Diálogo passageiro
Seu Alberto mudou-se para a cidade. Por que, seu Alberto, deixou a vidinha tranquila da roça? – Indaga o cronista curioso. Na bucha, a resposta: Estava cansado da roça. Não tinha escola para os meninos. Não tinha posto de saúde por perto. E ainda andavam roubando o gadinho, os porcos e até as galinhas do terreiro.
– A coisa na cidade também não anda mole, né?
– De todo jeito urubu é preto. E aqui tem mais diversão.
– E o trabalho?
– Ainda não achei, mas a Rosária está fazendo faxina em algumas casas. Adjutora.
– O amigo não vai tão mal. Afinal está montado num carrão.
– Ah, isto sim, não resisti às facilidades. Prestações pequenininhas. Prazo a perder de vista. Só ainda não pude tirar a carteira. Vou rodando assim mesmo. Aprendi que em caso de abordagem policial é só acenar com uma oncinha ou uma garoupa e o incômodo se resolve.
– Que negócio é este, seu Alberto?
– Ora, uma notinha de cinqüenta ou de cem. Fica mais em conta. Pior é a burocracia dos exames para tirar a carteira.
– E os meninos?
– Eles é que estão aproveitando. O Zezinho anda todo invocado com a turminha lá do bairro. Freqüenta lan rause, chópin dança uma música desengonçada que chama fanque. A Rosarinha que já vai ficando mocinha, freqüenta uns cursos de modelo. Vive de olho nas revistas e quer ser como uma a tal de Gisele Bunxen
Decorridos alguns meses, reencontro seu Alberto pedestre pela Avenida Goiás. Mal me saúda e vai passando perseguindo o vento. Olá, seu Alberto – atalho seus passos: como vai? Andou sumido! Quase incomodado com o cumprimento, pára. É vencido pela gentileza e original educação:
– Tou com muita pressa, camarada. Quase não notei sua presença.
– Mas o que foi, companheiro? – interessa-se o cronista.
– Não é nada não. Uns probleminhas de nada. Estou indo ali para o fórum ver se arranjo um advogado do governo para defender o Zezinho. O moleque foi preso com um magote de colegas.
– Mas isto é coisa de jovem. Uma farrinha?…
– Farrinha não, meu amigo. Estava junto com os outros que mataram um rapaz. Coisa de drogas.
– A esposa e a Rosarinha, Como vão?
– Olha, desgraça pouca é bobagem. A rosarinha envolveu com certo agente de modelos. Anoiteceu não amanheceu. Com os desgostos, a velha desesperou. Pegou a ir a uns cultos de uma igreja perto de casa. Andava pelas ruas pregando a salvação das almas e o fim do mundo. Está internada num sanatório lá para o lado da vila Redenção. Já vai pra mais de mês.
– Coragem meu amigo, com calma se resolvem esses aborrecimentos.
– Sei não. Não vejo porta de saída. Um povo aí está me chamando para participar de um tal de MST. Me dão cesta básica e me incluem na reforma agrária. É seguro que vou ter outro pedacinho de chão. Enquanto isso vou para um acampamento de sem terra. Dizem que lá o sustento é garantido. Basta seguir os preceitos do movimento, participar das passeatas e ocupações. Depois volto para ver se encontro os meninos e a minha Rosária. Desculpa, amigo, minha pressa. Mas já está passando da hora de encontrar o tal advogado do governo. Até mais ver!
– Até mais! – Arremata, circunspecto, o cronista.