Marajó busca “um milhão” de amigos
Agora é a vez e a hora das populações tradicionais da maré e da chuva se libertarem, enfim, da ditadura da água que Dalcídio (www.dalcidiojurandir.com.br) desde 1937 em diante e Gallo (ver biografia www.museudomarajo.com.br), a partir de 1972, denunciaram por diferentes modos. O homem marajoara desde o barro dos começos do mundo amazônico esteve cativo da ecologia da chuva e do peixe, tal como Denise Shaan (www.marajoara.com) informa.
iniciação filosófica
No primeiro passo de iniciação da “Viagem Philosophica” (http://catalogos.bn.br/alexandre/ ) o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, na separata “Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó” (1783), relata a teoria da gênese dos lagos, rios e igarapés da ilha segundo ensinou um índio remador pelo curso do rio Arari, explicando-lhe a obra de muitas cobras grandes que existiam nos centros desta ilha enorme e o rigoroso ciclo das chuvas oscilando entre dilúvios no inverno e secas no verão; conversa de índio de acordo com a geologia e arqueologia descritas em linguagem da ciência moderna. Quer dizer, louco é quem desperdiça saber tradicional quando a gente quer inovar em tecnologia apropriada à região…
você será o mais novo “acervo” do museu-universidade das águas
O Museu do Marajó é fiel depositário do tesouro imaterial comum de 1500 anos, achado entre dispersos pescadores na vila Jenipapo, beira do lago Arari. Demanda ancestral dos povos das águas do mar e estuário dos sete mil rios amazônicos, que por velha em desuso sob tacão colonial, caiu no esquecimento. Careceu vir um italiano valente como búfalo, bom de luta marajoara; despertar a gente oprimida pela sequela da guerra civil dita a Cabanagem: www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/rev_norte.html .
A história desta brava gente foi lesada, inclusive como falam os autos da devassa que deu azo à “História do Futuro” do payaçu Antônio Vieira a defender-se da Inquisição. “… eram e são os Maranhões [nota: tupinambás] mui sinalados entre os índios, por serem eles, ou os primeiros inventores da sua náutica, como gente nascida e mais criada na água que na terra, ou certamente porque com sua indústria adiantaram muito a rudeza das embarcações bárbaras […] a principal nação daquela terra, tomando o nome da mesma arte de navegar e das mesmas embarcações em que lá navegavam, se chamam Igaruanas, porque as suas embarcações, que são as canoas, se chamam na sua língua igara, e deste nome igara derivaram a denominação de Igaruanas, como se disséssemos os náuticos, os artífices ou os senhores das naus…”. www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/futuro1.html
Vieira foi o primeiro cronista e defensor da gente despossuida e perdida em meio à nebulosa sebastianista que, pela primeira vez na história do extremo Ocidente ultramarino, mostrou a cara amazônica do gigante Brasil. Na coleção arrumada pelo “ajuntador de cacos” que inventou o museu do fim do mundo para recomeço do futuro desta gente, dentre às mais antigas peças até as mais novas; falta você vir ser amigo desta antiga universidade livre das regiões amazônicas. Una-se a nós no resgate da memória dos povos de campos alagados e florestas de maré, na beira do mar e do rio. Na margem da história e do grande lago Arari.
índios e padres da invenção da Amazônia
Dia 27 agosto do corrente, vai completar-se 350 anos da verdadeira “ruptura” da linha de Tordesilhas na fronteira das ilhas do Grão Pará para, finalmente, ocupar o rio Amazonas em nome de Portugal até adesão do Povo Paraense, Muaná 28 de maio de 1823; à independência do Brasil. Fundamento material político e demográfico do uti possidetis reconhecido pelo Tratado de Madri de 1750, sine qua non, da integração do rio Amazonas ao estado-colônia do Maranhão e Grão Pará, graças à controversa paz dos Nheengaíbas, no rio que é hoje reserva extrativista de Mapuá. Caso por acaso acontecido entre o ladino tuxaua Piié Mapuá à frente de federação de caciques e o grande jesuita e diplomata português, delegado da Coroa para assuntos indígenas, como informa o historiador Serafim Leite, na “História da Companhia de Jesus no Brasil”.
remos e arcos da conquista do Paraíso verde
É certo, todavia, que antes de 1659 bravos arqueiros e remadores tupinambás ultrapassaram as Ilhas para ir ao alto Amazonas em busca da concretude do mito da “Terra sem males”. Debaixo da panacarica, sem saber nada da demanda dos profetas caraíbas; soldados portugueses de façanha; inclusive o capitão Pedro Teixeira em viagem redonda, de Belém a Quito (1637-1639) levando uma flotilha de canoas movidas a 1200 remos tupinambás. Mas, os portugueses e seus aliados não podiam se estabelecer nas ilhas nem atravessar o Rio Pará sem comboios armados.
