Primeira carta de Pecusburgo
Lamento. As cartas escritas à mão estão desaparecendo. Poucos ainda usam as mal traçadas linhas. Tenho um amigo insistente que, periodicamente, me remete uma de suas prolixas missivas. Resolve comentar acontecimentos, leituras e até seus já veranosos romances. Por preito de amizade não me agasto, leio. Às vezes respondo. Sucintamente. Por último, a pretexto de fim de ano, me consulta como estão por cá os resultados e as esperanças. Digo que, em Pecusburgo, cambaleamos. O ano chinês do rato, aqui foi dos ratos. Nunca a espécie grassou tanto. Ratos de ruas, de calçadas, de boteco, de sinaleiros, de hotel, de restaurante e até os de gravatas. Esses, em menor número, mas com maior capacidade de destruição. Não roem apenas os queijos, frutas e viandas. Roem ossos, enfermos, ambulâncias, medicamentos, as escolas. Essa raça é da mesma casta dos chamados ratos de sacristia. Roem as alfaias pias, as oferendas consagradas, entornam vinhos propiciais e vão roendo os ídolos e as intimidades das santas. Neste ano estiveram à solta. E soltos. Em Pecusburgo assistiu-se mais uma farra eleitoral. O povo, depois de eleger o grande truão, que acaricia banqueiros, especuladores e estrebucha bazófia e firulas sobre o populacho, acabou elegendo, os mesmos, ou seus filhos, ou parentes, ou aderentes. Nas prateleiras das ofertas havia escolha nenhuma. Tudo já fora ajeitado. Gostam da palavra jeito, tem até um carinhoso sucedâneo: jeitinho. Assim, trabalham afanosamente para que em 2010 não haja qualquer surpresa. Os partidos políticos já estão celebrando núpcias e divórcios com fins ao contubérnio total. Ficam como porcos no chiqueiro: quem está dentro não quer sair, porque a ração é farta; quem está fora quer entrar para morder o colesterol. Devo alertar o meu missivista que ainda não é tempo de retornar à terrinha. Especialmente neste fim de ano. Estamos inventariando desconfortos. Um mal-estar ataca os teimosos ou incompetentes, que não se deram bem. Reclamam dos salários, das oportunidades, da pouca vergonha pública. No rol apontam os gatunos, traficantes, banqueiros que vivem do suor alheio, igrejas que esfolam os fiéis nos dízimos e ofertas. Lamentam o crescimento dos impostos e a precariedade da saúde. Coisa que não é comum: reclamam pelos menininhos jogados na rua, abusados por gente grande e até assassinados. Falam da insegurança. Reclamam que o país está empanturrado de polícias que só servem para competir entre elas por privilégios. Cada uma se justifica por não poder dar segurança a quem trabalha e, às vezes, não raras, se misturam com a bandidagem. Mas quem assim pensa não vale muita coisa. São os chamados idealistas, sem senso de realidade. Professores, cientistas, escritores, ambientalistas, pacifistas, mães de filhos mortos e pais envergonhados. Olha, querido amigo missivista, a estória vai ficando longa, meu papel se acaba. Voltarei ao assunto. Lamento ainda não ter boas notícias. Até breve.