Reinventar a esperança
Chegando de um fim de semana em Caldas Novas li, em meu endereço eletrônico, e-mail contendo palavras amáveis de Ignácio Loyola Brandão, um escritor brasileiro dos melhores da atualidade, que respeito como intelectual criador e como ser humano solidário e fraterno em relação a tudo o que vive.
Caríssimo Brasigóis Felício: após décadas retornei à Goiânia. Indo para o hotel, de repente, aqui e ali vislumbrava um trecho mais familiar. E lembrei-me de que anos atrás havia correspondência, havia intercambio, uns iam para um lado, outros vinham a nós, era uma geração unida. Ainda que vocês fossem mais jovens do que João Antonio, Antonio Torres, Roberto Drummond, eu, Raduan. Estava pensando em vocês quando abri O Popular e vi a sua crônica. Curioso como quase todos nós nos transformamos em cronistas. Também sou no O Estado de S. Paulo e gosto, me apaixonei, as reações dos leitores são imediatas. Lendo a sua crônica, A República dos Doutores, claro relembrei Lima Barreto, porém, mais do que isso, lembrei-me de João Antonio que tinha pelo Lima verdadeira veneração, idolatria.
De vez em quando, Torres e eu brincamos, o João se achava a reencarnação do Lima. E de alguma maneira tinha tudo para ser na sua não concessão, na sua irrascibilidade, no seu rancor (Abraçado ao Meu Rancor, lembra-se?), indignação.
Não há mais indignação, o que se vê é apatia, acomodação. O que escreveria hoje o Lima sobre senadores e deputados em sua orgia de Passagens aéreas, nos ministros do STF brigando entre si, o negro Barbosa espezinhado, os ministros dando razão ao Gilmar Mendes, homem execrável com suas liminares aos ladrões de colarinho branco. Estive em Goiânia para falar com professores sobre meu livro infantil O Menino que Vendia Palavras, em que os personagens são um menino, sua professora e seu pai. Nesta idade, virei-me para a infância e puxei coisas, tornando-as literatura. Curioso, a maioria dos professores na platéia era do ensino médio e fundamental, mas havia algumas de Letras. Estavam na segunda fila. Uma delas me emocionou ao lembrar que lendo cadeiras Proibidas me achou completamente louco…
…Estávamos todos loucos naqueles anos 60 com a ditadura, a censura, a saia justa em que vivíamos. Uma hora, falei que nada sei de teoria, deixo as teorias aos teóricos, aos professores de Letras, aos ensaístas. Nós somos criadores, inventamos, copiamos da realidade, fazemos. Os outros nos olham, nos lêem, fazem teses. Uma delas, de olhar doce e suave por trás de uns óculos de enorme armação pareceu desapontada.
Não era minha intenção desapontar professores, principalmente de Letras. Eles são necessários, nos estudam, nos dizem coisas sobre nós mesmos que nem sabemos.Tiram do que escrevemos fatos, símbolos, interpretações que nos assombram às vezes. Sai de Goiânia pensando naquelas duas professoras de rostos tão bonitos, olhares tão calmos, gostosos. Enfim, Brasigóis, aqui vim te abraçar, depois de tantos anos. No momento pesquiso para escrever um perfil em livro de Ruth Cardoso, mulher fantástica. Depois, talvez a continuação de O Menino que Vendia Palavras, tenho uma idéia na cabeça. E aqueles escritores todos de Goiás? Miguel Jorge entre eles! Quem estava na platéia foi o Washington Novaes, caro amigo, e o Gil Perini, que não conhecia, mas me foi indicado por todo mundo.Grande abraço.
Ignácio de Loyola Brandão
Respondi assim às amáveis palavras de Loyola Brandão:
Caro amigo Loyola Brandão: Só hoje, depois de retornar das águas calientes de Caldas Novas (você conhece? Se não, deve fazê-lo, é imperdível) leio seu e-mail. Feliz de saber que você não nos esqueceu. De fato, foi uma sincronicidade eu publicar e você ler a crônica A República dos Doutores, onde vão inquietações do velho pingente Lima Barreto, e também as minhas, e também as que seriam do João Antônio, quem mais reconheceu o talento não devidamente reconhecido do autor do Policarpo Quaresma – também porque você próprio alinha-se à visão de mundo da geração que deu João Antônio, Antonio Torres, Roberto Drummond, Raduan Nassar…
Se estivesse em Goiânia estaria lá, no auditório, para abraçá-lo, conversar com o amigo vivedor da terra em transe que foram os acontecimentos que marcaram a nossa geração. Lembro até hoje que você me disse uma vez, em São Paulo, acho que na Bienal Nestlé, que As estações do pânico, um conto do meu livro A marca de Caim, era um texto que você gostaria de ter escrito. A vida dá muitas voltas, e em estando vivos sempre é possível o reencontro entre os amigos e companheiros de geração – e de uma jornada que nos deu maravilhas e porradas – mas tudo valeu a pena, contribuiu para não termos nossa vida apequenada. Abraço fraterno.
P.S. Conclui-se, do exposto, quando até mesmo de uma pessoa da lucidez de um senador Cristóvao Buarque chegar a propor que se faça um plebiscito para saber se o povo quer o Congresso Nacional funcionando, ou se é melhor que o fechem, para não mergulhar no desespero, necessário se faz reinventar a esperança.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.