Uma grande crise do capitalismo, como a atual, não é suficiente para pôr as ideias socialistas em trajetória de ascenso. “Em temos de correlação de força, não alcançamos uma fase ofensiva no sentido transformador — uma ofensiva revolucionária. Ainda prevalece um quadro de defensiva”, alertou o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, neste domingo (21), no Seminário Internacional sobre a Crise Mundial.

Uma grande crise do capitalismo, como a atual, não é suficiente para pôr as ideias socialistas em trajetória de ascenso. “Em temos de correlação de força, não alcançamos uma fase ofensiva no sentido transformador — uma ofensiva revolucionária. Ainda prevalece um quadro de defensiva”, alertou o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, neste domingo (21), no Seminário Internacional sobre a Crise Mundial.

Sua opinião foi compartilhada por Roberto Amaral, Roberto Amaral, vice-presidente do PSB. Segundo ele, “não estão dadas as condições objetivas — nem as subjetivas, que podemos até criar — para a construção de uma alternativa socialista a médio prazo”. Os dois dirigentes intervieram na mesa de debate “Crise e Alternativas Socialistas”, que encerrou o seminário promovido, desde sábado (20), por PT, PCdoB, Fundação Maurício Grabois, Fundação Perseu Abramo e Ipes/Corint.

As feições

Ao expor as opiniões do PCdoB sobre a crise, Renato Rabelo sublinhou que o mundo passa por uma transição — que, como qualquer outra do gênero, não é nem pacífica nem democrática. “Quem tem a hegemonia não abre mão dela. Essa tendência transitória cria instabilidades e conflitos.”

Trata-se, no entanto, de um cenário de complexidade mais singular. O sistema capitalista está vivendo, diz Renato, “a terceira grande crise de sua história — uma crise global, profunda e gravíssima, de caráter estrutural e sistêmico”. No contexto da luta de ideias, as propostas socialistas estão em solo mais fecundo do que estavam, por exemplo, durante e logo após a queda do Muro de Berlim e do modelo soviético.

“A luta, no início da década de 1990, era para defender as ideias e a identidade revolucionárias. Já numa situação como a de hoje, podemos ganhar forças na luta política e ideológica”, afirma Renato. “As possibilidades de abrir caminho para alternativas socialistas existem — mas não quer dizer que elas vão se impor de imediato.”

Polos dinâmicos e contra-hegemônicos surgem na periferia do capitalismo, com destaque para a América Latina. O declínio americano vai-se mostrando progressivo e gradual. “O problema é que não temos à vista o surgimento de uma potência que possa desbancar a hegemonia unipolar dos Estados Unidos”, declara o presidente do PCdoB, expondo as implicações da “desfavorável correlação de forças”.

Por um projeto de nação

No caso do Brasil, Renato avalia que “o desafio histórico é partir para a construção da nação”. O país, na visão do PCdoB, já teve duas importantes “conquistas civilizacionais”: 1) a formação de um povo uno, que fala a mesma língua ao longo de seu extenso território; 2) a superação do modelo agroexportador, a partir da Revolução de 30, que passou a projetar o Brasil no capitalismo.

“É preciso dar agora o terceiro grande passo civilizacional”, afirma Renato Rabelo. “Isso não possível nos marcos do capitalismo. Sem a perspectiva socialista, aprofundar a democracia é conseguir, no máximo, vitórias parciais num cenário de poder contraditório.”

Renato explica que o projeto nacional-desenvolvimentista foi abandonado pelo Brasil nos anos 80 e 90, marcados pelo neoliberalismo, pela estagnação e pela decadência do país. As duas eleições do presidente Luiz Inácio Lula da Silva alteraram o ciclo político, mas o Brasil tem de avançar mais.

Novo pacto

Para o presidente do PCdoB, “o caminho para definir e concretizar um novo projeto nacional de desenvolvimento requer a conquista da hegemonia política pelas forças interessadas nessa transição. É necessária uma aliança ampla, um novo pacto político, tendo por centro os trabalhadores e as camadas médias, agregando também empresários comprometidos com o desenvolvimento nacional”.

