O seminário ”A crise e a Integração Solidária da America Latina”, ocorrido na manha do sábado (31) na tenda ”Cuba 50 anos” – na Universidade Federal do Para )UFPA) -, foi mais um evento promovido em conjunto pelas fundações Mauricio Grabois e Perseu Abramo, no âmbito do Fórum Social Mundial (FSM) que está sendo realizado em Belém.

Compuseram a mesa, comandada pelo presidente da Fundação Maurcio Grabois, Adalberto Monteiro, e pela diretora da Fundação Perseu Abramo Iole Iliada Lopes, o venezuelano Filinto Durán, deputado do Parlamento Latino-Americano; Oscar Labarote, embaixador representante especial para a integração e a participação social do Ministério das Relações Exteriores da Argentina; João Felício, secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT); Oscar Vega, do grupo Comuna e colaborador do governo da Bolívia; Jose Reinaldo Carvalho, secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Carlos Baraibar, senador pela Frente Ampla do Uruguai; Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores (PT); e Hector Frangilals, membro do Partido Comunista de Cuba.

Adalberto Monteiro abriu o seminário com uma breve exposição sobre a integração da América Latina, destacando que a crise financeira e econômica impacta a região para o bem e para o mal. Segundo ele, o círculo virtuoso social e político pelo qual passa a América Latina tem sido intensamente debatido – fato que constitui um elemento positivo para a agenda das forças progressistas locais.

Adalberto Monteiro citou o exemplo da cúpula latino-americana e caribenha realizada em dezembro passado na cidade de Salvador (BA) e lembrou que o assunto foi objeto de debate no histórico encontro dos cinco chefes de Estado ? Luis Inácio Lula da Silva (Brasil), Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morqles (Bolívia) e Fernando Lugo (Paraguai) -, realizado no atual Fórum Social Mundial (FSM).

Simbolismo do local do seminário

E alertou que, como sempre acontece, o capitalismo joga nos ombros dos trabalhadores e dos povos a conta de suas crises. O presidente da Fundação Maurício Grabois também destacou que é preciso proteger a economia nacional e também os direitos dos trabalhadores. Mas sé isso não basta, ressaltou. Segundo ele, é preciso que os povos e os movimentos sociais se unam aos governos democráticos e progressistas em âmbito regional e global para enfrentar a crise com eficiência.

O presidente da Fundação Maurício Grabois também destacou a estratégia dos países imperialistas de empurrar para a periferia do sistema capitalista os custos da crise. Segundo Adalberto Monteiro, essa constatação evidencia a necessidade de uma gestação, no FSM, de uma diretiva para uma jornada global de mobilização.

Ele terminou a intervenção instando os debatedores a considerar questões como os caminhos para acelerar o processo de integração e lembrou o simbolismo da realização do seminário na tenda ”Cuba 50 anos” ? a ilha rebelde que enfrenta o cerco do imperialismo e persiste no caminho revolucionário.

Necessidade das pessoas, não o lucro

Filinto Durán fez a intervenção seguinte, destacando o compromisso revolucionário do governo venezuelano com a integração entre os paises da região, sempre respeitando os princípios da solidariedade, da cooperação e de soberania nacional. Filinto Durán também expôs aspectos da revolução bolivariana, enfatizando as conquistas sociais, e reforçou os princípios da política do governo da Venezuela nas relações com os demais países.

Ele explicou que a criação da Alternativa Bolivariana das Americas (Alba) é a confirmação da aliança estratégica regional. Filinto Durán também ressaltou a importância de desenvolver políticas, no âmbito da Alba, que responda às necessidades materiais, culturais e espirituais de todas as pessoas. Segundo o representante venezuelano, essa avançada estratégia de integração solidária precisa também elaborar formas de financiamentos de projetos de desenvolvimento com a finalidade de combater a pobreza e a exclusão social.

Para ele, a Alba deve ter como alvo a necessidade das pessoas, não o lucro – como ocorre nos processos de acumulação privada. Filinto Durán destacou ainda a Unasul e o banco do sul como outras iniciativas para a busca de uma melhor qualidade de vida na região.

Barreira ao imperialismo

Oscar Labarote, da Argentina, falou em seguida e destacou a necessidade de os povos enfrentar a crise e lembrou que enquanto ocorre o FSM a elite econômica do mundo está reunida em Davos, na Suíça. Segundo o representante argentino, seria interessante saber a conclusão a que eles chegaram ao analisar a catástrofe que provocaram. Para ele já é possível fazer um balanço, com base nos acontecimentos do FSM, que outro mundo é possível e que ele virá pela resistência dos povos à ofensiva conservadora.

Segundo Oscar Labarote, uma nova constituição de forças políticas na região vai mostrando a possibilidade de um mundo disposto a não tolerar injustiças sociais. Para o representante argentino, essa nova configuração política já é uma barreira à imposição da hegemonia imperialista na região. Mas, ressaltou, não se pode desprezar a força das oligarquias, que se organizam para tentar recompor a sua dominação.

