Certa feita o Afraninho estava dormindo debaixo de um pé de café. O dia já ia alto, sol a pino, quente, moroso. Uma mosca teimava em zumbir próximo do ouvido de nosso caipirinha. O Afraninho acordou com um olho só; coisa que aprendeu com o Elomar do Rio Gavião. Assim, meio acordado, meio dormido, bateu com as folhas de mamonas que trazia sob a cabeça na dita cuja da mosca. Lá ao longe, ouvia-se um aboiar de vaqueiro, levando o gado para o curral, para adiantar o trato na ordenha da manhã seguinte. Um nhambu chororó piava ao longe; um sabiá laranjeira, ensaiava umas corridinhas sob o grande jequitibá, caçando insetos. O Afraninho levantou-se a contragosto. Pegou a moringa com energia. Derramou a água gelada na nuca e na cabeça, esfregou os olhos. Olhou para a moita de fedegoso, onde havia deixado a matula. Apanhou a enxada no chão, levando-a ao ombro. Pegou a matula e a amarrou no cabo da enxada.

      – Vou pra casa, pensou. E começou a caminhar no trilho que dava para o carreador que levava pra a casa da colônia.

      Ao passar sobre o córrego, deu vontade de pescar. Lembrou-se da moita de gabiroba, onde escondera suas varinhas de pescar. Efetivamente encontrou-as. Com a enxada, escavou sob um pinheiro bravo e encontrou minhocas em profusão. Encheu o calderãozinho (onde levara a comida) com elas. Foi até um remanso, numa curva do córrego, onde havia uma aragem fresca. Sentou-se no barranco, iscou o anzol. Um mandi beliscou a isca, em seguida correu a linha. Afraninho puxou com força, o bambu jardim dobrou até o cabo. O mandi apareceu reluzente, dourado como o sol. Iscou novamente, esperou,  esperou, nada!

      Nisso, um galeguinho que passava por ali, sentou-se ao seu lado e ficou admirando o mandi; depois ficou observando o Afraninho. Ele preocupado; e nenhum beliscão, nada. Trocou a isca uma, duas, três, vinte vezes e nada. E o galeguinho ali, olhando!

      Lembrou-se de que tinha uma vara reserva. Ofereceu-a ao galeguinho, ele negou-se a pescar. Mais três horas ali, trocando a isca, trocando a isca, centenas de vezes e nada. Mais uma vez contemplou o galeguinho, que o obsevava sem tirar o olho. Mais uma vez ofereceu uma vara ao menino; mais uma vez ele negou-se a pescar.: só queria ficar ali, olhando.

      Lá pelo cair da tarde, quase no lusco-fusco, o Afraninho não se conteve:

      – Galeguim, pruquê cocê num qué pescá? Fica aí me oiano faiz mais de quatro hora e num qué pescá ! Num te intendo!

      Ao que o galeguinho respondeu:

      – É qui num tenho paciência feito o sinhô!

 Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.