Por Habib Battah*

As imagens de duas mulheres na primeira página de uma edição do Washington Post na semana passada ilustra como a mídia dos Estados Unidos tem mostrado a guerra de Israel em Gaza. À esquerda uma mãe palestina que perdeu cinco filhos. À direita uma foto quase do mesmo tamanho de uma mulher israelense que estava abalada pelos combates, de acordo com a legenda. Enquanto a mulher palestina segurava no colo o corpo de uma criança, outro filho, com o rosto escurecido e desfigurado por hematomas, chorava ao lado dela. A mulher israelense não parecia ferida, mas também chorava. Num tablóide americano, o sofrimento das crianças dos dois lados é "igual".

Por Habib Battah*

As imagens de duas mulheres na primeira página de uma edição do Washington Post na semana passada ilustra como a mídia dos Estados Unidos tem mostrado a guerra de Israel em Gaza. À esquerda uma mãe palestina que perdeu cinco filhos. À direita uma foto quase do mesmo tamanho de uma mulher israelense que estava abalada pelos combates, de acordo com a legenda. Enquanto a mulher palestina segurava no colo o corpo de uma criança, outro filho, com o rosto escurecido e desfigurado por hematomas, chorava ao lado dela. A mulher israelense não parecia ferida, mas também chorava. Num tablóide americano, o sofrimento das crianças dos dois lados é "igual"

Frustração árabe

Para entender a frustração geralmente sentida no mundo árabe com a cobertura da mídia dos Estados Unidos, é preciso apenas imaginar como seria a primeira página se a situação fosse inversa.

Se uma mulher israelense tivesse perdido cinco filhas em um ataque palestino, o Washington Post mostraria uma foto do mesmo tamando de uma palestina relativamente sem ferimentos, que estava apenas preocupada com o fogo de mísseis israelenses?

Quando as duas fotos foram publicadas em 30 de dezembro, mais de 350 palestinos tinham sido mortos e apenas quatro israelenses.

E se 350 israelenses tivesse sido mortos e apenas quatro palestinos — o jornal teria colocado reportagens lado ao lado com o mesmo valor noticioso?

Como muitas organizações noticiosas dos Estados Unidos, o Washington Post escolheu cobrir o conflito da perspectiva que reflete a relação do governo dos Estados Unidos com Israel. Isso significa promover a versão israelense dos eventos enquanto subtrai pontos-de-vista de grupos palestinos.

Por exemplo, o principal artigo do jornal na terça-feira, que foi publicado sobre as fotos das mães, coloca nove citações de fontes civis e militares de Israel antes de citar o primeiro palestino. Os primeiros sete parágrafos são dedicados a explicar a estratégia militar de Israel. O nono parágrafo descreve a ansiedade entre israelenses, que passam as noites em abrigos anti-bombas. Os palestinos comuns, que não têm acesso a abrigos, não aparecem antes do vigésimo terceiro parágrafo.

Para equilibrar essa notícia, o Washington Post publicou outro artigo na metade de baixo da primeira página sobre a mão palestina e as crianças dela. Mas o jornal pensaria em equilibrar a cobertura de um ataque maciço contra israelenses com um artigo principal sobre a estratégia de militantes palestinos?

Sem contexto

Os principais canais de televisão dos Estados Unidos também adotaram a estratégia do tempo igual, apesar do número de baixas palestinas em relação às israelenses ser de 100 por 1. No entanto, era impossível para o público estabelecer essa comparação, já que os scripts lidos pelos correspondentes americanos em geral excluem a contagem dos palestinos mortos.

Ao tirar o contexto, os telespectadores americanos podem ter ficado com a impressão de que há uma guerra equilibrada e não é um caso do uso de força desproporcional.

Considere a abertura de uma reportagem de Martin Fletcher, da rede NBC, no dia 30 de dezembro: "Em Gaza duas meninas estavam colocando lixo para fora de casa quando foram mortas por um foguete de Israel, enquanto em Israel uma mulher estava voltando para casa de automóvel quando foi morta por um foguete do Hamas. Não houve trégua dos dois lados no quarto dia desta batalha".

