A diferença entre Michael Bloomberg e Hugo Chávez
Por Clyde Haberman
Por Clyde Haberman, no The New York Times
O povo votou, algum tempo atrás, por impor limitações ao número de mandatos que seus líderes políticos poderiam exercer. Isso incomodava o homem que estava no poder. Ele estava no final de seu segundo mandato e a lei o proibia de disputar nova eleição. Mas ele desejava demais um terceiro mandato.
E eis o que ele fez: consultou o povo para determinar se a opinião anterior havia mudado. Obviamente, ele não era de Nova York.
Em nossa cidade, a liderança política não consulta o eleitorado sobre assuntos já decididos em plebiscito – como a limitação dos políticos a dois mandatos consecutivos em um mesmo cargo. Em nossa cidade, a liderança age por conta própria, e o prefeito e uma maioria pífia do Legislativo municipal se concedem a chance de terceiros mandatos. Eles simplesmente ignoraram os resultados de dois referendos e reformularam as regras de forma favorável a eles.
O homem que voltou a consultar o povo era o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ainda que seja severamente criticado nos Estados Unidos, descrito como déspota e até mesmo como um bufão, ele fez aquilo que o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, não teve coragem de fazer. E venceu, da mesma forma que muitos cidadãos de Nova York imaginam Bloomberg teria vencido, caso depositasse mais fé no eleitorado. No domingo, os venezuelanos aprovaram em um referendo o direito do presidente e outros ocupantes de cargos eletivos a se eleger quantas vezes quiserem para um mesmo posto.
Perguntaram ao prefeito um dia desses se a experiência venezuelana o havia levado a reconsiderar a forma pela qual alterou a lei de limitação de mandatos na cidade. A questão irritou Bloomberg. Hoje em dia, prepotência em entrevistas coletivas se tornou sua marca registrada. “O que temos nós a ver com Hugo Chávez?”, ele rebateu.
Na verdade, no que tange a esse assunto, muita coisa. Para muitos moradores de Nova York, existe preocupação duradoura quanto à disposição do prefeito de trabalhar apenas em benefício próprio, no que tange à limitação de mandatos. As disputas legais e políticas quanto ao assunto ainda não estão encerradas. Se bem que um juiz federal em Brooklyn tenha sustentado a legalidade da mudança de regra, há apelos contra a decisão junto ao Legislativo estadual, em um projeto de lei que requereria outro referendo, e a aprovação dos eleitores, antes que qualquer líder eleito pudesse disputar um terceiro mandato consecutivo.
Mas apesar da grande irritação de muitos moradores de Nova York quanto ao comportamento do prefeito e do Legislativo municipal, nem todos eles estão convencidos de que o governo estadual é a salvação, já que consideram que este interfira demais nos assuntos do município.
Talvez a mais intrigante das contestações à mudança de regra venha do Departamento da Justiça. Sob a Lei do Direito de Voto, de 1965, as autoridades federais precisam aprovar quaisquer alterações nas leis eleitorais, para garantir que não prejudiquem as minorias raciais e étnicas.
Há quem questione a necessidade de Nova York continuar sujeita a esse tipo de escrutínio federal. Não importa: os advogados do governo municipal cumpriram a lei e pediram aprovação federal à mudança de regras, que declararam não discriminatória “nem em propósito, nem em efeito”. Para reforçar seus argumentos, apontaram para o fato de que mais de dois terços dos membros não caucasianos do Legislativo municipal votaram em favor da revisão da lei ¿ou seja, essa norma de proteção aos políticos eleitos se sobrepõe às divisões raciais.
Esta semana, os críticos do prefeito responderam. Em Nova York, eles disseram ao Departamento da Justiça, o jogo eleitoral vem há anos favorecendo os ocupantes brancos de cargos eletivos, que se beneficiam dos seus postos para conseguir reeleição mesmo em distritos onde a maioria da população já não seja branca. A limitação de mandatos, alegam os críticos, força a substituição da representação distrital, e portanto permite que minorias étnicas e raciais “traduzam os aspectos demográficos favoráveis em representação política ampliada”.
Ainda não se sabe se Washington aceitará esse arrazoado ou o descartará como uma tentativa desesperada de bloquear a mudança. Mas ao menos o apelo significa que Bloomberg ainda não se safou do episódio.
A história toda vem lhe causando mais dor de cabeça do que ele talvez imaginasse. O prefeito desdenhou os partidos políticos, como se ele não precisasse se misturar àquela corja. Mas isso foi antes de decidir que disputaria um terceiro mandato. Agora, Bloomberg precisa dos partidos — ou ao menos de alguns — se quiser posição favorável na cédula de novembro.
Uma aposta segura é a de que o prefeito bilionário vai comprar a boa vontade de um ou outro partido, especialmente seu velho patrocinador, o Partido Republicano. Depois de serem ejetados por Bloomberg, os líderes republicanos nos condados podem ter de decidir se seu orgulho ou o dinheiro importa mais.
É improvável que consultem Chávez, que tem experiência em questões de dinheiro e de orgulho. O presidente venezuelano provavelmente lhes diria que muitas vezes não se pode ter as duas coisas.
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