Seminário “O papel da cultura no novo projeto nacional de desenvolvimento”
Intervenção de Adalberto Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois em 14 de agosto de 2009 Rio de Janeiro-RJ
Este é o terceiro seminário sobre cultura de iniciativa da Fundação Maurício Grabois. O primeiro, realizado em novembro de 2003 em São Paulo, teve como foco a cultura enquanto pilastra da identidade nacional. O segundo, realizado em Brasília em 2006, teve como tema as políticas públicas para o setor cultural. Esses dois eventos foram realizados pelo Instituto Maurício Grabois, instituição da qual a Fundação Maurício Grabois é sucedânea. Este terceiro seminário irá enfrentar uma temática mais abrangente: o lugar e o papel
Intervenção de Adalberto Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois em 14 de agosto de 2009 Rio de Janeiro-RJ
Este é o terceiro seminário sobre cultura de iniciativa da Fundação Maurício Grabois. O primeiro, realizado em novembro de 2003 em São Paulo, teve como foco a cultura enquanto pilastra da identidade nacional. O segundo, realizado em Brasília em 2006, teve como tema as políticas públicas para o setor cultural. Esses dois eventos foram realizados pelo Instituto Maurício Grabois, instituição da qual a Fundação Maurício Grabois é sucedânea.
Este terceiro seminário irá enfrentar uma temática mais abrangente: o lugar e o papel da cultura no novo projeto nacional de desenvolvimento. Este evento integra a agenda do 12º Congresso do Partido Comunista do Brasil, já em andamento, cuja plenária final se realizará no mês de novembro em São Paulo. O debate mais importante do Congresso está relacionado à elaboração de um novo programa para o Brasil. O texto programático ora em debate aponta a luta pela realização de um novo projeto nacional de desenvolvimento como o caminho brasileiro para o socialismo.
Ao nosso ver, a cultura participa da construção desse projeto nacional em várias dimensões. Convém destacar duas delas. Em primeiro lugar, a cultura é parcela cada vez mais importante da produção de bens econômicos. A chamada “economia da cultura” participa de modo crescente do PIB mundial e brasileiro. Além disso, a cultura é uma das condições para a própria existência da nação. Ela, como já foi dito, é um dos elementos constituintes da identidade nacional, manifestação singular do modo de ser dos brasileiros e condição determinante para que tenhamos como povo uma consciência social crítica, construtiva, criativa e assimiladora.
Nosso pensamento sobre a questão cultural tem afinidade com a elaboração da UNESCO que, desde sua Conferência Mundial sobre Políticas Culturais, ocorrida no México em 1982, propôs “a adoção de abordagens políticas que enfatizassem um conceito amplo, antropológico, de cultura, que incluam não apenas as artes e as letras, mas também os modos de vida, os direitos humanos, os costumes e as crenças”. Isso inclui a memória, os conjuntos e peças de nosso patrimônio material e imaterial e as representações diversas construídas no âmbito do artesanato, da música, da literatura, da dança, do teatro, da arquitetura, do vestuário, das artes visuais e audiovisuais.
Se se constitui hoje na forma de um ramo da economia como qualquer outro, a cultura possui, contudo, particularidades que impedem de tratá-la da mesma forma que os demais ramos da produção econômica. Ao contrário do que ocorre com produtos como roupas, eletrodomésticos e automóveis, o consumo do produto cultural é ato de forte significado político. Exemplo explícito disso temos hoje no papel destacado da comunicação e da cultura de massa, que veicula e comercializa cotidianamente estilos de vida e modos de ver o mundo, consolidando muitas vezes os hábitos da classe dominante como as únicas alternativas possíveis.
Hoje, as elites globalizadas neoliberais usam os meios de comunicação e outros instrumentos ideológicos para condicionar mentes, promover a cizânia e espalhar a falta de perspectivas. Defendem a reorganização da política com base no espontaneísmo e na fragmentação de interesses. Semeiam o irracionalismo, o individualismo, o pragmatismo e o consumismo. Usam a cultura para justificar a mercantilização de todas as dimensões da vida.
Para nós, um país marcado por uma cultura diversa e complexa como o Brasil não pode rebaixar-se à condição de mero consumidor de expressões culturais impostas por potências estrangeiras através de suas megacorporações de entretenimento.
A mercantilização cada vez maior da cultura atende não apenas ao objetivo de maximizar lucros e fortalecer o consumismo. Busca-se também desconstruir os valores relacionados à idéia de nação, considerados obsoletos, ultrapassados. Na verdade, o conceito de Nação está ligado a valores como identidade nacional, soberania nacional e projeto nacional, contrários aos da globalização neoliberal.
