A tenda Panamazônica, na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), foi palco, na manhã de sexta-feira (30), do seminário “Amazônia: soberania e desenvolvimento”, no âmbito do Fórum Social Mundial em Belém (PA). O evento foi promovido pela Fundação Maurício Grabois, pela Fundação Perseu Abramo e outras entidades do movimento popular. A mesa, dirigida pelo diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois e dirigente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Aldo Arantes, e pelo ex- ministro do governo Lula e presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário Miranda, foi composta pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pelo secretário para questões da Amazônia do PCdoB, Eron Bezerra, pelo professor de física da Universidade do Estado do Amazonas e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, pelo secretário do Meio-Ambiente do governo do Estado do Pará, Walmir Ortega, e pelo secretário de Meio-Ambiente do Partido dos Trabalhadores (PT), Júlio Barbosa.

A platéia atenta ouviu uma breve exposição de Aldo Arantes sobre o tema e em seguida o professor Enio Candotti iniciou a sua intervenção. Ele enumerou três problemas sobre os quais iria falar. O primeiro era a soberania nacional, o direito que o Brasil tem de exercer a sua autoridade com mais presença do Estado na região.

O segundo era a importância da democracia, de instrumentos para que o povo pudesse participar dos debates sobre a Amazônia e assim fazer a defesa da floresta com uma melhor compreensão daquele ecossistema. E o terceiro era a necessidade de um conhecimento aprofundado da Amazônia, dos segredos que a floresta e suas populações guardam como seu tesouro.

Legislação ambiental brasileira

Para o professor, são questões que resumem o dilema sobre se a ciência é amiga ou inimiga. Segundo Ennio Candotti, na ciência, como em qualquer atividade humana, existem as duas tendências. Há, disse ele, cientistas democráticos mas há também aqueles que jogam o jogo dos grupos multinacionais. A essência do problema, explicou, é que do jeito como as coisas estão na legislação ambiental brasileira não é possível conhecer a Amazônia.

O professor explicou que há uma ditadura do não tocar, não olhar, não mexer, não saber. Mas é preciso, enfatizou, estudar a mata e possibilitar que as escolas tenham acesso à floresta para que ela seja conhecida. Segundo Ennio Candotti, os 20% permitidos para a exploração da Amazônia têm mais impacto na natureza do que a permissão para um estudo aprofundado da flora e da fauna da região.

Constituinte da legislação ambiental

Ele classificou a legislação atual de obscurantista e ditatorial, que serve às práticas extremistas e “xiitas” de “defesa” da Amazônia. Uma politica de proteção verdadeira da floresta, afirmou, implica em mobilizar a sociedade, permitindo que as escolas tenham acesso aos estudos biológicos da região. Ennio Candotti citou como exemplo o fato de o homem já reproduzir o funcionamento do sol mas não saber ainda como refazer, em laboratório, uma folha.

Esse “ignorância biológica”, explicou, poderia ser combatida com uma capacitação das escolas e uma legislação que contemplasse efetivamente os interesses nacionais. Segundo Ennio Candotti, em vez de fazer da Amazônia um lugar à mercê de modismos e de interesses internacionais deveria haver incentivos para que os cientistas formassem uma legião de pesquisadores como antídoto às ameaças para a floresta.

Ele propôs uma constituinte da legislação ambiental para definir as regras de estudos da Amazônia. Segundo professor, é preciso uma conservação seletiva, resultado de uma reflexão aprofundada sobre os problemas da região. E essa reflexão deveria ser incentivada nas escolas para que os estudantes e a nação pudessem entender efetivamente o significado da floresta.

Mecanismos repressivos

Em seguida falou o ministro Carlos Minc, que iniciou a intervenção destacamento medidas recentes do Ministério do Meio Ambiente, como a proibição do amianto e o combate ao desmatamento. Minc informou que a ex-ministra da pasta, Marina Silva, fez um trabalho de combate à depredação da floresta que reduziu o problema significativamente. Mas no final de 2007 e início de 2008 ele voltou a crescer.

