O acaso é responsável por muitos acontecimentos notáveis (noves fora, a crise financeira; até os garis de Wall Street sabiam do que Marx dizia sobre especulação e roubo da mais valia: a bolha iria estourar, mais uma vez, e os pagadores da fatura do desemprego seriam sempre os trabalhadores).

      Herdeiro da Cultura Marajoara, nascida por acaso há 1500 anos e por acaso extinta com o descobrimento das Índias acidentais; eu respeito a meteorologia empírica dos campos alagados ou cidades inundadas com capricho da fortuna ou azar das chuvas da ditadura da água. Não importa o nome que o acaso tome para fingir que as coisas sãos planejadas e parecer intencional. Eu me dou por contente de escrever estas heresias sem risco da fogueira da Inquição, mas suspeito que o “grande estrondo” (big bang) fecundador foi, também ele/ela, o acaso alfa pai e mãe de todos acasos seguintes… A divinização do acaso às vezes toma figura de um velho mendigo como encarnação de Zeus da antiga Grécia, assume papel de rei, faz carisma de herói. Marca gol de placa na copa do mundo… De tal sorte que um menino pobre com pinta de craque vira rei do futebol… Ou fica sendo eternamente perna de pau.

      Dizem que a independência do Brasil de Portugal deu-se por acaso, devido à comida estragada servida sem má intenção ao príncipe dom Pedro  de Alcântara no jantar na casa de sua amante, a marquesa de Santos. A janta mexeu com os intestinos do herdeiro do trono de Portugal e defensor perpétuo do Brasil. O “grito” do Ipiranga saiu suado poluindo as margens plácidas do riacho e extravazou a raiva absolutista contra as Cortes de Lisboa, por acaso inflamando a imaginação de historiadores pátrios. 

      Embora descrentes duvidem dos poderes miraculosos do acaso e achem que nada acontece por conta do dito cujo, eu por mim acredito que para o acaso se manifestar carece só uma pitada de necessidade… Foi o que aconteceu nesta sexta-feira 13, março de 2009. Alfredo, minto; Dalcídio Jurandir atravessou diretamente da academia do peixe frito no Ver O Peso para o salão nobre da Academia Paraense de Letras… Se a audácia fosse premeditada iriam dizer que foi má intenção de iconoclastas para marcar o Centenário de um de seus patronos mais famosos pela irreverência  ao cânome da imortalidade acadêmica… Por acaso, o vetusto casarão da Academia é vizinho do ginásio do romance “Primeira Manhã”. Onde Alfredo entra em sala de aula errada e sofre o trote de costume na recepção dos calouros.
 
      Poderia acontecer uma coisa dessas em surdina? Sem escândalo e por livre consentimento de nossos imortais? Pois aconteceu de fato. Mas, careceu de empurrãozinho da necessidade a fim de reunir os poetas no sarau do Extremo Norte… Pai d'égua! Encontraram-se a fome e a vontade de comer. O “culpado” foi o Dia do Poeta, com o poeta Rui do Carmo a bater de porta em porta para armar a tenda da tribo poética tendo em vista o centenário de nascimento do criador de Alfredo. Fui convidado para falar do dito Centenário: virou conversa de compadres. E a surpresa veio por conta da escultura do busto de Dalcídio feita pelas mãos do artista Fernando Pessoa, que além de poeta inspirado é um apurado escultor. Assim em estátua e verso o homônimo do poeta luso homenageou o romancista do Extremo Norte.

      Em nome da academia do peixe frito, o caboco que vos fala agradece a oportunidade com o poema de Dalcídio Jurandir, adiante:

 
Os Jambeiros

No silêncio do arrebalde
A manhã amadure os jambos
E anima a festa dos pássaros.
E os jambos são tão gostosos
De um gosto ingênuo de ternura
Macio e selvagem.
Gosto de boa terra orvalhada e cheirosa
De água travessa a cantarola no fundo das espessuras.
De alegrias anônimas,
De sossegos vegetais esquecidos pelo mundo.
De infâncias perdidas que ficaram
Como raízes humanas nas fruteiras.

Quando vais entre os jambeiros
Colher os jambos maduros,
As árvores te cobrem de orvalho
E o céu te veste de sol,
E vens coroada de orvalho como toda
Enfeitada de pérolas
E envolta de luz como se fosses toda
A manhã de verão
Com as mãos cheias de jambos…

(Dalcídio Jurandir / revista Guajarina, 1937)