Outro mundo socialista possível

Oscar Labarote disse ainda que o socialismo deve ser o paradigma deste outro mundo possível. Para ele, cada povo deve decidir, com base em suas características históricas, sobre o caminho a seguir na luta pela superação do capitalismo. O representante argentino enfatizou que o processo de integração latino-americano avança nessa direção e que por isso enfrenta cada vez mais desafios.

Segundo ele, o principal desafio atualmente e do integrar Cuba nas organizações multilaterais regionais. Oscar Labarote lembrou que o assunto foi tratado no âmbito do Grupo do Rio, que decidiu acolher a ilha revolucionária. Agora, destacou, o desafio é fazer uma integração de fato latino-americana, sem a ingerência dos Estados Unidos. Ele também comentou o significado do recente referendo na Bolívia, um símbolo dos avanços democráticos e populares na região.

Oscar Labarote, é preciso criar uma América Latina Popular. Ele finalizou dizendo que os partidos populares e os movimentos sociais têm a missão de trabalhar por um mundo miltipolar, do qual a América Latina deve ser um do pólos.

Avanço da esquerda social

João Felício, da CUT, foi o orador seguinte e iniciou a sua exposição dizendo que a central tem a sua agenda ligada ao mundo do trabalho mas não se limita a essas questões. Para ele, o movimento sindical deve ter um sentido mais amplo, uma agenda voltada para os mais diferentes aspectos das atividades humanas. Segundo o dirigente da CUT, a América Latina vive uma situação diferente, com avanços importantes, que diferencia substancialmente da realidade vivenciada no passado recente.

João Felício disse que este fenômeno faz avançar também a aliança política unitária e estimula o avanço da esquerda social. Isso se deve, segundo ele, aos espaços que os governos progressistas permitem aos movimentos sociais. Não são ainda os avanços dos sonhos, afirmou, mas a situação é bem diferente dos tempos do neoliberalismo, quando os movimentos sociais eram tratados com repressão.

Aspectos da legislação trabalhista

João Felício ressaltou que esse cenário favorável não dever servir para um dar de ombros às ameaças de retrocesso, e alertou que os movimentos sociais só avançam na democracia. O dirigente cutista disse ainda que tem enorme respeito pela integração comercial da regional, como os investimentos do BNDES em infra-estrutura, mas que é preciso uma agenda social regional.

Esse aspecto da integração, disse João Felício, não pode ser secundarizado. Segundo ele, os movimentos sociais precisam ter voz e estar presente nas negociações. O dirigente cutista defendeu, por exemplo, a unificação de alguns aspectos da legislação trabalhista. Ele citou o caso da aposentadoria, Que poderia contar tempo de trabalho em diferentes paises.

Ação conjunta de respaldo á Alba

Em seguida, Oscar Vega, da Bolívia, fez a sua intervenção iniciando com um breve relato do processo que levou à recente aprovação da nova Constituição do país. Segundo ele, a Carta Magna aprovada garante ao povo formas de se organizar e produzir coletivamente e com democracia.

Em seguida ele comentou que o Brasil historicamente tem sido forçado a não se integrar à América Latina para que a força do povo brasileiro não se some à luta integrador da região. Há o aspecto lingüistico, disse, mas o determinante são as manobras imperialistas. Com o governo Lula, o Brasil passou a desempenhar importante e decisivo papel para a integração da região, destacou.

Oscar Vega ressaltou ainda a importância de uma ação conjunta de respaldo à Alba, à Unasul, ao banco do sul e à perspectiva de uma moeda única para a América do Sul. Ele também comentou os limites da integração restrita à circulação de mercadorias e objetos. Oscar Vega finalizou dizendo que o processo de mudanças na Bolívia precisa do apoio dos povos vizinhos. Segundo ele, sem o apoio continental o processo boliviano fica ameaçado.

Denúncia de descaso com os indígenas

No início da intervenção do orador seguinte, José Reinaldo Carvalho, um grupo indígena ocupou o palco para denunciar o abandono e as ameaças a que estão submetidos. Segundo os indígenas, muitas doenças estão dizimando a população local. O microfone foi franqueado para que eles denunciassem o problema e vários deles usaram a palavra.

José Reinaldo Carvalho registrou em seguida que a manifestação foi uma demonstração de que as barreiras do preconceito começaram a ser rompidas. Segundo ele, a exposição do problema indígena foi a demonstração mais cabal de que sem a integração de todos os povos não é possível acabar com as iniqüidades sociais.

Crises e guerras no mundo atual

Após o registro do protesto indígena, José Reinaldo Carvalho reiniciou a intervenção afirmando que este FSM passa para a história como o mais politizado de todos. Em seguida lembrou as palavras de George Bush pai, pronunciadas em 1992, quando ele disse que com ”a graça de Deus a América venceu a Guerra Fria” e que o líder do ocidente passaria a ser líder de todo o mundo.

