O conhecido e poderoso “American Entreprise Institute” decidiu integrar, no âmbito da reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) recentemente realizada em Washington (EUA), uma conferência especial com o tema ''O FMI realmente tem condições de salvar o mundo?'' A intenção seria a busca de uma nova ordem econômica mundial sem a exclusão do capitalismo norte-americano. Nos últimos dias, o noticiário econômico listou uma série de informações interpretadas como sinais de que a crise econômica global ensaia o seu ato final. No Brasil, o setor

O conhecido e poderoso “American Entreprise Institute” decidiu integrar, no âmbito da reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (Bird) recentemente realizada em Washington (EUA), uma conferência especial com o tema ''O FMI realmente tem condições de salvar o mundo?'' A intenção seria a busca de uma nova ordem econômica mundial sem a exclusão do capitalismo norte-americano.

Por Osvaldo Bertolino

Nos últimos dias, o noticiário econômico listou uma série de informações interpretadas como sinais de que a crise econômica global ensaia o seu ato final. No Brasil, o setor automobilístico nos primeiros quatro meses do ano fechou vendendo o mesmo que no primeiro quadrimestre do ano passado. O grupo de agentes do mercado financeiro que o Banco Central (BC) consulta para balizar a política monetária brasileira, por meio do boletim Focus, indica sucessivas melhoras nas projeções de contração do Produto Interno Bruto (PIB) para 2009.

Na China, o pacote de investimentos mostra que a economia tem potencial para segurar o impacto violento da crise. Nos Estados Unidos, as montadoras quebradas anunciam arranjos que podem tirá-las do buraco. As bolsas estão reduzindo as perdas em quase todos os países — abril foi um bom mês na bolsa brasileira, que subiu 15,55%. Na Ásia, terminaram no maior patamar em sete meses na segunda-feira (4). Os preços do petróleo e do ouro também registraram valorização.

São informações ilusórias, que não buscam o fundo das causas da crise. Mary Stassinákis informa, no Monitor Mercantil, que a conferência especial do FMI sobre como “salvar o mundo” teve a intenção de buscar uma nova ordem econômica mundial sem a exclusão do capitalismo norte-americano. O artigo diz que a onipotência dos Estados Unidos pertence ao passado e o Ocidente não se sente bem com isso. “Especialmente quando o peso central da economia mundial está sendo transferido, cada vez mais, para as economias emergentes”, afirma.

Responsabilidade atribuía à China

O próprio FMI constata esse deslocamento da dinâmica da economia mundial. Em entrevista à imprensa chinesa na terça-feira passada (28), o diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, disse que a China deve desempenhar um maior papel na economia global. Kahn afirmou que, considerando a escala da economia, a população e as medidas do governo do gigante asiático, o papel do país na economia mundial corresponde aos interesses de todos. Ele deu boas-vindas a uma maior participação da China na economia global — desatacando que essa configuração significa “maiores responsabilidades” para os chineses.

O incômodo do Ocidente e a responsabilidade atribuída por Kahn à China decorre do choque causado pelo relatório do FMI, intitulado “Global Financial Stability”, com advertências sobre rombos gigantescos dos bancos e previsões de profunda contração da economia mundial, pela primeira vez desde 1945, que provocaram grande desespero. O Fundo destaca que as perdas do sistema bancário internacional se aproximam do astronômico total de US$ 4,1 trilhões, dos quais US$ 2,7 trilhões referem-se aos prejuízos do sistema financeiro norte-americano e US$ 1,19 trilhão ao dos bancos da Europa Ocidental.

Fluxo de desempregados

Todos os cálculos anteriores do FMI sobre prejuízo de bancos estão desatualizados. Em janeiro deste ano, eram calculados em US$ 2,2 trilhões, e em outubro do ano passado previa-se US$ 1,4 trilhão. Diante desses números, parece não haver luz no fim do túnel para o Ocidente. O FMI avalia que a situação é grave no Japão, Grã-Bretanha, Irlanda, Rússia, Turquia e europas Central e Oriental, além dos países bálticos. E prevê que se agravará ainda mais. A zona do euro sofrerá dramática contração, com queda sem precedentes do PIB de 4,2% neste ano, nova queda ano que vem e chocante aumento do desemprego para 10,1% neste ano e 11,5% em 2010.

O FMI pede aos governos da Europa que tomem medidas adicionais e adverte o Banco Central Europeu (BCE) para a importância da redução da taxa de juros. A verdade é que o Fundo pode fazer muito pouco além desse apelo. Os 20 poderosos do planeta, que se encontraram em Londres no dia 2 de abril com o objetivo de tomar medidas coordenadas para enfrentar a crise, prometeram US$ 1,1 trilhão ao FMI. Seria uma medida emergencial — a única, talvez — para estancar o fluxo de desempregados que se alarga na proporção de milhões mês após mês.

FMI murchou os green shoots

O ponto aqui é: de onde viria esse dinheiro? Segundo Mary Stassinákis, os “míseros trocados'' que o FMI dispõe aumentariam de US$ 500 bilhões para US$ 750 bilhões (US$ 40 bilhões da China, US$ 100 da União Européia, US$ 100 do Japão e o restante dos Estados Unidos). Também foi aprovada a concessão de uma verba especial, de US$ 250 bilhões, destinada a linhas de crédito aos países-membros.

O relatório do FMI murchou os green shoots (brotos verdes) — como foi classificado o cenário otimista de uma recuperação econômica iminente que entrou em cartaz nas bolsas de valores. Apesar do crescente desemprego, começaram a emergir indícios de melhoras. O indicador industrial, barômetro para os Estados Unidos e balizador oficial de futura produção industrial, começou a apresentar sinais favoráveis, mesmo que de níveis historicamente baixos. Também melhoram os indicadores empresariais da zona do euro e da Grã-Bretanha.