Nos Furos de Breves, canoas de drogas do sertão eram metidas ao fundo, cargas perdidas, escravos pilhados para venda a inimigos dos portugueses nas Guianas. A guerrilha dos Anajás, Aruãs e outras etnias “nheengaíbas” continuava a luta hereditária contra antropófagos tupinambás e resistiu aos portugueses durante 43 anos, desde o levantamento do forte do Presépio.
Escassez de interesse acadêmico sobre fatos em que índio ou negro é protagonista indica estado de colonização e cegueira mental. Foi assim Vieira entregue à própria sorte e seus protegidos “nheengaíbas” deserdados da garantia do Rei dada ao Padre com promessa de liberdade e respeito a usos e costumes, para afinal expropriar a “Ilha dos Nheengaíbas” transformada em “Ilha Grande de Joanes” doada ao secretário de estado Antônio de Sousa de Macedo, patriarca dos barões de Joanes e sesmeiros até o “Diretório dos Índios”, www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=381&sid=51&tpl=printerview
Plano Marajó e Território da Cidadania
Afinal, depois de três séculos e meio do malfadado e controverso acordo de Mapuá (1659), o arquipélago do Marajó foi considerado pela Presidência da Republica Federativa do Brasil “Território da Cidadania” e plano-piloto dentro do “Plano Amazônia Sustentável (PAS)” sob título especial de “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó”, que estabelece novos paradigmas para o desenvolvimento da Amazônia Brasileira e suas sub-regiões e veio atender a uma demanda da sociedade marajoara, expressa por alguns representantes, após iniciativa dos bispos católicos do Marajó diretamente ao Presidente da República, numa agenda de ações voltadas especialmente à regularização fundiária, combate à malária e implementação de obras de infra-estrutura; além da elaboraração de plano em parceria com a sociedade civil, governo estadual e municípios.
O muito aguardado “Plano Marajó” fixou diretrizes pactuadas em cinco audiências públicas em diferentes cidades (Salvaterra, São Sebastião da Boa Vista, Breves, Afuá e Anajás) além de diversas reuniões em Brasília e Belém; agrupadas em cinco eixos temáticos:
a) ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental;
b) fomento às atividades produtivas sustentáveis;
c) infra-estrutura para o desenvolvimento;
d) inclusão social e cidadania; e
e) relações institucionais e modelo de gestão.
Opus coletiva e observatório da cidadania
Prova da antiguidade da obra coletiva amazônida e da demanda através de gerações, interpretadas no romanceiro de Dalcídio Jurandir e na missão humanitária de Giovanni Gallo na aspiração de um “plano de desenvolvimento” para tirar o povo das margens para o centro da própria história; vem sendo o Museu do Marajó um projeto para todos, não apenas de alguns fiéis da lembrança de seu fundador. Ao mesmo tempo que luta para sobrevier abre as portas à sociedade para ela com a legitimidade da obra secular exercer controle social compartilhado sobre as políticas públicas.
Coube ao bispo da Prelazia do Marajó interpretar os sentimentos dos participantes da elaboração do “Plano Marajó”. Ele escreveu a apresentação oficial:
“O protagonista deste Plano é o homem marajoara. Ele deve ser o sujeito principal do seu próprio desenvolvimento. A sua liberdade irrenunciável ajudada pelo estímulo, sabedoria e acompanhamento dos técnicos deste Plano, fará de si mesmo um ponto de partida insubstituível para a promoção humana e autêntica libertação sem as quais não será possível uma ordem justa e solidária no Arquipélago.
A fragilidade do tecido social marajoara exigirá o respeito, a simpatia e a proximidade dos técnicos em cada uma das etapas de implementação deste Plano a fim de preservar e promover a identidade deste conjunto singularíssimo de ecologia humana que chamamos Marajó. Este Plano não pode ser mais um exemplo de colonialismo atualizado por uma implantação não-participativa do mesmo, mas o início efetivo de um Marajó respeitado na sua liberdade e no direito de forjar seu próprio destino histórico.
