Observador perspicaz da realidade brasileira, o economista João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, participou, no último final de semana, do seminário “Desvendar o Brasil – suas singularidades, contradições e potencialidades”. Na ocasião, ele procurou analisar o país do ponto de vista econômico no contexto atual marcado pela crise do capitalismo.
Ao portal da Fundação Maurício Grabois, ele falou das políticas de enfrentamento da crise, do desmonte do Estado, da falácia envolvendo a suposta relação entre corte de direitos trabalhistas e manutenção do emprego e também da disputa de 2010. Para ele, depois de FHC, “o Estado precisa ser remontado – e está sendo”. E, no que se refere às eleições, Sicsú foi enfático: “temos de disputar ideias e projetos”.

Observador perspicaz da realidade brasileira, o economista João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea, participou, no último final de semana, do seminário “Desvendar o Brasil – suas singularidades, contradições e potencialidades”. Na ocasião, ele procurou analisar o país do ponto de vista econômico no contexto atual marcado pela crise do capitalismo.
Ao portal da Fundação Maurício Grabois, ele falou das políticas de enfrentamento da crise, do desmonte do Estado, da falácia envolvendo a suposta relação entre corte de direitos trabalhistas e manutenção do emprego e também da disputa de 2010. Para ele, depois de FHC, “o Estado precisa ser remontado – e está sendo”. E, no que se refere às eleições, Sicsú foi enfático: “temos de disputar ideias e projetos”.

Por Priscila Lobregatte

Como avalia as medidas que o governo Lula tem tomado contra a crise, como a redução do IPI e o programa para construção de casas populares?

“As medidas são adequadas e o governo está tendo uma postura absolutamente correta em não lançar um programa anticrise porque na verdade a crise tem formas e velocidades diferenciadas ao longo do tempo e as medidas têm de estar adaptadas a essas situações. E é isso que o governo tem feito desde outubro até hoje, com ações que também servem para testar a reação da economia em termos de emprego e renda.

A taxa de juros também segue nessa direção, mas ainda é o ponto mais lento nesse conjunto de ações. Reduzimos 2,5 pontos neste ano, mas este índice, numa taxa que era de mais de 13%, é muito pouco. Agora, isso não quer dizer que as medidas tomadas até o momento sejam suficientes. Provavelmente teremos de aplicar novas ações para acelerar o combate à crise”.

Na reunião do G-20, foi acordada a injeção de US$ 1 trilhão para a economia global, mas não ficou clara uma posição mais enérgica com relação ao setor financeiro. A decisão foi adequada?

“A reunião teve uma direção por representar um conjunto de intenções. Mas a visão geral – apoiada inclusive pelo Brasil – era a de aumentar a regulação do movimento de capitais, particularmente dos paraísos fiscais. Outra medida é a da concessão de recursos para financiar o desenvolvimento dos países emergentes.

Trata-se de um conjunto de intenções necessárias, mas de fato acho que deveriam ter sido mais detalhadas no sentido de impor condicionalidades aos países. O FMI sempre fez isso, no entanto, de uma forma extremamente conservadora. No caso do Brasil, eram impostas medidas como a reforma da previdência, reforma institucional da relação do BC com o governo para de torná-lo autônomo etc.

E o que temos de pensar agora é num conjunto de contrapartidas que levem os países ao desenvolvimento. É importante que se estabeleçam metas sociais com relação aos recursos que serão emprestados, à educação, ao atendimento à saúde e à seguridade social. Seria preciso impor condicionalidades simples, mas de sentido desenvolvimentista. As que já existiram voltavam-se para o desmonte dos Estados e das sociedades”.

Essa questão do desmonte do Estado tem como uma de suas características a redução da máquina pública. E esta é uma das bandeiras da direita. Mas, recentemente um estudo do Ipea demonstrou que a máquina brasileira não está inchada…

“O governo FHC foi o ápice da conformação desse tipo de ideia. Durante sua gestão, o desmonte foi tão significativo que o Estado deixou de ter relação com a sociedade e passou a ter relação apenas com a esfera política, no caso, o Congresso Nacional. O Estado precisa ser remontado – e está sendo, ainda que não de forma linear, já que há momentos de mais intensidade, outros de paralisação.

