Para além do meio caminho da sua vida Ney Teles de Paula decide abrir a leitura de seu Memorial do efêmero – expresso na linguagem lúcida da poesia. Com boa produção no ensaísmo literário e filosófico, o acadêmico vem nos brindar com seu talento poético. Em seu memorial sensível e espontâneo nos mostra a dimensão de um efêmero que não se enraíza como flor do inútil no chão do existir – mesmo sendo pálido reflexo do verbo eterno. Daí toda memória ser parte cantante da alma do mundo.

      Ney Teles de Paula esperou, com humildade e paciência, que o tempo depurasse nele o que o ser humano tem de mais essencial: a dimensão da poesia. Só então nos abriu a leitura de seu memorial de lembranças e nostalgias. Ainda bem que ele não as guardou só para si – pois que pertencem à experiência do humano. Só ele poderia exprimi-las como o fez. Pois se os acontecimentos se repetem, sendo mais ou menos iguais os dramas de memória das cidades, o modo como são traduzidos em poesia é único e irrepetível.

      Era preciso que fossem registrados em verbo poético as vivências e alumbramentos do escritor-jurista. Até porque efêmeras são as coisas que o Homem faz e desfaz ante o panteón da eternidade. Movido por visões do infinito, “vai o peregrino em sua busca/. Contemplar é seu destino. Assim caminha, em viagem incessante. Por mais que tenha o sol do Ser dentro de si/sempre o projeta em solidão distante. Eis como Ney Teles abre seu Memorial do efêmero: “O silêncio dominava a imaginação do menino./Estranho silêncio perseguindo as horas.(…) Havia a busca permanente de isolamento e quietude,/sensível ausência da diatonia do mundo,/ouvidos espreitando o silêncio das coisas/”.

      Eis o menino-místico, nascido em Piracanjuba, Goiás, em solidão sedenta de infinito. Em seu anseio metafísico de abarcar o mundo, tateava “no escuro das origens/com seus braços pequenos e magros/As mãos espalmavam a angústia/e os braços distendiam a esperança/”. Assim foi Ney Teles, desde criança: uma criatura dotada de alma mística. A leitura dos clássicos proporcionava ao jovem o fazer fantásticas viagens na imaginação – inacessíveis aos que, mesmo grandes viajantes, não auscultam as dimensões sutis da realidade: “Aprendeu a conversar com o silêncio/com as plantas e os pássaros/passou a decifrar o murmúrio das águas/e a mensagem ora dolente ou tempestuosa/dos ventos, prenunciando as chuvas/”.

     Os dias vêm e vão, o menino se faz moço, no chão cotidiano em que é preciso competir e afirmar talentos. Sua alma o levava à percepção da solidariedade e fraternura essenciais ao existir humano:”Os dias iam e vinham/as águas continuavam sua viagem/as chuvas lavavam as ruas da cidade/a natureza seguia seu curso/enquanto o menino hauria a força da vida/. Muito cedo a estrela mística surge nas asas da alma mística do poeta: “Docemente inebriado de encantamento/o menino contempla a tarde/o olhar explorando o ensolarado quintal/”, Sendo sabido que aos de olhar sensível os quintais solarengos revelam visões do infinito nas mínimas vidas do arrebalde, e nos cantos de muros das províncias. 

      Palavras de Ney Teles, em seu Memorial do efêmero: “Os insetos, os pássaros/tantas e tantas vozes da natureza/cantando o silêncio das coisas./Silente, a cidade dorme a sua existência/impassível ante aos dramas da memória/”. Sensível ao poder da música, que muito cedo nele ajudou a despertar sua alma mística, o poeta indaga: “De onde vem a magia do som? (…) As palavras, tão limitadas, delimitam, não explicam”.

      O tempo e sua passagem pelas vidas deixa o azinabre do efêmero, em lembranças amáveis ou amargas: “A poeira tem seus matizes desapercebidos/enquanto o vento passeia a sua inconstância./O calor, escorrendo sobre os homens e as coisas/tem algo a ver com o sol que acende a tarde. (…) E o menino, ausente da agressividade ambiente/celebra a música de seu encantamento com o mundo/colhe a manga verde e morde a essência do sonho/como se de repente descobrisse a alegria. Chega em sua hora aberta e inteira este memorial da sensibilidade lúcida e harmonizada com a alma do mundo. Nele vemos o retrato inefável do “menino de outrora/segue ouvindo o silêncio/que continua aturdindo/com sua música eterna/”.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.