O que deseja esse pensamento em última instância é deslegitimar a importância do Estado Nacional, enfraquecendo aquele que é hoje um dos principais contrapesos à dominação planetária do grande capital. O enfraquecimento da cultura nacional corrói o Estado e sua capacidade de defender autonomamente os valores e interesses do país.
A questão da cultura e da identidade nacional se entrelaça intimamente com aquilo que o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães caracterizou como “vulnerabilidade ideológica” da sociedade brasileira. Manifesta na forma de uma “consciência colonizada”, essa vulnerabilidade está na base de uma atitude política e ideológica servil, que vê como inevitável o fracasso do Brasil como nação.
A vulnerabilidade ideológica do Brasil possui estreita relação com a hegemonia cultural estrangeira – em especial norte-americana – em nossa sociedade, exercida em especial (mas não apenas) através do produto audiovisual. Sujeito à hegemonia cultural estrangeira, o imaginário nacional acaba se realizando de forma hesitante e fragmentária, e passa a refletir interesses alienígenas.
Sem concessões a um nacionalismo xenófobo, é necessário fortalecer a identidade brasileira. A construção da identidade nacional não se contrapõe à afirmação da diversidade cultural brasileira e tampouco ao diálogo com outras culturas. Contrapõe-se, isto sim, à hegemonia cultural estrangeira em nosso próprio território.
Cabe ao campo patriótico, democrático e popular, a tarefa de criar mecanismos que ampliem o acesso de todos – artistas, intelectuais, políticos ou simples cidadãos – à enorme diversidade de manifestações culturais brasileiras e de todas as sociedades que constituem a diversidade cultural planetária e contribuam para enriquecer a nossa própria identidade. É necessário ampliar os mecanismos de estímulo à criação artística, com a democratização e abertura dos canais por meio dos quais possamos ampliar o universo simbólico de nossa gente em diálogo incessante com as demais culturas do mundo.
Para dar conta desses objetivos, serão necessárias mais e melhores políticas públicas de cultura. Políticas públicas comprometidas com o resgate da auto-estima do nosso povo, com o rompimento do apartheid cultural vigente e com a afirmação da imagem do Brasil perante as demais nações do globo.
Embora seja questão de grande relevância, durante muito tempo a questão cultural não recebeu em nosso país um tratamento à altura de sua importância.
Nos tempos neoliberais, de triste memória, promoveu-se a mercantilização indiscriminada da vida cultural, processo que deitou efeitos trágicos sobre a identidade cultural brasileira. O resultado disso foi o enfraquecimento da idéia de nação e o reforço da ideologia globalizante neoliberal.
Sob o Governo Lula, o Estado brasileiro vem retomando seu papel indutor e regulador da produção e difusão cultural, promovendo políticas de fomento, financiamento e circulação dos bens culturais.
Vem se perseguindo, desde a gestão do ministro Gilberto Gil, e, também,agora, na gestão do ministro Juca Ferreira,o objetivo de fazer da cultura, de fato, um direito básico do cidadão. Uma parte dinâmica do projeto nacional.
No entanto, como em outras áreas, a mobilização dos setores envolvidos é fundamental para que mudanças significativas ocorram de fato. Os comunistas sabem disso, e por isso emprestam grande atenção à atuação dos movimentos culturais em nosso país.
Sob nossa ótica, a cultura brasileira tem um forte sentido de resistência. Por isso, a construção de um amplo movimento em defesa da cultura brasileira – que estimule a democratização dos bens culturais, repense o papel do Estado na área e combata a imposição cultural norte-americana – é iniciativa de fundamental importância para a soberania e o desenvolvimento de nosso país. Está em nossas mãos a tarefa de construir esse amplo movimento, o qual pode jogar papel decisivo na construção de um novo projeto de desenvolvimento soberano e democrático para nosso país.
Apontam nesse sentido iniciativas como a do Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA) da UNE, e o movimento nacional dos pontos de cultura.
Por fim, conforme afirmávamos já na declaração de nosso I Seminário Nacional de Cultura, ocorrido em novembro de 2003, os comunistas brasileiros compreendem que a identidade nacional não é uma virtude que os brasileiros adquirem apenas pelo fato de terem nascido nesta parte do mundo. Essa identidade resulta de um processo histórico longo.Tem sido construída ao longo do tempo a partir da intervenção consciente e organizada do povo brasileiro, que, com muita criatividade, suor e sangue forjou uma cultura bela e complexa. Fortalecer essa cultura é tarefa que está hoje nas mãos de artistas, produtores, gestores, ativistas do movimento cultural e de todos os demais interessados na luta pela emancipação nacional e social de nosso país.
Do Rio de Janeiro, Monica Simioni