é consensual o prognóstico de diminuição significativa do crescimento para 2009.
O governo tem tomado medidas no sentido de desobstruir as vias pelas quais circula o crédito para empresas, entre os bancos e para consumidores. Tem agido para fortalecer o sistema financeiro público e insistido na criação do fundo soberano do Brasil com o qual poderia agir mais firmemente contra as especulações cambiais. Tem procurado apressar as integrações regionais (a exemplo da reunião recente dos ministros de relações exteriores do Mercosul) e com países assemelhados de outros continentes. Estas iniciativas positivas merecem apoio. Algumas tramitam no Congresso Nacional. Contudo, elas podem não ser suficientes.
Sem pessimismos, o Brasil deveria se preparar para o pior, levando em conta as lições de situações anteriores e a possibilidade de que esta seja uma crise prolongada, cujo desenrolar poderá coincidir com as eleições gerais de 2010. Não é sem motivos que líderes do DEM e do PSDB já tem todo um suposto receituário anti-crise, crítico ao governo Lula com o qual pretende desgastá-lo e influir na sucessão. Há grandes interesses de classe, econômicos e políticos, em torno do desenvolvimento e tratamento das repercussões da crise internacional sobre o Brasil. Subestimá-los seria imperdoável.
Medidas: outra política monetária e cambial
Em termos genéricos que orientações suplementares seriam necessárias? A crise parece tornar mais evidente, necessária e urgente a superação da atual política monetária e cambial, de viés ortodoxo-liberal que tem impedido um desenvolvimento mais robusto. Para a implementação de políticas integrais de desenvolvimento o fundamental é lutar para aumentar a taxa de investimentos, particularmente os investimentos públicos, garantindo a aplicação plena do PAC.
Isto implicará em “apertar” os especuladores, em baixar significativamente as taxas de juros, em administrar as flutuações do câmbio, em estabelecer controles efetivos sobre a conta de capitais do balanço de pagamentos, como conseqüências de uma orientação desenvolvimentista e de defesa da soberania nacional. Seria altamente relevante que se tomassem medidas efetivas de defesa do emprego e de melhor distribuição da renda, assim como se retomasse a Reforma Tributária a fim de aliviar os assalariados, as pequenas e médias empresas e os Estados mais pobres da Federação.
A crise oferece uma ocasião propícia para debates mais profundos sobre os rumos do país. Sem dúvida, através deles, as forças mais avançadas da nação brasileira apontarão para a consecução efetiva de um projeto de desenvolvimento nacional, soberano, democrático e de valorização do trabalho que possa aproximar o país e seus trabalhadores do socialismo.
* Jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB
Fonte: POrtal Vermelho