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    Comunicação

    A confissão de um vagabundo

    Nem todos sabem cantar, Não é dado a todos ser maçã Para cair aos pés dos outros. Esta é a maior confissão Que jamais fez um vagabundo.  Não é à toa que eu ando despenteado, Cabeça como lâmpada de querosene sobre os ombros. Me agrada iluminar na escuridão O outono sem folhas de vossas almas, […]

    POR: Sierguéi Iessiênin

    4 min de leitura

    Nem todos sabem cantar,
    Não é dado a todos ser maçã
    Para cair aos pés dos outros.

    Esta é a maior confissão
    Que jamais fez um vagabundo.

     Não é à toa que eu ando despenteado,
    Cabeça como lâmpada de querosene sobre os ombros.
    Me agrada iluminar na escuridão
    O outono sem folhas de vossas almas,
    Me agrada, quando as pedras nos insultos
    Voam sobre mim, granizo vomitado pelo vento.
    Então, limito-me a apertar mais com as mãos
    A bolha oscilante dos cabelos.

     Como eu me lembro bem então
    Do lago cheio de erva e do som rouco do amieiro,
    E que nalgum lugar vivem meu pai e minha mãe,
    Que pouco se importam com meus versos,
    Que me amam como a um campo, como a um corpo,
    Eles, com seus forcados, viriam aferrar-vos
    A cada injúria lançada contra mim.

     Pobres, pobres camponeses,
    Por certo, estão velhos e feios,
    E ainda temem a Deus e aos espíritos do pântano.
    Ah, se pudessem compreender
    Que o seu filho é, em toda a Rússia,
    O melhor poeta!
    Seus corações não temiam por ele
    Quando molhava os pés nos charcos outonais?
    Agora ele anda de cartola
    E sapatos de verniz.

     Mas sobrevive nele o antigo fogo
    De aldeão travesso.
    A cada vaca, no letreiro dos açougues,
    Ele saúda à distância.
    E quando cruza com um coche numa praça,
    Lembrando o odor de esterco dos campos nativos,
    Lhe dá vontade de suster o rabo dos cavalos
    Como a cauda de um vestido de noiva.

    Amo a terra.
    Amo demais minha terra!
    Embora a entristeça o mofo dos salgueiros,
    Me agradam os focinhos sujos dos porcos
    E, no silêncio das noites, a voz alta dos sapos.
    Fico doente de ternura com as recordações da infância.
    Sonho com a névoa e a umidade das tardes de abril,
    Quando o nosso bordo se acocorava
    Para aquecer os ossos no ocaso.
    Ah, quantos ovos dos ninhos das gralhas,
    Trepando nos seus galhos, não roubei!
    Será ainda o mesmo, com a copa verde?
    Sua casca será rija como antes?

    E tu, meu caro
    E fiel cachorro malhado?!
    A velhice te fez cego e resmungão.
    Cauda caída, vagueias no quintal,
    Teu faro não distingue o estábulo da casa.
    Como recordo as nossas travessuras,
    Quando eu furtava o pão de minha mãe
    E o mordíamos, um de cada vez,
    Sem nojo um do outro.

    Sou sempre o mesmo.
    Meu coração é sempre o mesmo.
    Com as centáureas no trigo, florem no rosto os olhos.
    Estendendo as esteiras douradas de meus versos
    Quero falar-vos com ternura.

    Boa noite!
    Boa noite a todos!
    Terminou de soar na relva a foice do crepúsculo…
    Eu sinto hoje uma vontade louca
    De mijar, da janela, para a lua.

    Luz azul, luz tão azul!
    Com tanto azul, até morrer é zero.
    Que importa que eu tenha ar de um cínico
    Que pendurou uma lanterna no traseiro!
    Velho, bravo Pégaso exausto,
    De que me serve o teu trote delicado?
    Eu vim, um mestre rigoroso,
    Para cantar e celebrar os ratos.
    Minha cabeça, como agosto,
    Verte o vinho espumante dos cabelos.

     Eu quero ser a vela amarela
    Rumo ao país para o qual navegamos.

    1920

    (Tradução de Augusto de Campos)

    Poesia russa moderna – Nova antologia
    Traduções de Augusto e Haroldo de Campos
    Com a revisão ou colaboração de Boris Schnaiderman
    Editora Brasiliense – edição 1985

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