A tenda “Cuba 50 anos” ficou pequena para o seminário “Governo Lula: realizações e perspectivas”, realizado no começo da tarde da quinta-feira (29) no âmbito do Fórum Social Mundial (FSM), em Belém (PA). A mesa, sob a coordenação do dirigente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e diretor de Políticas Públicas da Fundação Maurício Grabois, Ronald Freitas, e do ex- ministro do governo Lula e presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda, foi composta pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, pelo senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), pelo deputado federal e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores (PT) José Eduardo Cardozo, pela presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Lúcia Stumpf e pelo dirigente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício.

Lúcia Stumpf foi a primeira a falar e começou destacando que em 2009 os estudantes, os trabalhadores e o povo devem sair às ruas para deixar claro que o Brasil não aceitará retrocessos nas conquistas obtidas na administração do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Para ela, é importante que este mandato presidencial termine com avanços sociais consolidados para que em 2010 o povo brasileiro tenha a consciência da importância de eleger um novo presidente comprometido com as mudanças iniciadas em 2002.

A presidente da UNE denunciou o papel da imprensa, que, segundo ela, já está em campanha para impedir a continuidade das mudanças em 2010. Lúcia Stumpf disse que o povo brasileiro precisa de uma imprensa na qual ele seja reconhecido, ouvido e levado em conta. A presidente da UNE alertou que a campanha da direita está nas ruas e precisa ser enfrentada pelas forças progressistas. Lúcia Stumpf afirmou que o povo brasileiro precisa ser esclarecido para não aceitar retrocesso no crescimento econômico, na distribuição de renda e nas demais conquistas sociais.

Na crise, destacou, a pressão popular é decisiva para que não haja cortes nos investimentos sociais e para que o governo tenha firmeza na defesa do rumo das mudanças iniciado em 2002. Lúcia Stumpf registrou que existem dois anos pela frente para que a política macroenômica seja mudada a fim de não comprometer os avanços sociais.

Degradação do ensino

Segundo ela, mais do que nunca é a hora de engrossar o coro do movimento “Fora, Meirelles!” a fim de evitar que o pagamento de juros seja posto à frente dos investimentos públicos. E explicou que não basta Meirelles deixar a presidência do Banco Central (BC) por uma questão pessoal ou para se candidatar a algum cargo. O que precisa ser afastado da equipe econômica, destacou, é a filosofia conservadora na condução da política macroeconômica – que é a política neoliberal do tucanato.

Lúcia Stumpf comentou a degradação do ensino com a abertura para que o capital privado entrasse no setor. Segundo ela, o capital privado trouxe para o ensino brasileiro o conhecimento que interessa a ele – que não serve, enfatizou, para um projeto de desenvolvimento nacional. As universidades foram compradas ou criadas com a finalidade de formar o conhecimento voltado para os interesses dos grande grupos privados que dominam a economia mundial.

A presidente da UNE finalizou destacando a singularidade do processo de unidade latino-americana, que precisa ser consolidado como condição para enfrentar a crise. Segundo ela, a vitória dos movimentos sociais e do povo depende de uma sólida união, condição indispensável para o avanço das transformações em curso no país.

Correlação de forças diferente

Na interveção seguinte, João Felício, da CUT, disse que a primeira mudança ocorrida com a eleição de Lula em 2002 foi o fato de passar a existir no Brasil um canal de comunicação com o governo. Segundo ele, não foi a central que mudou nos últimos tempos, mas o governo. O dirigente cutista explicou que com o respeito ao diálogo a trajetória, o “jeito de ser”, do movimento sindical mudou. Para João Felício, a democracia como valor universal é uma bandeira dos trabalhadores.

Ele também lembrou que há poucos anos o fortalecimento do Estado como indutor da economia era propagandeado como uma aberração. Mas, destacou, hoje está provado que o Estado tem um papel fundamental para a economia e para a garantia de políticas sociais. João Felício recordou que os mesmos que atacavam a intervenção do Estado na economia agora recorrem às finanças publicas.

João Felício disse ainda que a agenda do FSM evidencia a disputa política no mundo, que se acirra com a crise. Ele resgatou dados que mostram uma correlação de forças diferente no governo Lula para enfatizar uma nova realidade mais favorável aos trabalhadores. Segundo o dirigente cutista, muitas categorias conquistaram aumento real sem precisar recorrer à greve por conta das facilidades para as negociações. Jão Felício citou também o exemplo dos aumentos no salário mínimo, que somam 40% em 5 anos, graças ao canal de negociação criado entre o governo e as centrais sindicais.

Política de juros estratosféricos

Ele ressaltou que existem dois fatores essenciais para esses avanços – o crescimento econômico e o tratamento democrático que os movimentos sociais passaram a receber. Para João Felício, o Brasil está em um momento singular na relação entre a sociedade organizada e o poder público. O dirigente cutista explicou que o movimento sindical representa parte da sociedade – enquanto o governo dialoga com o seu conjunto, fator que explica as contradições manifestadas em muitas negociações. Ele ressaltou, nesse sentido, a política de juros estratosféricos, que tem levado os trabalhadores às ruas para reivindicar taxas menos “pornográficas”. E enfatizou que o movimento sindical continuará pressionando para que o governo mude a política macroeconômica.