Segundo o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, as palavras de Bush pai contrastam com a realidade de hoje, que reserva ao mundo uma encruzilhada trágica. O que caracteriza o mundo atual, disse José Reinaldo Carvalho, são as crises e as guerras. Para ele, esse fenômeno é intrínseco ao sistema capitalista. O secretário de Relações Internacionais do PCdoB destacou a crise não é fruto de falhas de alguém ou da incompetência de maus governos, mas do próprio sistema.

Experiências louváveis do século XX

A crise, disse ainda, agudiza todas as contradições do sistema capitalista e os trabalhadores são as primeiras vitimas. José Reinaldo Carvalho também mencionou a erosão do dólar como moeda-padrão internacional, outro fator relevante da crise. Tudo isso, segundo ele, evidencia que não bastam remendos para uma superação efetiva da crise. É preciso um novo poder político, um poder popular.

Para o secretario de Relações Internacionais do PCdoB, a integração da América Latina e do Caribe deve ocorrer com esta perspectiva. Segundo José Reinaldo Carvalho, o progresso econômico e social depende de um novo modelo de desenvolvimento. A integração, destacou, precisa ocorrer com a perspectiva socialista no horizonte.

Ele finalizou enfatizando que o PCdoB apóia a integração proclamando a luta pelo socialismo como uma necessidade histórica. Segundo o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, a transformação revolucionaria virá com a acumulação de forças. E enfatizou que as experiências do socialismo no século XX foram louváveis mas não se deve copiar modelos, nem os autuais. Para ele, o socialismo será uma construção dos povos, cada qual com suas características.

Acelerar o passo da integração

O orador seguinte foi Carlos Baraibar, do Uruguai. Ele destacou que a presença de cinco presidentes progressistas, recepcionados por uma multidão, no FSM foi uma demonstração de vitalidade dos avanços sociais na região. Segundo ele, a luta contra o neoliberalismo e o imperialismo avança na medida em que as forças democráticas e progressistas se unem e definem estratégias comuns. Para o presidente do Uruguai, a inclusão de Cuba no Grupo do Rio foi um passo significativo nessa direção.

O penúltimo orador foi Hector Fraginals, de Cuba. Ele criticou o modelo consumista do chamado Primeiro Mundo e destacou que a América Latina é hoje o principal centro de resistência a ordem política predominante no mundo. Segundo o representante cubano, o movimento social desempenha papel fundamental nesse processo.

Hector Fraginals disse ainda que o processo unitário de integração latino-americano avança passo a passo e deve continuar avançando sempre procurando acelerar o passo. Segundo ele, é inevitável que nesse processo os paises com mais recursos ajudem mais. Ele destacou dados que mostram os avanços sociais em Cuba e finalizou com a tradicional saudação revolucionaria de ”até a vitória, sempre”.

Dois aspectos da crise

Valter Pomar foi o ultimo orador e disse que a crise é do capitalismo, não só do neoliberalismo, Para ele, a crise não surpreende porque ela faz parte do sistema. Segundo o dirigente petista, as forças democráticas e populares não devem se acovardar diante dela porque o cenário atual oferece uma oportunidade para a edificação de uma nova ordem internacional.

Segundo Valter Pomar, existem dois aspectos que precisam ser considerados – um estratégico e outro tático. O primeiro, segundo ele, é que as crise nos países centrais abre uma janela importante para a América Latina construir um novo caminho de desenvolvimento. Do ponto de vista tático, disse ele, a crise é uma ameaça aos direitos sociais e à democracia. Ela pode ser usada pelo imperialismo para tentar desestabilizar a América Latina.

Ampliar a democracia é o caminho para que os povos possam ter consciência da importância de defender os avanços sociais, enfatizou. Ele citou o exemplo da Bolívia e da Venezuela como paradigma para o aprofundamento da democracia. Segundo Valter Pomar, a premissa é o fortalecimento do papel do Estado e o aumento dos investimentos públicos e sociais.

Poder real para o povo

Para o dirigente petista, a crise influencia contraditoriamente o processo de integração latino-americano. Ela acentua os conflitos sociais e a assimetria entre os paises. Para ele, seria um erro algum pais fechar-se em copa e tantar resolver o problema de costas para os outros.

Valter Pomar destacou que a integração precisa de uma institucionalidade produtiva. E citou como exemplo a Unasul, que deve ser ampliada para dimensões latino-americanas, e a perspectiva de criação de uma moeda local que acabe com a hegemonia do dólar no comércio local.

E finalizou destacando a importância da ampliação do debate de idéias. Segundo ele, é preciso construir uma estratégia comum porque mesmo nos paises com governos progressistas a estrutura tradicional de poder ainda é forte. Para o dirigente custista, o povo precisa ter poder real para governar segundo as suas necessidades.

De Belém, Osvaldo Bertolino