O sociólogo Sérgio Coutinho, professor universitário em Alagoas, e autor do livro O Movimento dos Movimentos: possibilidades e limites do Fórum Social Mundial, afirmou que a violência no meio rural é diferente da ocorrida nas cidades. Segundo ele, há um conflito de natureza predominantemente econômica no campo por falta de um planejamento nacional de utilização da terra. De acordo com ele, “há uma guerra civil não assumida no campo. Há um clima de guerra constante”.

No dia 21 de fevereiro, um confronto entre membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e seguranças da fazenda Jabuticaba, localizada em São Joaquim do Monte, interior de Pernambuco, deixou quatro funcionários da propriedade mortos. Na tarde da última quarta-feira, cerca de 80 famílias desocuparam pacificamente o local. O MST se comprometeu a organizar a retirada das famílias da fazenda, que deverá ser medida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O tamanho da propriedade é uma informação essencial para ajudar na avaliação se a fazenda Jabuticaba poderia ou não ser destinada à reforma agrária.

Segundo nota do MST, “o conflito em Pernambuco era uma tragédia anunciada”. De acordo com o movimento, 100 famílias estavam acampadas havia oito anos no local. MST repudiou a violência e informou que há muitos outros acampamentos no país, em igual situação de tensão e conflito. a região do Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo, há um passivo de conflito agrário pendente há quatro décadas. Na semana do Carnaval, os quatro movimentos de sem terra que atuam na região realizaram ocupações de protesto em diversas fazendas.

De acordo com o sociólogo, um ato de violência de um movimento social por terra é conseqüência de atos anteriores, de conflitos que existem. “A atual violência por parte dos sem-terra é fruto da brutalidade contínua que recebem. Estão revidando a agressão que recebem há bastante tempo, mas isso não faz sentido no meio urbano. Não há como esperar algo diferente de quem cresceu em acampamento, participando de ocupações, apanhando de facão, e hoje age com violência”, afirma. “Um amigo que lida com a questão agrária no interior de Alagoas acompanhou um caso de uma criança que foi coberta por querosene por ser filha de um sem-terra que havia ocupado uma fazenda. Ela ficou sob ameaça. O que acontecerá com essa criança quando crescer?”, questionou.

Para o sociólogo, enquanto não tiver uma postura governamental reconhecendo o problema, ele não se resolverá. “Os conflitos agrários não tiveram nenhuma atenção do Estado. Com o passar do tempo, era inevitável que (os sem-terra) passassem a reagir com violência”, afirmou o professor. Coutinho definiu essa violência no campo, como uma “reação histórica”. “Não há ação policial imediata que possa eliminar algo incorporado ao dia-a-dia, após anos de abandono do poder público. Qualquer grupo social que é abandonado pelo Estado, vai agir por conta própria. Podemos achar justo ou injusto, mas é mais desumano não podermos ter com quem contar por anos”, afirma.

Já nos centros urbanos, Coutinho disse que a banalização da violência já contaminou toda a sociedade. “No meio urbano, a violência já é um elemento cultural. Todos se preparam para um ato de violência. Há 10, 15 anos, isso só se via no meio de uma guerra. Hoje, isso está em capitais e em cidades com pequena atividade industrial. A população se prepara para a violência, para o crime ou para o acidente de trânsito. Virou normal a expectativa de que uma notícia sobre violência virá”, disse. Coutinho comparou a reação violenta dos sem-terra com o que ocorreu nas favelas do Sudeste. Segundo ele, o jovem que aos 14 anos levanta uma arma, passou 14 anos sem serviço público disponível. “O que dizer (do povo) do sertão brasileiro? Do abandono do Estado, vem o olho por olho para resolver essa violência”, diz.

Para o sociólogo, essa violência vem se intensificando há pelo menos 50 anos, devido ao fato da omissão do Estado com a população rural, já que “tivemos uma opção nacional de investimento público concentrada na industrialização rápida, favorecendo a população a se deslocar rapidamente para as cidade, tornando o campo não mais tão importante para o investimento público”.

Segundo Coutinho, esse panorama só começou a mudar com o programa do governo federal Bolsa Família, que, conforme, ele, apesar de não dar autonomia, administra a dependência econômica da população rural frente ao Estado. O sociólogo afirmou que os lobbies das bancadas no Congresso Nacional acirram ainda mais a disputa por terras nas regiões Norte e Nordeste do País.

Segundo ele, a prática mantém o investimento concentrado. “Temos uma multidão de municípios que existem tão somente para receber recursos do Bolsa Família, do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e do fundo para os municípios. Na falência econômica dos municípios, não há uma atividade econômica produtiva destacada. Qualquer atividade rural parece ser de grande porte e isso vai atrair o olhar dos movimentos sem-terra. Nos final das contas, disputam terras que não terão uma função econômica relevante. É apenas uma alternativa que resta”, afirmou o sociólogo.

Conforme o professor, o crime no meio rural está ligado à terra, como sendo a última atividade econômica possível. Já no meio urbano, ele se vinculou a diversas atividades sociais. Coutinho acredita que o primeiro passo para começar a reverter a questão da violência no campo é não criminalizar de imediato os movimentos sociais e os fazendeiros. “Não se pode pensar logo apenas em quem é o bandido. Temos de tentar entender o motivo pelo qual aquele conflito existe”, afirma.

Com informações do portal Terra