João Felício finalizou dizendo que a CUT apoiou a eleição e a reeleição do presidente Lula e que não terá dúvidas em apoiar um candidato que representa a continuidade deste projeto em 2010. Para ele, os tucanos já estão trabalhando intensamente nos bastidores para tentar voltar ao poder na sucessão do presidente Lula. O dirigente cutista enfatizou que os trabalhadores e os movimentos sociais têm uma agenda de luta e estão comprometidos com as mudanças que estão sendo construídas no Brasil.

Divisão de expectativas

O deputado federal e secretário-geral do PT, José Eduardo Cardozo, fez a intervenção seguinte, iniciando com uma breve explicação sobre a conjuntura em que Lula tomou posse como presidente da República em 2002. Segundo ele, existia uma divisão de expectativas. De um lado, os neoliberais apostavam todas as fichas no fracasso do governo; de outro, o povo alimentava a esperança de mudanças, de avanços sociais. No meio, a dúvida.

José Eduardo Cardozo lembrou que os primeiros passos do governo Lula foram em um terreno difícil e perigoso. Havia uma forte crise econômica, com a inflação fora de controle, e uma pressão neoliberal internacional muito forte. Havia ainda a exclusão social, agravada pela administração do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Tudo isso compunha um cenário adverso para o novo governo. Passados quatro anos, no entanto, os neoliberais queimaram a língua com a reeleição de Lula, disse José Eduardo Cardozo.

Varrer o atraso e o conservadorismo

Agora, disse o secretário-geral do PT, o governo enfrenta mais uma situação adversa com o desencadeamento da crise. E os mesmos neoliberais que tanto criticaram o Estado pedem mais Estado para tentar fugir da crise. José Eduardo Cardozo fez a crítica para enfatizar que o governo tem consciência da gravidade da situação e por isso segura o leme com firmeza. Ele destacou que o Brasil passa por um processo que tem um horizonte claro, marcado por um embate político com data e hora marcadas – referindo-se às eleições presidenciais de 2010.

Ele explicou que Lula foi, em 2002 e 2006, o catalizador, o galvanizador do processo político que o levou à Presidência da República. E que agora as forças democráticas e progressistas precisam construir alternativas para varrer definitivamente do país o atraso e o conservadorismo. José Eduardo Cardozo finalizou fazendo uma apelo pela unidade do arco de forças políticas que apóia o governo com a finalidade de enfrentar de forma unida o jogo bruto que se inicia com a aproximação das eleições de 2010.

Lula e sua origem de classe

O orador seguinte foi o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). Ele começou a exposição lembrando que o PCdoB integra o movimento político que levou Lula à Presidência da República desde as eleições de 1989. Segundo o senador, a simbologia de um operário no poder no Brasil é muito forte. Lula sabe instintivamente sua origem de classe e tem plena consciência do sofrimento do povo, disse. O presidente veio das entranhas do país e por isso sabe mais do que ninguém valorizar os avanços sociais, segundo o senador.

Inácio Arruda recordou que em 2002 Lula começou a governar com uma pequena base no Congresso Nacional e teve de fazer concessões. Segundo ele, apenas 150 deputados vieram dos partidos originários da campanha, enquanto no Senado nem 15% dos votos representavam as forças políticas que lançaram a candidatura de Lula. Para o senador, outro fator adverso era a mídia, que, com exceção dos veículos públicos, cerraram fileiras com a oposição – articulada como partido político da direita.

Mais largo programa social

Para ele, o governo deveria conceder concessões de rádio e TV também para os movimentos sociais, que sabem falar e têm propostas para o país. O senador lembrou que a mídia foi o centro da articulação da campanha golpista de 2005. Outro fator de dificuldades para os avanços foi o controle da política macroeconômica pelos conservadores, que ficaram com o domínio dos juros, do câmbio e da moeda. Trata-se, segundo ele, de um obstáculo que precisa ser superado para que ocorram avanços sociais.

Ao mesmo tempo, disse o senador, o governo Lula iniciou o mais largo programa social de todos os tempos no Brasil. Inácio Arruda destacou o Bolsa Família, o apoio à agricultura familiar, o progresso na educação e a recuperação das rodovias e das ferrovias. Para ele, tocar obras caras e adotar um programa de melhorias na infra-estrutura do país é uma atitude muito positiva do governo.

Caminhos para a sucessão de Lula

O senador citou também o exemplo da transposição do rio São Francisco que, segundo ele, bate no meio do mar mas agora pode bater também lá no sertão do Ceará. Citou ainda os investimentos na exploração do pretróleo da camada pré-sal, o programa do biodíesel e o desenvolvimento de energias alternativas.

