Recolhendo memórias
Toda cidade tem seu Jeremias clamando pelas coisas da cultura. Muitas vezes vistos como exóticos e quixotescos vão inventariando documentos, lugares, nomes, fatos, lembranças. Acreditam poder salvar da voragem do progresso os sinais da vida passada. Percorrem os caminhos da memória para compreender o flagrante e os momentos ainda futuros. Falo de Martiniano José da Silva em Mineiros; Ático Vilas Boas em Macaúbas; José Mendonça Teles em Goiânia e na fronteira Jataí Rio Verde, Filadelfo Borges de Lima. Os nomes são apenas indiciários. Em toda comunidade há um Jeremias. As pessoas que lidam com a cultura em Goiás conhecem Filadelfo. Missivista, cronista, animador cultural. É o Jeremias que lamenta o esvair-se das tradições, das lembranças do sudoeste, principalmente de Rio Verde. Nas últimas décadas mudaram a paisagem, o modo de vida, as relações do homem com a natureza. Novas formas de produção reviram o solo, subsolo, as vidas, incluindo o ermo no cenário econômico globalizado. Culturas de exportação: soja, milho, sorgo, cana. Indústrias amparadas no fácil acesso às matérias primas, incentivos oficiais, mão de obra barata, parca regulamentação ambiental e um vazio de consciência cultural mostram a face sorridente da prosperidade. Os capitais migrantes em busca de sua multiplicação, os empresários forâneos alimentam uma visão quantitativa do progresso. Por trás de cifras, tratores e chaminés o custo irreparável da destruição ambiental, a ser pago hoje e amanhã por esta e pelas futuras gerações. Na euforia do agro negócio é cada vez mais difícil falar em preservação, seja do meio ambiente ou do patrimônio cultural. Sem consciência de sua história as pessoas vão se sentindo estrangeiras em sua terra. As tradições que dão notícia da ocupação pioneira, das vidas que construíram o município e a cidade, suas sensibilidades e representações correm risco de desaparecer. Rio Verde como Jataí, Mineiros, Santa Helena e outros municípios da região passam por este momento crítico. Não se pode deter o progresso, ainda que no modelo predador que conhecemos. Mas é preciso salvar alguma coisa. Daí a importância de pessoas de sensibilidade e iniciativa, de organizações comunitárias que exijam que as riquezas geradas na região invistam no patrimônio cultural, na história, nas artes e nos artistas locais. Museus, arquivos, tombamento de bens e incentivo às produções culturais e educação constroem um endereço de origem e um caminho, contribuem para o desenho e construção das identidades. Rio Verde desperta para esta realidade. No último dia 10 fundou-se o Instituto Histórico e Geográfico de Rio Verde. Ali estive com companheiros do IHGG. A iniciativa foi de Filadelfo Borges de Lima, com o apoio das autoridades municipais e de lideranças da comunidade. Encorajam-se as esperanças. Posso dizer que em Rio Verde Jeremias já não clama sozinho no deserto. Sua voz virou um coral em defesa de sua cultura e de suas tradições.