Afeganistão: a carta básica do “grande jogo do século”
Por Georges Pezmatzoglu
Por Georges Pezmatzoglu, no Monitor Mercantil
O povo afegão tem vivido uma guerra de terror — como era de se esperar. A “guerra contra o terrorismo” e a ocupação do Afeganistão desde 2001 arrastou o vizinho Paquistão para o holocausto de civis desarmados e uma guerra não declarada.
Os ingênuos esperavam que a eleição de Barack Obama nos EUA sinalizasse o início de uma era de paz e segurança, mas desde a campanha eleitoral o novo inquilino da Casa Branca destacava que a guerra no Afeganistão continuará com muito maior intensidade.
E concentrou no ideário da terraplanagem e controle total deste país toda a essência da doutrina de “combate sem trégua ao terror”, que sustentou e sustenta “legalmente” as guerras do século XXI. E que substitui o Direito Internacional.
O atentado contra as “Torres Gêmeas” foi caracterizado como um crime contra a humanidade. Mas será que alguém se perguntou se justificou as dezenas de milhares de crimes de guerra cometidos cotidianamente durante os últimos sete anos, além de ter colocado quase todo o Mundo Árabe na alça de mira, como “Eixo do Mal”?
Um ideário com objetivos geopolíticos claros, já que a posição do Afeganistão no mapa das rotas energéticas é de importância estratégica. A história também arrasta o Paquistão, como destacou o próprio enviado especial dos EUA, Richard Hallbruck, por ocasião de suas recentes e frequentes visitas na região.
“A questão do Afeganistão não pode ser enfrentada isoladamente. Ao contrário, arrasta o país vizinho” (Paquistão), considerado o doador básico de combatentes e zona de treinamento para o Talibã.
Neste âmbito, espera-se que o replanejamento da agressiva política de ocupação no Afeganistão pelos EUA – segundo opinião de um graduado agente da Agência Central de Inteligência (CIA) aqui em Kabul – seja “o grande jogo do século no Sul da Ásia”.
Isso mostra que uma série de países da região serão arrastados e envolvidos como dominó na interminável “guerra contra o terrorismo”, mais especificamente uma guerra pelos interesses imperialistas (leia-se a usurpação de riquezas, principalmente energéticas).
Rússia e demais candidatos
Deste imbróglio, há algum tempo participa a Rússia, que objetiva o atendimento de seus interesses. E estes passam pelo Afeganistão. Moscou reivindica um papel mais destacado nos bastidores, além de no “Estado-Maior”, mas nada essencialmente regulador.
São reivindicações classificadas como quedas-de-braço imperialistas, que atualmente evoluem em todos os campos (militar, econômico e político) e ocorrem entre grupos de estados que conformam e se relacionam diretamente com os projetos dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para a instalação de mísseis na Europa.
Alguns exemplos de tais movimentações são a recente guerra na região do Cáucaso e também o jogo de influência política e militar entre os centros imperialistas sobre a Ásia Central.
Desde abril do ano passado, Moscou se declarou claramente disposto a dar uma passagem alternativa ao extremamente perigoso Hiber, no Paquistão, a fim de que os comboios de abastecimento das tropas norte-americanas e da Otan no Afeganistão deixassem de ser alvos diários dos combatentes islâmicos.
A proposta da Rússia foi cancelada imediatamente após o ataque da Geórgia (orquestrado pelos EUA) contra a Ossétia do Sul, e a consequente resposta da Rússia.
Curiosamente, a proposta da passagem voltou recentemente, e se tornou “extremamente necessária” para a sobrevivência da ocupação, devido à derrubada da ponte sobre o Hiber pelo Talibã, que interrompeu a passagem de 70% dos reabastecimentos das forças norte-americanas e da Otan no Afeganistão.
Aí a Rússia resolveu mostrar até que ponto o seu envolvimento é importante e “determinou” ao governo do Quirguistão que fechasse a base norte-americana situada em Manás, no território quirguistanês. Liberou em troca, de forma silenciosa, alguns bilhões de dólares a fundo perdido para o governo de Bishkek.
Outras rotas alternativas para os comboios de reabastecimento são a linha Turquia-Curdistão-Irã ou diretamente a Irã-Kabul, versão considerada menos improvável após a troca de guarda na Casa Branca, que tornou o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad menos inimigo do que nos anos anteriores. Ainda mais se for considerado o fato de que, para o Irã xiita, o sunita Talibã é um grande inimigo.
Prosseguem as operações no Paquistão
Os EUA, como ficou claro durante a recente visita do enviado especial Hallbruck a Islamabad, não pretendem entregar o Paquistão aos islâmicos, dando-lhes de presente uma das duas potências nucleares da região.
Assim, foi confirmado que a cooperação estratégica Washington-Islamabad permanece e é fortalecida após a eleição de Barack Obama, em uma base de compreensão imperialista que será traduzida em “morte antiterrorista” para os moradores das regiões tribais semi-autônomas.
Nestes locais, as operações de limpeza e a exportação da “guerra contra o terrorismo” recrudescem sem distinções. São centenas de civis desarmados mortos, a exemplo do Afeganistão.
Muitos são considerados “perdas paralelas” até a eliminação definitiva do Talibã, cujos combatentes, como se sabe, foram treinados e armados pelos próprios EUA com o objetivo de serem obstáculos “contra à expansão” da extinta União Soviética.
“Estranhas falhas”
No mesmo denominador de como o Talibã consegue se armar, ainda mais após a invasão EUA-Otan em 2001, e de como alguns dados são interligados, soma-se agora a confirmação de “perdas de dados de milhares de armas que chegaram no Afeganistão pelos EUA”, por causa de “estranhas falhas”.
Os dados confirmam que “não existem arquivos” para 87.000 armas que foram enviadas ao Afeganistão entre 2004 e 2008, assim como para 135.000 armas que foram enviadas pelos 21 países-membros da Otan.
Como num passe de mágica, desapareceram até os números de série de mais 46.000 armas. De outras 41.000 existem arquivados os números de série, mas não se sabe onde estão armazenadas!
Assim, justifica-se e provavelmente se explica, de forma indireta, a exemplo do Iraque, o armamento dos grupos islâmicos e do Talibã, que fornecem o pretexto para a presença das forças de ocupação e o suposto controle total dos EUA e da Otan sobre as duas regiões.
Tudo com a esfarrapada desculpa de defesa da paz e da segurança do planeta contra a “ameaça terrorista”. Ao que tudo indica, nesta época de neoliberalismo uma mão lava a outra.