Pode ocorrer também de, ao ligar o microfone, em uma área natural vastíssima, maior do que a Bélgica, onde dificilmente se concebe poder existir som que não venha da natureza, passar um helicóptero trepidante – como narra o que a ele próprio sucedeu. No espaço urbano então, este vem a ser o inferno dos jornalistas de equipes televisivas: poder falar sem ser perturbados pelos ruídos que vêm de todos os lugares. 

      O produzir ruídos, faculdade inerente aos humanos, é de fato gerador de poder. Pena que tal poder é mais utilizado para produzir sofrimento e desassossego, do que para gerar felicidade e contentamento às pessoas, vítimas incautas de mentes barulhentas e neuróticas por natureza, que não conseguem viver sem produzir ruídos enervantes à sua volta.

      Caso, por exemplo, dos que transformam seus veículos em boates ambulantes, ou dos que, estando em público, colocam em altíssimo volume aparelhos sonoros, sem se importar se o prazer que sentem resulta em desprazer e sofrimento para as pessoas próximas. Toda música é feita de ruído, som e silêncio. Assim também os seres humanos expressam, em pensamentos, palavras – e nos ruídos que produzem, a harmonia ou estresse de sua mente.

      Assim como estiver a qualidade de corações e mentes, assim serão as notas que expressarão na canção da vida e do mundo. Sendo certo que certos oradores ou falantes sequer expressam pensamentos próprios, nem são originais, mesmo sendo boquirrotos constantes, em palestras e discursos que impingem a incautos. São como bonecos de ventríloquos – apenas repetem o que outros escreveram ou falaram – e assim falam pela boca dos outros.

      Se barulho é poder, está ligado ao inexistir barulhante dos vazios e ruidosos dementes que têm de estuprar ouvidos seus e alheios para demonstrar que existem. Quanto mais barulho produzem, mais chamam atenção para sua insignificância de existir-assim, aceleram insanamente suas máquinas trepidantes.

      O Homo Demens que faz de seu carro de mil cavalos  uma boate perturbante é um burro ao volante e faz de si um transtorno ambulante Não produzir barulho é para ele não ocupar lugar no mundo. O peso de sua existência insustentável resume-se ao ruído ensurdecedor em que se transformou.Se barulho é poder transtornador, capaz de transformar o som do Ser em dor,  o silêncio é alimento da alma e vem da eterna e infinita Vida a que são indiferentes os mortos vivos que almoçam e jantam.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.