Para Inácio Arruda, outro aspecto que mostra o compromisso do governo Lula com a democracia é o esforço pela integração da América do Sul e o fortalecimento das relações com a China, a Rússia, a África e o Oriente Médio. Ele destacou ainda a posição do Brasil de apoio à causa palestina e de reprovação à invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

Todo esse processo, disse Inácio Arruda, precisa dar um passo à frente em 2010. Segundo o senador, esse passo é possível mesmo sem uma liderança forte como Lula. Mas, destacou, é preciso que as forças progressistas sentem para buscar caminhos que levem à vitória em 2010. Ele finalizou seu discurso enfatizando o papel de Lula e do PT nesse processo de construção da unidade popular para evitar um passo atrás nas próximas eleições presidenciais.

Superação de falsos dilemas do país

O ministro Luiz Dulci encerrou o evento com um resumo dos dois mandatos do presidente Lula. Ele começou dizendo que desde 2003 um novo modelo de desenvolvimento prevalece no Brasil. Segundo o ministro, existiam alguns dilemas falsos que foram superados com a aplicação de uma política econômica alternativa ao neoliberalismo. O primeiro dilema, destacou, era uma suposta contradição entre “estabilidade” e crescimento econômico. O segundo dilema era a oposição entre exportação e mercado interno. E o terceiro dilema era um imaginário antagonismo entre Estado e mercado.

Dulci explicou que todos esses falsos dilemas foram superados. Disse que o país cresceu sem abrir mão da estabilidade; criou um mercado interno de massas com a inclusão de 40 milhões de consumidores, aumentando, ao mesmo as exportações; e fez o Estado cumprir o seu papel de administrador do mercado. Com a definição de um novo papel para o Estado, a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltaram a ser bancos de fomentos e de incentivos às atividades sociais.

O Banco do Brasil (BB), disse o ministro, foi revitalizado, universidades foram criadas, o SUS foi fortalecido e os investimentos sociais cresceram significativamente. Dulci também lembrou que os neoliberais apresentavam uma falsa questão, opondo investimentos produtivos e investimentos sociais. Segundo o ministro, Lula comprou a polêmica e mostrou que investimentos sociais não são gastos.

África faz parte do rosto e da alma do Brasil

Dulci também comentou o falso dilema entre a integração mundial do Brasil e o isolamento. Ele disse que o tratamento respeitoso com o qual o governo brasileiro tratou a crise envolvendo a Petrobras na Bolívia foi exemplar. Da mesma forma, lembrou, foi tratada a crise da dívida do Equador com o BNDES. O ministro explicou que os interesses legítimos daqueles países foram levados em conta para uma solução favorável dessas questões.

Ele também falou das relações com a África, que, destacou, não é apenas comercial, porque aquele continente faz parte do rosto e da alma do Brasil. O ministro lembrou que o Brasil se aproximou também da China, da Rússia, da Índia e do Oriente Médio, criou o G-20 e assim, com sua política externa soberana e respeitosa, nem ficou isolado e nem se integrou de maneira subalterna à ordem mundial dos neoliberais.

Conferência Nacional de Comunicações

Outro aspecto do governo Lula comentado pelo ministro foi a relação do governo com os movimentos sociais. Ele citou como exemplo as negociações com o movimento sindical – que não ocorriam desde 1963 -, que resultaram nos aumentos do salário mínimo, com um grande impacto na economia e na dinâmica social do país. O ministro destacou também o planejamento do país, que voltou com a recuperação do papel do Estado.

Ao comentar o papel da mídia, o ministro anunciou para este ano a realização da Conferência Nacional de Comunicações. Instigado por um apelo de um espectador, o ministro também comentou a decisão do governo de conceder asilo político ao cidadão italiano Cesare Battisti. Segundo ele, o Brasil exerceu a sua soberania jurídica, que tem precedentes no país.

O último assunto abordado pelo ministro foi o caráter da crie. Ele explicou que seria desonesto dizer que a crise não terá impacto no Brasil. Mas é preciso, disse, compreender o seu caráter. Trata-se, afirmou, de uma crise estrutural do modelo de desenvolvimento imposto ao planeta nas últimas décadas. São as ruínas econômicas, sociais e políticas do neoliberalismo que estão vindo abaixo, enfatizou. E os trabalhadores não podem pagar a conta sozinhos, disse.

Construção de uma nova ordem

O desafio, apontou Dulci, tem dupla dimensão: lutar para que o país não entre em recessão – que é a terapia da direita – e fazer a economia crescer com inflação baixa, gerando emprego e distribuição de renda. Segundo o ministro, a melhor maneira para enfrentar a crise é com o aumento dos investimentos público. Dulci criticou as empresas que obtiveram lucros exorbitantes e agora promovem demissões “preventivas”.

O ministro também enfatizou a importância da união dos movimentos sociais e das forças políticas progressistas para fazer avançar as conquistas sociais e democráticas. Ele disse que a direita é forte e que é preciso construir uma plataforma comum com a abertura de novas perspectivas representadas pela falência do neoliberalismo.

O mundo pode avançar, disse, para o redesenho de uma nova ordem internacional. E o Brasil precisa entrar na disputa ideológica, filosófica e moral a fim de evitar a continuidade de um neoliberalismo mitigado e descortinar novos horizontes, pós-neoliberal. Para tanto, destacou, não basta remover os escombros, é preciso construir essa nova ordem.

De Belém, Osvaldo Bertolino