Sofistas bancários fracassaram ao tentar distrair STF
Por Marilena Lazzarini e Rodrigo Terra
Por Marilena Lazzarini e Rodrigo Terra, na Folha de S. Paulo.
A mais nova versão dos sofistas reaparece na pele dos bancos. Como os antigos, tentam aproveitar-se de situações críticas e constroem explicações sobre premissas verdadeiras, porém com conclusões falsas. Não se interessam pelo que é justo, mas apenas em vencer a contenda. E por dinheiro, claro.
Para explicar as altas taxas de juros e o elevado “spread”, colocam a culpa nos consumidores inadimplentes. Ninguém nega que haja inadimplência (moderada) do consumidor. Ninguém nega tampouco que isso seja um fator de risco na concessão de crédito. Mas concluem que, por esse motivo, os juros e o “spread” são altos.
No silogismo, deixam de explicar porque os inadimplentes são inadimplentes. Não mencionam as taxas escorchantes que jogam milhares de pessoas no fosso do superendividamento; não dizem que a sonegação sistemática da informação na contratação do crédito por eles praticada, aliada ao despreparo de alguns consumidores, é o fermento da inadimplência.
Também não falam da oferta desabrida de crédito, mesmo que nunca demandado, na forma de cartões e folhetos de empréstimos “pré-aprovados” que chegam às portas das casas.
Em 2001, representados pela Consif (Confederação Nacional do Sistema Financeiro), os bancos quiseram escapar ao CDC (Código de Defesa do Consumidor) na sua relação com o cliente, propondo uma falsa questão ao STF (Supremo Tribunal Federal): uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) reclamava uma lei complementar que regulamentasse o funcionamento do sistema financeiro, pois o CDC é uma lei ordinária.
Mas o código nunca pretendeu reger o funcionamento dos bancos. Tentaram distrair o STF, mas fracassaram. Agora, no início de março, a Consif, querendo escapar da reparação das perdas de poupadores nos planos econômicos, recorreu novamente ao STF por meio de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF nº 165), defendendo a constitucionalidade dos planos econômicos e a aplicação imediata do novo regime monetário.
Uma das conclusões da Consif é que os bancos não teriam que corrigir as cadernetas de poupança pelas regras vigentes até 15 de janeiro de 1989, quando foi decretado o Plano Verão. Duas premissas válidas e uma conclusão falsa. O Plano Verão é constitucional, como os demais planos, e o novo regime econômico impera imediatamente.
Mas esse sofisma quer levar o STF a concluir que o direito existente antes da decretação do plano — a correção da poupança da primeira quinzena do mês pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor) — é nulo. Querem desviar o tribunal do cerne do entendimento pacificado pelo Poder Judiciário de que a lei não pode retroagir.
Desde outubro passado, sabemos que os culpados pela crise econômica global são os especuladores e os gananciosos do sistema financeiro. Sabemos também da gravidade da crise e, ainda que seja injusto, é fato que nenhum governo pode deixar quebrar os bancos de um país. São duas verdades reconhecidas. Mas agora os novos sofistas querem incutir na cabeça do STF outras conclusões falsas.
A Consif quer fazer o STF acreditar que o pagamento das perdas dos planos econômicos abalaria a estabilidade do sistema financeiro, em plena crise econômica. Mas se estima que o ressarcimento mais significativo seria referente ao Plano Verão, que não ultrapassa os R$ 29 bilhões, caso todos os poupadores recorressem à Justiça, o que não ocorreu.
A Consif sabe que o ressarcimento das perdas de todos os planos juntos não abalaria o sistema financeiro, simplesmente porque os bancos no Brasil têm lucros líquidos altíssimos -em 2008, apenas Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Santander/Real e Itaú/Unibanco ganharam R$ 30,9 bilhões.
Ela sabe que as receitas oriundas de elevadas tarifas cobradas do consumidor brasileiro ultrapassam 20% do total arrecadado pelas instituições financeiras, equivalendo a 130% da folha de pagamento das instituições (nos Estados Unidos, é perto de 30%).
Felizmente, o ministro relator Ricardo Lewandowski não caiu vítima do sofisma da ADPF: negou de pronto a liminar, prestigiando os incontáveis precedentes da Justiça e apontando os lucros aviltantes do setor como prova da falta de urgência e risco de abalo ao sistema financeiro.
Certamente, a Suprema Corte saberá separar a apreciação da constitucionalidade dos planos econômicos do direito dos poupadores a receber as perdas a eles impostas. Como, aliás, está consagrado em todas as instâncias do Poder Judiciário.