Uma das características mais marcantes da elaboração deste Plano desde a apresentação do primeiro esboço do mesmo, foi a sua transparência ética. Qualquer suspeita de corrupção a qualquer nível na realização deste Plano acabaria imediatamente com sua identidade e com a esperança que, adormecida durante séculos, este Plano suscitou no coração do povo.”
Soure-PA, 30 de setembro de 2007
D. José Luiz Azcona Hermoso, OAR
Bispo da Prelazia do Marajó
Dom José Luiz expressou, corretamente, o sentido da esperança adormecida pelos séculos de colonialismo e que a democracia despertou na sociedade. Significa dizer que não basta ouvir o povo em audiências, nem prometer coisas e elaborar planos e projetos ou até mesmo fazer algumas obras. O mais importante é a participação e o diálogo democrático permanente para ver frutificar as diretrizes do pacto federativo, concretizando sonhos comuns e melhorando a vida dos mais necessitados.
o homem e a biosfera
Começou em Muaná, a 8 de outubro de 2003, a discussão sobre a criação da reserva de biosfera do arquipélago do Marajó. Finalmente, a moção foi encampada pelo “Plano Marajó”, em 2007, e no Fórum Social Mundial de 2009 o governo estadual apresentou publicamente a proposta. No mesmo plano foi indicada a APA Marajó como Sítio Ramsar, que estaria sendo estudada para implemento junto a ações de gestão ambiental do referido plano.
A APA Marajó, foi instituída em 5 de outubro de 1989 (Art. 13 da Constituição do Estado do Pará), e o Plano prevê providencias para imediato registro dela no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), assim como sua adequação ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Para tudo isto não continuar no papel como a APA, a participação popular e a cooperação multilateral são muito importantes.
potencial de 500 empresas locais de economia mista
A mudança é difícil, mas possível: já que o poder público municipal patina, a comunidade tem que se auto organizar e partir para cima dos problemas. A formúla já deu resultado em diversas partes: transversalidade das políticas públicas, responsabilidade social de grandes empresas e participação das comunidades locais.
Poderão assim o Baixo Tocantins, Marajó e Salgado interagindo com a Capital produzir extraordinária inovação mediante parceria público-privada para o desenvolvimento sustentável. Somente nas ilhas, mais de 500 comunidades locais estão anciosas para superar problemas e inovar em melhoria de vida. Acostumaram-se a esperar cair do céu ou que um benfeitor apareça… Precisam virar a mesa. O pacto tripartite (governo – empresa – comunidade) deve se espraiar colateralmente e reduzir hierarquias imobilizadora. Claro que são as pessoas humanas que tem que fazer o “milagre”, não são as instituições.
Claro que isto é uma proposição visionária. Sem uma nova visão, continuaremos cegos de tanto ver… São 500 e tantas oportunidades de produção, distribuição e consumo em economia solidária. Aqui uma plataforma descentralizada formada por 16 municípios somando pouco menos de meio milhão de habitantes. Vasta província econômica do tamanho de Portugal, população comparável a do vizinho Suriname, por exemplo. Juntando-se aí filhos do êxodo rural, “invasores” de baixadas e periferias de Belém, Barcarena, Macapá e além fronteira do Oiapoque; serão talvez os marajoaras um total de mais do dobro dos moradores das ilhas. Com seus irmãos do Salgado e do Baixo Tocantins já terão mais de dois milhões de habitantes no conjunto. Sem poder de consumo continuarão pobres, mas se – por acaso – consumirem sem produzir ficaram dependentes como qualquer viciado. O equilíbrio está, portanto, em saber produzir e consumir com equidade.
Dito isto, assim sem receio de parecer mais um quixote ao lado do utópico Dalcídio e do Gallo sonhador (em quanto que dos pragmáticos do trabalho escravo e da devastação da Amazônia poucos falama), para que se não pense que Marajó é uma ilha como outra qualquer. Ela é “ilha” excêntrica, feita de ilhas (microrregiões Arari e Furos de Breves) e faixa de terra-firme (microrregião de Portel), cujo “centro” é Belém do Pará e, às vezes, Macapá.
Cada marajoara tem sua ilha particular, numa clivagem infernal que a divide em mil ilhas, pelo dilacerado espaço de antiga guerra tribal que deram azo à ilhada geografia de Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião do Boa Vista e Soure.
Ou seja, a hora é esta! Chance da criaturada grande do “índio sutil”, conforme genial tirada de Jorge Amado, se unir e tirar o pé da lama. Por isto amigo, convide seu amigo e venha cá conosco agora.