Recuperação de ''gata morta''

Estes e outros green shoots foram interpretados como uma superação da fase mais crítica da crise. Ledo engano. ''Os green shoots murcharão, perderão o viço'', diz o FMI. “Não haverá recuperação da economia mundial sequer no ano que vem, porque os esforços dos governos para salvarem os bancos e dar um fim à tormenta financeira têm fracassado e não têm aplacado a grave crise'', diz.

Segundo o FMI, se a recuperação for mantida deverá ser anêmica e extremamente lenta, nada comparável às recuperações do passado. Para o famoso economista Nouriel Roubini, a corrida aos mercados de capitais é uma ''reanimação de gata morta''. Ele advertiu sobre a eclosão de novos perigos nos bancos norte-americanos ao prever que os prejuízos do sistema financeiro norte-americano saltarão para até US$ 3,6 trilhões. Tradução: a economia mundial tem muito a caminhar antes de atingir um platô em sua trajetória de recuperação.

Krugman vê situação pior na Europa

Para os países pobres — ou “emergentes”, segundo o jargão do mercado financeiro —, o caminho deve ser mais longo. Segundo o presidente da Associação Econômica da América Latina e Caribe (Lacea), Mauricio Cárdenas, que é também diretor da Iniciativa para a América Latina da organização independente de estudos sobre políticas públicas Brookings Institute, com sede em Washington (EUA), a América Latina, por exemplo, só vai se recuperar depois que a recuperação começar nos Estados Unidos.

Para Cárdenas, o PIB dos Estados Unidos vai terminar 2009 2,5% menor do que o de 2008. O plano Obama, segundo cálculos do economista Paul Krugman, dará para resolver um terço dos problemas, podendo levar o país a afundar-se num processo deflacionário. A situação é pior ainda na Europa. Segundo Krugman, fazendo a proporção dos respectivos PIB os planos da União Européia (UE) e dos países europeus todos juntos não chegam à metade do valor do dos norte-americanos.

FMI ignorou as advertências sobre a crise

O que pode fazer o FMI diante desse cenário? A entidade não tem sequer autoridade para intervir na crise. Lembremos que em uma reunião realizada no mês de setembro de 1998 com os ministros da Fazenda da América Latina e dos Estados Unidos, os dirigentes do Fundo deram o recado claramente ao recomendar que o rumo traçado pelo neoliberalismo deveria ser seguido rigorosamente.

O que estava em jogo era a garantia de ganho rápido, elevado e aparentemente seguro para o capital — apesar das advertências de uma crise mundial de grandes proporções, ignoradas pelo FMI. Ainda em 1998, a revista britânica The Economist, um dos principais porta-vozes do mundo financeiro, admitiu que a economia global poderia estar caminhando para uma grande crise. ''Pela primeira vez desde o início dos anos 80 uma depressão global é um desenlace imaginável, até mesmo plausível'', escreveu a publicação.

Marx como o pensador do futuro

Na mesma ocasião, o então diretor-geral da Unctad (órgão das Nações Unidas para o comércio e desenvolvimento), o brasileiro Rubens Ricupero, em uma reunião internacional com sindicalistas patrocinada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) começou sua intervenção pela leitura do Manifesto do Partido Comunista, que completava 150 anos. No final da leitura, ele declarou: ''O Manifesto é uma descrição muito atual do mundo contemporâneo.''

Outra advertência veio pelo ultraconservador Financial Time, em um artigo intitulado ''O Capital revisitado''. ''Claramente lições devem ser aprendidas (com O Capital)'', escreveu o jornal. O próprio Krugman lembrou na ocasião que ''artigos proclamam que a turbulenta economia mundial de hoje é exatamente o que o grande homem (Karl Marx) previu”. “Um colunista do New Yorker chegou a proclamar Marx como o pensador do futuro'', escreveu.

Mão invisível do mercado financeiro

Krugman disse na ocasião que a crise financeira relacionada à dívida externa do México em 1995 e a crise da Ásia em 1997/1998 eram provavelmente apenas os dois primeiros atos de uma peça em três atos. ''O desastre que afundou o peso argentino em 2001/2002 representou claramente o princípio do terceiro ato — mas ainda não sabemos como se desenrolará o resto da peça'', disse ele.

Ao ignorar essas advertências, o FMI mostrou que está firmemente integrado à geopolítica do Ocidente — a Europa e sua extensão além-mar, os Estados Unidos e seus satélites, segundo definição do historiador Eric Hobsbawm. O Brasil era um dos lugares em que a teoria de uma lógica do mercado financeiro funcionando como mão invisível, impedindo distorções localizadas, mais vicejou. Os ''guardiões da moeda'' da ''era FHC'' garantiam que o fluxo mirabolante de capital não falharia nunca em premiar os países que abrissem suas economias e promovessem ''reformas estruturais''. Deu no que deu.

Deng Xiaoping e seus camaradas

Desde a Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944, os Estados Unidos têm a rédea da economia do Ocidente. O FMI e o Banco Mundial, instituições surgidas na ocasião, sempre foram guiadas por regras que privilegiam os interesses norte-americanos. De outra forma, economias importantes poderiam ter seguido por outro rumo — a exemplo do que fizeram Deng Xiaoping e seyus camaradas na China.

O Brasil conhece bem essa história. Temos experiência suficiente para constatar que o fortalecimento das economias nacionais, integrado a um projeto de efetiva cooperação internacional, é o caminho para sair da crise. Por mais que o FMI tenha mudado, ele ainda é o instrumento para costurar as economias sob a hegemonia dos países centrais. A hora é de fortalecer o clube dos países que prezam sua soberania — sobretudo na América Latina — e nos integrarmos cada vez mais a ele.