De acordo com Renato, o projeto a ser encampado deve combater o imperialismo, o latifúndio e a oligarquia financeira. Seus fundamentos programáticos são a luta pela soberania e defesa da nação, o avanço democrático, a justiça social e a integração da América do Sul. O Brasil, nessa via para a transição ao socialismo, de vê superar limitações históricas, como sua condição de “nação subjugada e periférica”, com “Estado de raiz conservadora” e “economia dependente de desenvolvimento médio”.

A curto prazo, o PCdoB enfatiza a urgência de um planejamento estratégico do desenvolvimento econômico, com conteúdo de robusto investimento público e forte papel do Estado. Seis reformas — política, urbana, agrária, tributária, da educação e da mídia — são igualmente estratégicas.

Fortalecimento do capitalismo?

Já o discurso de Roberto Amaral deu menos ênfase a propostas ou diagnósticos, mirando-se mais em previsões — invariavelmente desalentadoras. “Estou convencido de que, finda essa crise, o capitalismo reaparecerá fortalecido, como tem saído fortalecido de todas as crises. É inevitável? Não. Mas será se continuamos a procurar saídas dentro do capitalismo”, disparou o vice-presidente do PSB.

A força da hegemonia americana e a continuidade do modo de produção em escala mundial são a base da argumentação de Amaral. “Os Estados Unidos sairão da crise como maior potência militar, técnico-científica e econômica — não há país se contrapondo e se fortalecendo tanto. Temos de nos preparar para viver por mais muitos anos no enfrentamento do imperialismo”.

Sobre os efeitos mais dilaceradores da crise, o dirigente descarta a hipótese de 3ª Guerra Mundial — “por falta de atores”. Mas arrisca-se a prever “guerras localizadas” e até “alternativas totalitárias”. Embora qualifique o capitalismo como “incurável” — “porque é fundamental aético e imoral” —, Amaral lamenta a “inflexão da força revolucionária no mundo”. Segundo ele, “os tradicionais partidos socialistas transitam para partidos da socialdemocracia atrasada”.

Trabalhadores sob risco

Grave também, segundo Amaral, é a perspectiva para o mundo do trabalho. Ele aponta que, com a crise da produção industrial em todo o mundo, “há uma tendência mundial ao desemprego e ao enfraquecimento do proletariado. O Lula mesmo já disse que em tempos de crise cabe aos sindicalistas defender seus postos de trabalho. É o afastamento da linha política”.

Para o vice-presidente do PSB, o enfrentamento à crise enfrenta uma resistência peculiar no Brasil. “Diferentemente da tradição hispânica, os brasileiros têm horror à ruptura, à revolução. (Getúlio) Vargas entrou na Revolução de 30 aos tapas, aos empurrões — queria ser reconhecido como presidente eleito”. Amaral agrega ainda que as proclamações da independência e da República no país foram negociadas pela classe dominante.

Ao mesmo tempo, o líder do PSB crê que a reeleição de Lula, em 2006, foi “a mais espetacular manifestação popular desse país” e insere o pleito no quadro de mudanças na América Latina. “As novas lideranças são originárias — são índios, camponeses, criolos. Não são representantes da burguesia, não são ocidentais”, destaca Amaral. “Por isso é que não podemos chamar isso de ‘populismo’, como fez a direita brasileira.”

A eleição presidencial de 2010 é um novo teste para o povo do país mais populoso desse continente. Na opinião de Roberto Amaral, “a correlação de forças é desfavorável à esquerda brasileira”. Mas existe a “liderança extraordinária e anormal do presidente Lula — uma liderança maior que a de todos os partidos que compõem a base do governo”. E existe um histórico: “Da última vez — mesmo contra toda a crise, a mídia, as federações da indústria e do comércio —, o povo brasileiro identificou o nosso lado e fez o pacto conosco. Caberá saber se teremos competência para conservar essa aliança.”

De São Paulo,
André Cintra