Carlos Minc disse que fez gestões junto aos demais órgãos do governo federal com a finalidade de criar instrumentos para o combate ao desmatamento. Um deles é a resolução do Banco Central (BC) que tira o crédito do grande e médio desmatador. Ele também informou que barreiras da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária têm ajudado no combate ao desmatamento.

O ministro ressaltou, no entanto, que não bastam mecanismos repressivos. É preciso, segundo ele, criar um modelo sustentável alternativo. O extrativismo, por exemplo, precisa ser reforçado, disse. Com essa finalidade, informou Carlos Minc, o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva instituiu o preço mínimo, que garante crédito para o seringueiro ou o castanheiro beneficiar seu produto e agregar valor à produção por meio da obtenção de crédito.

Zoneamento econômico

Outra medida importante, segundo o ministro, é a regularização fundiária da região – que deve estar concluída em três anos, de acordo com a meta do governo Lula. Ele explicou que esse é um processo inadiável porque muitas vezes as terras têm até cinco donos. Sem a regularização fundiária, afirmou, fica impossível a adoção de políticas públicas. Outra medida será a recuperação de terras degradadas. Segundo o ministro, essas terras foram invadidas e desmatadas, e agora voltarão a ter produção.

Ele explicou também que o zoneamento econômico da região, que estará concluído ainda em 2009, vai permitir uma melhor definição da presença do poder público na Amazônia. A meta, segundo o ministro, é reduzir o desmatamento em 70% até 2017. Ele disse ainda que o Ministério está trabalhando em projetos também para a caatinga e o cerrado, igualmente ameaçados pela ação predatória.

Definições para a Amazônia

Eron Bezerra falou em seguida e destacou, no início da intervenção, que sem conhecimento não se vai a lugar nenhum. E explicou que não há atividade humana que não implique algum impacto ambiental. O que está em debate, segundo ele, é o método e a tecnologia que precisam ser aplicados para reduzir esse impacto. Eron Bezerra afirmou que existem três definições para a forma como a Amazônia é vista atualmente.

A primeira ele chamou de produtivista. Ou seja: a produção é tudo e a preservação não é nada. A segunda ele classificou como santuarista – a idéia de que a Amazônia não é do Brasil, mas “patrimônio da humanidade”. O termo, explicou Eron Bezerra, é uma armadilha porque quando se diz humanidade na verdade está se falando de poucos, dos que controlam os grupos privados mundiais. Ele enfatizou que a idéia de que a Amazônia é do povo brasileiro e dos países nos quais ela existe precisa ser reforçada constantemente.

Campanha “A Amazônia é nossa”

A terceira definição, segundo Eron Bezerra, tem o nome de sutentabilista. Ela consiste em criar alternativas econômicas para o povo da Amazônia, formado por 22 milhões de pessoas. Segundo Eron Bezerra, é preciso criar planos que permitam àquela população uma sustentação econômica sem a necessidade de degradar a floresta.

Mas, enfatizou, o conhecimento é o ponto de partida. A presença do Estado na região é indispensável, enfatizou. Eron Bezerra denunciou que em muitos locais da Amazônia não possível ter acesso porque alguém pôs porteiras e correntes em vastas áreas. Ele encerrou dizendo que o imperialismo está de olho na Amazônia há muito tempo, não como reserva ecológica mas como fonte de matérias-primas.

O seminário teve ainda as intervenções de Walmir Ortega e Júlio Barbosa, que denunciaram as ameaças à Amazônia com exemplos concretos presenciados por eles no dia-a-dia da região. Teve ainda a participação dos estudantes, que relançaram a campanha “A Amazônia é nossa”. Os integrantes da mesa receberam camisetas e um pôster da campanha. Segundo a presidente da UNE, Lúcia Stumpf, o objetivo é levar os estudantes a ter interesse em conhecer a Amazônia.

De Belém, Osvaldo Bertolino