As complexas relações entre Rússia e Estados Unidos
Por Alex Corsini
Por Alex Corsini, no Monitor Mercantil
As oficinas de concertos diplomáticos em Moscou e Washington já estão trabalhando em regime de horas extra, haja vista o primeiro encontro Obama-Medvedev em Londres, no início do mês que vem. Entretanto, a carta do presidente norte-americano sobre a "reconstituição das relações bilaterais" por pouco — muito pouco mesmo — não provocou novos mal entendidos. Segundo informações de fonte russa, em sua carta a Medvedev Obama apresentou a proposta de "reiniciar" o diálogo bilateral, usando um termo do universo tecnológico, que encanta os dois líderes da era dos blogs mais que a seus antecessores — Bush e Putin.
A proposta de Obama, de que o governo dos EUA cancelaria a instalação do escudo anti-mísseis na Europa (República Tcheca e Polônia) se Moscou contribuísse "decisivamente" para o congelamento do programa nuclear do Irã, provocou uma grande discussão em Moscou. Mas, segundo a fonte, o vazamento do conteúdo da carta na imprensa obrigou tanto a Casa Branca quanto o Kremlin a promoverem os necessários "desdobramentos".
Interpretação inexata
Primeiro, Medvedev colocou as idéias norte-americanas no gelo, esclarecendo que Moscou está pronta para conversar com Washington, mas "somente propostas realmente construtivas na esfera do escudo anti-mísseis, que correspondam aos interesses da Rússia, da Europa e dos EUA". O presidente russo rejeitou a lógica "das transações e das trocas", e se disse a favor de um "novo mecanismo de segurança para toda a Europa e os EUA, confiável e total". Simultaneamente, tratou de caracterizar a carta de Obama como um "evento positivo".
Vários comentaristas de veículos de comunicação ocidentais constataram uma "moderação na retórica agressiva do Kremlin", e os mais visionários já vislumbram um "choque dos liberais com a "linha dura" do Kremlin", esquecendo-se que Putin e Medvedev fazem parte do mesmo grupo de liderança. Neste sentido, Moscou aceita o convite de Obama para uma nova rodada de diálogo, mas não se sente como no passado, pois tem mais problemas do que Washington. E apesar da inevitável queda de otimismo do Kremlin, a crise econômica pode impor manobras exclusivamente táticas, além de um atraso no ritmo de uma política que tem como preocupação estratégica não só a sobrevivência como a melhor posição possível para a Rússia.
Por sua vez, o próprio Obama foi obrigado a responder aos comentários dos jornais russos e às elucubrações dos analistas ocidentais. Ele chamou a atenção para a "interpretação inexata de tudo que escreveu em resposta à mensagem de congratulações pela sua posse à presidência dos EUA, enviada por Medvedev". Segundo prosseguiu Obama, sua carta a Medvedev simplesmente "confirmou a velha posição norte-americana de que o escudo anti-mísseis não é contra Rússia, mas contra a ameaça do Irã, e não foi apresentada nenhuma proposta de troca".
New Deal bilateral
Independente de tudo o que separa Washington e Moscou, fica óbvio que as duas partes tentam salvar qualquer iniciativa que possa aproximá-las, deixando os finais e inevitáveis bazares diplomáticos para o diálogo direto entre os presidentes durante o Fórum do G-20, que discutirá e buscará soluções para a crise atual. Até lá, os burocratas da diplomacia dos dois países testarão as idéias e suas cartas no jogo, tentando encontrar um entendimento digno para os dois lados, algo que está se tornando cada vez mais obrigatório devido às questões econômicas internacionais, que parecem ter tomado seu próprio caminho de perdição.
Mas, após o escudo anti-mísseis e a nova arquitetura de segurança, despencaram na mesa das negociações os esquecidos — e custosos em sua manutenção — armamentos nucleares. A secretária de Estado Hillary Clinton concordou com seu colega russo Serguei Labrov quanto a necessidade de elaboração de uma agenda de trabalho destinada à renegociação do Tratado de Redução e Limitação das Armas Estratégicas (Start-1) até o final deste ano, quando o acordo deixa de vigorar.
Provavelmente, esta agenda será submetida à aprovação dos presidentes Obama e Medvedev antes do encontro programado para o evento do G-20, mês que vem, em Londres. Entrementes, Moscou não perde qualquer oportunidade para mostrar seus dentes, encorajando, por exemplo, a decisão do Quirguistão de fechar a base norte-americana instalada em Manás, "cabeça de ponte" estratégica dos EUA na Ásia Central, de frente ao Afeganistão. O clima nas relações russo-norte-americanas aparentemente melhorou. Contudo, resta comprovar se as mudanças serão estratégicas e se evoluirão em um New Deal bilateral.
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