Omitida da reportagem foi a contagem total dos palestinos mortos, que não apareceu nas reportagens dos correspondentes da NBC nos dias seguintes.

Quando o número de mortos apareceu — algumas vezes como um crédito no pé da tela — foram identificados pelo número de "pessoas mortas" em vez de especificamente identificados como palestinos.

Não é de espantar que o bombardeio assimétrico de Gaza tenha sido enquadrado vagamente como "tensões crescentes no Oriente Médio" pelos âncoras.

Com a falta de contexto, a dinâmica da guerra não fica clara.

A rede ABC, por exemplo, regularmente introduziu as reportagens de Gaza com o título "Violência no Oriente Médio". E, como na NBC, não deu a contagem de mortos palestinos.

No dia 31 de dezembro, quando havia quase 400 palestinos mortos, o correspondente da rede ABC Simon McGergor-Wood começou a reportagem descrevendo os danos causados em uma escola de Israel por um foguete do Hamas.

O script do repórter pode ser resumido assim: Israel queria um cessar-fogo sustentável; Israel precisava evitar o rearmamento do Hamas; alvos do Hamas foram atingidos; Israel deixava ajuda entrar e deixava os feridos sair; Israel estava "fazendo tudo para aliviar uma crise humanitária". E assim McGregor-Wood se despediu.
Sem a perspectiva palestina

Não houve a apresentação paralela da perspectiva palestina, nenhuma menção aos danos nas vidas de palestinos, embora naquele mesmo dia as agências de notícias tinham noticiado a morte de cinco palestinos.

Para o correspondente da ABC, parecia que as mortes de palestinos tinham menos valor noticioso que o dano em edifícios de Israel. A narração dos eventos, enquanto isso, era pouco mais do que o discurso oficial de Israel.

Na verdade, a visão do governo de Israel apareceu sem contestação nas principais redes americanas.

Entrevistas com porta-vozes e embaixadores de Israel não apareceram acompanhadas por vozes de líderes palestinos. Âncoras famosos frequentemente adotaram o ponto-de-vista de Israel. Nas discussões de talk-shows, em vez de falar dos eventos da guerra, os opinionistas reforçavam as opiniões uns dos outros.Um episódio do gênero ocorreu no dia 30 de dezembro, no show Morning Joe, da rede MSNBC, na qual o âncora Joe Scarborough disse repetidamente que Israel não deveria ser julgada.

Israel estava se defendendo [ele disse] assim como os Estados Unidos tinham feito durante sua história. "Quantas pessoas matamos na Alemanha?", Scarborough perguntou.

A culpa era dos palestinos, ele concluiu, ligando os ataques em Gaza às negociações de Camp David em 2000. "Elas deram aos palestinos tudo o que eles queriam, mas eles se afastaram da mesa de negociações", disse repetidamente.

Embora essa opinião tenha sido contestada uma vez por Zbigniew Brzezinski, uma ex-autoridade americana, convidados de Scarborough que apareceram depois caracterizaram os palestinos como negligentes, ou de natureza criminosa.

De acordo com Dan Bartlett, um ex-conselheiro da Casa Branca, a liderança palestina tinha deixado "bem claro" que estava desinteressada em negociações de paz.

Outro convidado, o âncora da NBC David Gregory, começou notando que Yasser Arafat, o falecido presidente palestino, "não merecia confiança", de acordo com Bill Clinton, o ex-presidente dos Estados Unidos.

Gregory acrescentou que o Hamas tinha "abalado o processo de paz" e disse que os ataques eram benvindos. "A verdade é que o Hamas queria isso, eles não queriam cessar-fogo", ele afirmou.

A colunista Margaret Carlson também se juntou ao grupo, concordando que o principal era "esmagar" o Hamas, sem falar em preocupação com o custo dessa ação.

Assim, não se debateu se os ataques de Israel eram justificados, mas o que Israel deveria fazer em seguida. A tragédia humana palestina recebeu de pouca a nenhuma atenção.
_______

*Jornalista e analista de mídia em Beirute e Nova York.

Fonte: blog Viomundo