Por Ramzi Kysia*

Num pequeno café na cidade de Gaza, Amjad Shawa, coordenador da Rede Palestinense de ONGs (PNGO), toma café e fala sobre o bloqueio com que os israelenses castigam Gaza. “Esse bloqueio nada tem a ver com segurança, nem com o Hamás,” diz ele. "Israel só pensa em separar Gaza da Cisjordânia, para enterrar o projeto nacional palestino.” Na Faixa de Gaza, estreita planície litorânea de 30 km de comprimento, apertada entre Israel e o Egito, vivem 1,5 milhão de palestinenses. Apesar da pequena extensão territorial, concentra-se ali, em vários sentidos, o núcleo duro de dois gigantescos conflitos: o crescimento político do islamismo e a idéia, ocidental, de que o islamismo político possa ser derrotado mediante algum castigo coletivo e um brutal bloqueio econômico.

Desde que o Hamás venceu eleições parlamentares, em janeiro de 2006, Israel vem submetendo Gaza a bloqueio cada vez mais severo. Em junho de 2007, depois de militantes do Hamás terem-se aliado ao presidente Máhmude Abbas e assumiram o controle de Gaza, Israel cerrou ainda mais o bloqueio, que passou a incluir praticamente tudo, apenas mitigado com a chegada, esporádica, de alguns produtos, todos de ajuda humanitária. A economia local foi destruída, o que fez subir todos os indicadores de desemprego, de miséria, de desnutrição infantil.

Enquanto Abbas e o partido Fatah ainda governam a Cisjordânia, com apoio de Israel, o futuro do Hamás é incerto. Apesar de o Hamás ainda ter massivo apoio popular, a população em Gaza começa a dar sinais de frustração, ante a economia moribunda.

Para Rawya Shawa, membro independente do Conselho Legislativo Palestino de Gaza, a Palestina está num limbo político. “Quando se chega ao poder, as coisas mudam", diz Shawa. “70% dos habitantes de Gaza são refugiados. A Fatah liderou os palestinos por 45, 50 anos, e fracassou. Nada fizeram do que prometeram. Agora, o Hamás está no poder. Estão tentando. A população está à espera de resultados.”

Crescimento do Hamas

Em situação de declínio do nacionalismo pan-arabista, que esteve no auge nos anos 60 e 70 e que entrou em colapso a partir de 1993, depois dos acordos de Oslo, o Hamás encontrou terreno fértil na Palestina, combinando projetos bem-sucedidos de bem-estar e melhoria de condições de vida para a população, tradicionalismo religioso, anti-elitismo (o primeiro-ministro Ismail Haniyeh ainda vive na casa em que nasceu, em Beach Camp, uma das áreas mais pobres de Gaza) e oposição dura à presença de Israel na Região. Embora atualmente o Hamás esteja respeitando um cessar-fogo unilateral, os seus grupos armados são responsáveis pelos rojões Qassam lançados contra Israel e por ataques de homens-bomba, motivo pelo qual o grupo está classificado como "organização terrorista" por EUA e Israel.

Praticamente ninguém, em Gaza, aceita essa classificação. Para o grupo B’Tselem, de israelenses ativistas dos direitos humanos, 955 crianças palestinenses foram mortas pelo exército de Israel; e 123, nos ataques palestino, desde o início da II intifada em setembro de 2000. Por causa do bloqueio, cerraram as portas 3.500 das 3.900 fábricas que havia em Gaza, o que levou à demissão de mais de 100 mil empregados do setor privado. A renda per capita em Gaza é inferior a 2 dólares/dia; 80% das famílias dependem integralmente de auxílio internacional para comer.

O bloqueio levou a racionamentos cada vez mais terríveis, que abalaram todas as estruturas da economia e da sociedade. A falta de combustível, elevou os preços da gasolina para mais de $50/galão no início do verão e levou, em seguida, à falta de energia elétrica. Hospitais, que dependem de geradores a diesel para funcionar, ficam paralisados regularmente por até 12 horas por dia. Sem combustível para as bombas de irrigação, as colheitas, já minguadas, desaparecem. Nas casas, só há água corrente durante menos de 6 horas por dia, e um terço das casas não tem água encanada.

