Macróbios
Há 11 meses, moro na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mês que vem, pois, completo um ano de vida carioca.
Moro no Flamengo. Bairro aprazível, cuja população de idosos é numerosa. Não há fila de banco do bairro que não tenha dúzias de anciãos pagando contas, olhando saldos, implicando com as atendentes. Estimado amigo meu, de São Paulo, já sugeriu que os municípios fizessem rodízio de velhinhos: os nascidos entre 1920 e 1930 saem às segundas e quartas; os da década de quarenta, às terças e quintas, e assim por diante. Desse modo, acredita meu amigo, evitam-se demoras, lentidão no trânsito das calçadas, etc.
Não sei. Acho que não daria muito certo. Imagino que, em breve, teríamos a primeira revolução macróbia da história mundial. E isso numa terra em que o culto da juventude é muito forte, e idoso é muito maltratado. Falo do Brasil, bem entendido. O Rio é somente um índice expressivo disso, assim como São Paulo.
Não me incomodam os velhos. Na verdade, gosto deles. Gosto de observá-los nas filas, nos parques, nos elevadores, nas ruas. Penso: ali vai alguém que viu muito.
Gosto, sobretudo, de ouvi-los conversar. Hoje mesmo, na fila do caixa eletrônico, ouço o seguinte diálogo:
– Mas o cara ganhou na urna! Que história é essa de golpe?!
– Ele manipulou o resultado.
– Não seja ranzinza. É a décima-quinta eleição e ele só perdeu uma, a do ano passado. Teve campanha e o escambau. Todo mundo fez sua campanha.
– O cara manipulou, é o que digo. Ameaçou a imprensa. Expulsou o observador da Espanha.
– Onde foi que você leu isso?
– Tá em todos os jornais. Saiu na televisão. Só você não viu.
– Vi. Vi, sim. Isso que você tá repetindo aí feito papagaio é o editorial do Globo de hoje. Me admira você, com essa idade, ainda cair nessas esparrelas da imprensa.
– Me admira é você, com queda de muro e tudo, ainda botar fé nestes populistas de araque!
– Ih, papo de velho! Populista, socialista, comunista. Você não bebe vinho: toma rótulo!
– A inflação na Venezuela, meu caro, caso não saiba, está a quarenta por cento! Quarenta por cento, ouviu?
– Não estou falando de inflação. Estou falando de democracia. Os caras, quando falam de Cuba, da China, do caralho, reclamam que não tem eleição, que é ditadura e tal. Aí o coronel lá participa da eleição, organiza outras tantas, ganha todas, exceto uma – e perdeu essa por uma diferença de um e meio por cento – aí não vale. O cara “consumou o golpe que tanto acalentava”, como diz o jornal. Ora, me poupe, sim?
– Quando lá estourar a crise, e o seu Hugo Chavez não der conta do recado, quero ver que desculpa você vai dar.
Não consegui saber o fim da conversa. Chegou minha vez de pagar contas e ver saldo e sacar dinheiro. Só não impliquei com a atendente. Mas alimento a esperança de que, se alguma revolução macróbia tiver que ocorrer, queira o bom deus que o velho chavista esteja à testa. Porque, se não…