Mas é um movimento em sentido contrário daquele feito durante os dois mandatos de FHC. Os estudos do Ipea mostram que não temos excesso de máquina, nem mesmo em comparação com outros países. O estudo é fundamental para quebrar esse mito. Mas o que de fato deve ser medido são as nossas necessidades no que diz respeito ao tamanho e à eficiência do Estado relativamente às necessidades sociais, que são enormes.

E o Estado tem é que intensificar a contratação de servidores para promover a saúde, a educação, a seguridade social etc. O que temos de deixar de fazer é gastar dinheiro público com quem não precisa, como acontece no caso do pagamento de juros. O governo gastou nos anos anteriores – exceto no ano passado – 120 bilhões em juros, um despropósito em relação, por exemplo, ao orçamento da educação – em torno de R$ 30 bilhões – e da saúde – cerca de R$ 40 bilhões.

O gasto com serviço público beneficia a sociedade. E enquanto gastamos com juros, estamos beneficiando quem está com suas necessidades totalmente satisfeitas, tanto que sobra dinheiro para investir em papéis do governo e ainda ganhar o bônus dos juros. É preciso reduzir drasticamente a Selic e usar esses recursos para a população em geral”.

Outro mito que procurou derrubar em sua apresentação é sobre a relação entre a retirada dos direitos trabalhistas e a manutenção do emprego…

“Isso é estatístico. Está provado que crescimento gera emprego e está comprovado que o tipo de emprego que cresce mais velozmente durante uma fase de crescimento é o de carteira assinada. Portanto, para o emprego com carteira assinada crescer, não é necessário retirar direitos dos trabalhadores, basta crescer.

Ano passado, geramos milhões de empregos com carteira assinada porque crescemos. Neste ano, perdemos 850 mil empregos formais. Retirar direitos dos trabalhadores não tem relação com o nível de emprego. Países que cortaram direitos, como muitos na Europa, não ficaram imunes ao desemprego, nem à crise.

Precisamos manter os direitos sociais e aumentar a cobertura da seguridade social brasileira. Só consigo ver como crença, como ideologia, essa relação entre nível de emprego e direitos trabalhistas”.

Há algumas propostas sendo defendidas por setores variados que são uma tentativa de se romper com os ditames neoliberais e envolvem a questão do superávit primário, a lei de responsabilidade fiscal, a diferenciação entre empresa pública e estrangeira etc. Como vê esse tipo de medida?

“Medidas estruturantes do Estado e da sociedade brasileira são sempre bem-vindas. Entretanto, acho que a crise está, por necessidades objetivas e imediatas, consumindo nosso tempo com medidas que são extremamente necessárias, mas conjunturais. Estamos mergulhados numa discussão do presente, mas acho que temos de tentar conjugar medidas de combate à crise com a elaboração de um projeto.

A campanha eleitoral está tão adiantada que parece que em 2010 acontecerá apenas o segundo turno (risos). E acho que oposição e governo estão apostando muitas fichas na conjuntura. A oposição aposta no aprofundamento da crise e o governo, na superação dela. Isso é muito pouco. Temos de disputar ideias e projetos. Ou seja, enfrentar a crise, mas participar do processo de 2009 e 2010 com medidas estruturantes.

Gostaria muito que 2010 não fosse uma disputa entre se o desemprego está aumentando, mas uma disputa de projetos. Quero ouvir da oposição o que ela pensa para o país e não somente críticas ao governo. Está na hora de mantermos as medidas de combate à crise associadas a um projeto de país. Isso falta dos dois lados.

Talvez seja de responsabilidade do governo colocar seu projeto na mesa e chamar a oposição para mostrar o seu. Quero saber se a oposição é a favor do desmonte do Estado, de mudar as leis trabalhistas, se é a favor de fazer reforma da Previdência ou não, se vai aprofundar o programa de privatizações de FHC ou não. Essa é a discussão que precisa ser travada”.