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      Não há lugar mais oportuno, nesta hora, do que nossa Amazônia bem brasileira para renascimento da utopia do tremendão tupinambá. Aqui veio parar e viveu seus últimos dias o mito da Yvy Marãey: a procurada Terra sem Mal, promissão dos caraíbas. País mágico onde não há fome, trabalho escravo, doenças, senilidade e morte… O melhor programa político do mundo. Manifesto perpétuo do continuum da humanidade filha da animalidade, desde a primeira noite do mundo no ventre da mãe África. Impulso vital que se converte em arte e ofício no aprender fazendo da escola da vida até distintos feitos da Ciência & Tecnologia.
 

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       A utopia selvagem da América do Sul é a mesma, por diversas vias civilizadas ou não, da Terra de todos os males. Pois é certo que a gente só inveja o que não tem. De maneira que o mundo vindo ver o peso que a gente tem, poderá também amazonizar as Américas e levar a Amazônia mundo afora, sem tirar nem por uma vírgula do povos e populações tradicionais sempre dizem a ouvidos de mercador.
  

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      Será pena se o FSM vir a Belém da Amazônia, por escolha de Berlim, focalizar a floresta e rastrear consumidores de matéria prima barata e mão de obra aviltada. Mas, no fim da história, ao contrário dos índios que enxergam a árvore mas não a floresta; não identificar no bosque de signos universais a árvore dispersa do conhecimento tradicional. Aquilo que valeu, há 393 anos, o berço de barro e madeira da inveção da Amazônia à sombra da paliçada do Presépio, levantada conjuntamente por portugueses e índios da dita Terra sem Males.
 

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       O caboco que vos fala escreveu estas mal traçadas com o tema do filme “Kuhle Wampe?” (a quem o mundo pertence?), de Bertoldt Brecht, na cabeça. Estética proletária para forçar as portas da revolução industrial. Cem anos mais tarde a contracultura operária do Norte poderia, sob sol e chuva equatorial, visitar o Sul para suscitar arte em economia solidária poscolonial, notadamente entre populações tradicionais organizadas em empresas coletivas de reservas extrativistas (RESEX) e de desenvolvimento sustentável (RDS). Chico Mendes vive em cada unidade de conservação tirada do papel para a realidade socioambiental.
  

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      Sem delongas, visto que os deuses devem estar loucos; urge devolver a Terra à humanidade e deslendar as virtudes míticas do Trabalho. Haja, pois, a socialização do ócio olímpico e distribuam-se a mais valia social a quem  trabalha sem carteira assinada. Todavia, não atrapalhar quem leva a vida na flauta. Pois a Preguiça é divina e direito humano ao mesmo tempo.
 

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      Há lógica neste entendimento, assim como quem assobia não chupa cana; do mesmo modo quem toca flauta não há tempo para inventar bomba atômica e outras diabruras. Isto é, toda guerra se encerra na enfezação do patrão! Diga-se de passagem que “vinho” de açaí, dentre outras qualidades, é laxativo suave. Logo, tomem açaí e não arranjem encrenca para si nem a ninguém!
 

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      Como orquestrar boa globalização e revitalizar a humanidade sem danos à soberania das nações? Trocar imigrantes de terceiro mundo por levas de segunda e terceira geração de emigrantes europeus, por exemplo, é complicado num mundo “sem fronteiras” muito unilateral. Todavia, o internacionalismo das forças do trabalho e o movimento social mundial, desde o êxodo rural dos cercamentos de pastagens na Inglaterra, a virada operária com Manifesto Comunista até o fim do Apartheid na África do Sul, é um avanço pai d’égua da História.
 

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      Para felicidade geral do mundaréu chamado FSM, uma salva de palmas à soberania do Povo Brasileiro na região amazônica. E para o bem da humanidade, um poderoso repelente a todo tipo de protetorado: um forte apelo mundial no sentido de novo “plano Marshall” para reconstrução de “um milhão de aldeias” casando alta tecnologia e tradição.
 

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       Eis a boa globalização! Que a ONU seja refeita para enfrentar os desafios atuais. O programa O Homem e a Biosfera, por exemplo, poderia gerenciar a nova reconstrução caso a comunidade internacional fosse um pouco mais sensível e não deixasse esmorecer o multilateralismo por  complicadas organizações não-governamentais pouco ou nada transparentes. O que interessa é compensar a gente lesada por 500 anos de imperialismo.
 

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      Claro que a reconstrução pós-colonial faz sentido com a força simbólica  de “Plano Nelson Mandela”. Para não se cair na esparrela de acreditar que o colonialismo e o apartheid já acabaram. Na cabeça de um caboco isto aqui e supimpa. Quem é contra? E por que?
 

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       “Kuhle Wampe?” (a quem o mundo pertence?) Brecht questionou no cinema operário, quanto a República social-democrata de Weimar vivia suas esperanças e contradições burguesas sem olhar às fadigas e frustrações dos trabalhadores. Pelo retrovissor da revolução industrial e do colonialismo a gente vê o cenário 100 anos depois. Mutatis mutantis, pode-se perguntar: a quem pertence a Amazônia?
  

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      Somos milhões de brasileiros, bolivianos, peruanos, equatorianos, colombianos, venezuelanos, guianenses, surinamentes e guianenses da Guiana francesa. Treze nações da América do Sul, com diferença da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, mas graças a união sulamericana estas podem indiretamente se considerar amazônicas em conjunto. A OTCA já é algo mais do que uma carta de intenções.
  

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      O multilateralismo da constelação do Cruzeiro do Sul (antigo Arapari dos povos tapuias) será mais decisivo quanto mais ancorado na amazonidade comum: coração latino-americano, apesar de cacicados nativos e oligarquias coloniais. Vivíamos de “espaldas” uns aos outros. Agora, na alvorada da democracia participativa para a esperança depois de vencer o medo não vir a ser como a quimera de Weimar, carece refletir sobre a questão de Brecht.