Sem diesel, as bombas de escoamentos dos esgotos não funcionam, e os detritos já começam a ser lançados diretamente no Mediterrâneo, o que faz das praias latrina a céu aberto.

Em 2008, foram lançados no Mediterrâneo mais de 15 bilhões de litros de esgotos não tratados, o que já dizima a flora e a fauna marinha nas regiões costeiras.
Em comparação a dezembro de 2005, menos de 20% dos produtos que Israel normalmente exporta para Gaza ainda são entregues, mas os números encolhem diariamente. Tanto o Banco Mundial quanto várias organizações israelenses de direitos humanos já exigiram o fim do bloqueio, sem sucesso.

“Não é um desastre natural", diz John Ging, diretor da Agência da ONU para Auxílio Humanitário em Gaza. “É desastre construído e planejado pelas políticas desumanas de Israel."

Ação direta

As pessoas, em Gaza não esperam que o fim do bloqueio porá fim à crise. Em janeiro, centenas de milhares de pessoas passaram pela fronteira, em direção ao Egito, quando o Hamás demoliu parte do muro de fronteira que Israel construiu em 2003. Em fevereiro, o Comitê Popular contra o Bloqueio organizou uma "corrente humana", de milhares de palestinenses, ao longo de toda a fronteira da Faixa de Gaza.

“Meu telefone não parou de tocar, porque eles [os israelenses] pensam que vamos demolir a fronteira", diz Sameh Habeeb, um dos organizadores do evento. "Israel não acredita que milhares de árabes sejam capazes de organizar um protesto pacífico. Quando há resistência armada, Israel manda seus mísseis e F-16s, mas eles ficam sem saber o que fazer nos movimentos de resistência civil. A não-violência enlouquece os israelenses.”

O mais impressionante ato de resistência não-violenta em Gaza é sobreviver.

Várias famílias aprenderam a caçar e criar coelhos e pássaros selvagens, para suplementar a dieta. Há uma precária mas eficiente rede de túneis que atravessam a fronteira do Egito, cuja construção custou muitas vidas, mas que é importante via pela qual chegam suprimentos e remédios. Nas últimas semanas, começou a operar uma rede de tubulações, subterrânea, que aliviou consideravelmente a falta de combustível. Alguns carros rodam movidos a gás de cozinha, vendido a 300 dólares o botijão. A falta de gás para cozinhar fez muitas famílias reverter aos fogões à lenha. Não havendo concreto, começam a reaparecer em Gaza construções feitas de tijolos de barro queimado.

O colapso da economia em Gaza é mostra do imperialismo de guerra em estágios extremos: economia obrigada a operar sem matérias-primas, esfacelamento de todas as indústrias locais mediante a violência militar e o bloqueio, acesso permitido só a produtos manufaturados importados exclusivamente da potência ocupante, pressão para forçar os habitantes a consumir todas e quaisquer reservas ou poupanças que tenham armazenado. Quando o bloqueio terminar, algum dia, a população ainda demorará muito para recuperar-se, mesmo com extensa ajuda humanitária.

Amjad Shawa, diretor da Rede Palestinense de ONGs, lembra que o bloqueio é instrumento da ocupação israelense. "O estatuto legal de Gaza é "território ocupado". O bloqueio é um instrumento da mesma agressão. Por isso os ataques a Gaza, por Israel, configuram crime de guerra. De fato, por mais que precisemos de ajuda humanitária, a solução não virá daí. Precisamos pôr fim à ocupação".

*Escritor e ativista árabe-norte-americano, um dos organizadores do
Movimento "Gaza Livre".

Para saber mais, visite www.FreeGaza.org.

http://www.indypendent.org/2008/11/14/gazans-resist-by-surviving/)