As medidas da reforma regulatória do sistema financeiro, recentemente anunciadas pelo presidente americano Barack Obama, “são parciais e superficiais e não confrontam a profundidade da crise”, afirma em entrevista à Fundação Maurício Grabois o cientista político Luís Fernandes. Possíveis mudanças no governo Obama e o papel do Brasil diante da crise foram outros temas abordados pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

As medidas da reforma regulatória do sistema financeiro, recentemente anunciadas pelo presidente americano Barack Obama, “são parciais e superficiais e não confrontam a profundidade da crise”, afirma em entrevista à Fundação Maurício Grabois o cientista político Luís Fernandes. Possíveis mudanças no governo Obama e o papel do Brasil diante da crise foram outros temas abordados pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A reforma anunciada na quarta-feira (17), que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, propõe que o Federal Reserve (Fed) tenha novas competências e responsabilidades para regular as companhias bancárias e outras grandes firmas. Um conselho de autoridades reguladoras, que inclui o Fed e será presidido pelo secretário do Tesouro, também foi proposto.

Segundo Fernandes, a crise emerge especialmente dos circuitos financeiros que se seguiram tanto à ruptura dos acordos monetários de Bretton Woods — por parte dos Estados Unidos —, quanto à política de liberalização financeira deflagrada com força a partir dos anos 70 e intensificada nos anos 80, 90, inclusive durante o governo de Bill Clinton.

“Diante desta política mais estruturante de dólar flexível, sugando poupança mundial e eliminação ou restrição dos controles sobre fluxos de capitais, nada do que é anunciado como medida regulatória repõe o grau de controle existente antes”, portanto, “não confronta a crise atual na sua manifestação principal que é essa especulação que passou a reinar no sistema financeiro internacional”, analisa ele que foi entrevistado durante o Seminário Internacional Sobre a Crise Mundial, encerrado neste domingo (21).

Sobre os impactos da crise, Fernandes afirma que “não se sabe exatamente quais serão seus enlaces e desdobramentos, mas o certo é que ela enfraquece ainda mais a hegemonia dos Estados Unidos no mundo, porém, num contexto em que ainda não há outra hegemonia em construção capaz de substituir a liderança global que os EUA exercem hoje”.

Obama e a hegemonia dos EUA

O governo Obama está diante de um impasse. “Por um lado, foi eleito com um discurso de recuo em relação à agressividade da política externa do governo Bush — um isolamento sem precedentes dos EUA no mundo —, por outro, o espectro de forças econômicas e políticas que respalda a sua eleição não deixa muita margem de manobra para que ele retroceda de maneira significativa dessas dimensões”, sintetiza. Há também o fracasso das invasões ao Iraque e ao Afeganistão — onde os EUA se envolveram num atoleiro sem conseguir resolver de fato a situação e assumir controle territorial destes países.

Ao mesmo tempo existe crescente relutância de diversas regiões do mundo à aceitação passiva da hegemonia americana nas instituições internacionais e uma emergência de novos pólos de poder econômico e político que passam a apresentar novos desafios para os Estados Unidos. Segundo Fernandes, o “cenário é de desdobramento inserto marcado por um equilíbrio delicado”.

O professor prevê que a tendência é que a mudança fique mesmo só no discurso. “Diante do fracasso da retomada dessa agenda de hegemonia, Obama tenderá a conduzir ações crescentemente unilaterais na seqüência da multiplicação de obstáculos a sua agenda externa”, arrisca.

O que Obama quer com Lula

Qual foi mesmo as intenções de Barack Obama com a célebre frase “Lula é o cara?”. “Há uma interpretação generosa e outra, talvez, mais maliciosa dessa declaração. Eu acho que a realidade é uma mistura dos dois”, responde Fernandes.

A generosa é o reconhecimento do novo papel jogado pelo Brasil no cenário internacional. “De fato, o Brasil se projetou e é um ator muito mais importante do que ele era há dez, cinco anos atrás, tendo em vista que o governo Lula se tornou uma referência positiva.” Além de ser uma figura de um grande país em desenvolvimento, “Lula representa um governo sobre hegemonia da esquerda, mas que tem uma política, eu diria, mais adequada a atual correlação de forças no mundo”, afirma.

“A interpretação mais maliciosa é que ele também tem interesse em conter outras expressões dessa guinada à esquerda que a América Latina viveu na última década. Em particular, buscar o isolamento, sobretudo, do governo Chávez na Venezela. Então enaltecer o governo Lula é também para constituí-lo como referência mais legítima de representação da vontade da América Latina em relação a outros interlocutores que tem uma posição mais conflituosa com as dos Estados Unidos.”

Para Fernandes, a integração do continente latinoamericano tornará a região um ator muito mais poderoso e influente no cenário internacional e nos rumos do desenho do mundo nesse século 20. “Abarca uma agenda estratégica e crítica de integração regional, diante do cenário de equilíbrio delicado — fruto da decadência da hegemonia americana — é uma dimensão muito importante do desenvolvimento nacional”, finaliza.

De São Paulo,
Por Carla Santos