Célio Turino: “Cultura só é libertadora se tiver autonomia, protagonismo e empoderamento”
Secretário do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura desde o seu surgimento em 2004, o comunista Célio Turino é um dos idealizadores dos Pontos de Cultura, que são hoje uma das principais referências nas políticas públicas de cultura do país. Para ele, a cultura é fundamental para a renovação do pensamento. Mas é preciso
Secretário do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura desde o seu surgimento em 2004, o comunista Célio Turino é um dos idealizadores dos Pontos de Cultura, que são hoje uma das principais referências nas políticas públicas de cultura do país. Para ele, a cultura é fundamental para a renovação do pensamento. Mas é preciso compreender que a cultura também escraviza e legitima processos de dominação.
"Ela só assume um caráter libertador quando coloca o elemento da emancipação como o principal elemento da construção da cultura, na busca da autonomia, do protagonismo e do empoderamento", disse. Ele participou do Seminário "O Papel da Cultura no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento", promovido pela Fundação Maurício Grabois entre os dias 14 e 16 de agosto no Rio de Janeiro. Leia a seguir entrevista concedida durante o evento.
Você está à frente de um dos programas culturais mais importantes do país, tendo sido inclusive o seu idealizador. Como avalia esse trabalho?
Célio Turino – O Ponto de Cultura é uma demonstração desse esforço comunista de entender o Brasil, se amalgamar com o Brasil, avançar no campo da luta de idéias e percebendo a cultura como fundamental para a renovação do pensamento e até para que o brasileiro se perceba.Um dos primeiros textos que eu escrevi sobre o programa dizia que era preciso "desesconder" o Brasil. Na verdade, esse país já existe e a gente é que não entende, quem escondemos muitas vezes o Brasil de nós mesmos. Nosso trabalho vai limpando camadas para tentar chegar a algumas camadas da cultura e do que é ser brasileiro no mundo hoje, na construção dessa identidade diversa e plural mas que tem alguns elementos comuns.
Na sua opinião, quais são os desafios da política pública de cultura?
Turino – Quebrar cada vez mais a hierarquia. Porque a cultura nem sempre é libertadora. A cultura também escraviza e legitima processos de dominação. Ela só assume um caráter libertador quando coloca o elemento da emancipação como o principal elemento da construção da cultura, a busca da autonomia e do protagonismo da sociedade, que são os elementos centrais da construção do Cultura Viva e dos Pontos de Cultura. É nesse tripé autonomia, protagonismo e empoderamento social, que se estrutura toda a política e eu diria até que a teoria do programa.
Você acha que a sociedade se apropriou dos pontos de cultura?
Turino – Espero que sim mas é sempre uma disputa. É preciso entender como que acontece esse processo de apropriação pela sociedade. Eu percebo que em vários setores isso tem acontecido e, sobretudo, em outras regiões do Brasil que não o eixo Rio-São Paulo. Há uma diferença muito clara entre o que era a política cultural antes e o que é a partir dos Pontos de Cultura. Grupos sociais e culturais se empoderaram efetivamente. E no eixo Rio-São Paulo isso é mais complicado. É preciso mais investimento e mais tempo. Mas a gente tem conseguido dar um salto, sobretudo ao tratar a cultura além da arte, colocando todos no mesmo nível desde uma folia de reis até um grupo de música erudita e que, de fato, um depende do outro. Não há essa distinção entre cultura erudita e cultura popular. eu diria que é equivocado, inclusive academicamente. Erudição não é cultura, é método. Talvez fosse mais adequado dizer a diferença entre a cultura clássica, aquela que é referência, e a cultura popular, mais dinâmica. Mas clássico também é tudo! Se a gente joga no tempo, o que é o clássico para a cultura italiana? É a Divina Comédia, do Dante Alighieri. Como ela nasceu? Até o século 13, a língua culta era o latim e o Dante resolveu escrever na língua vulgar do fiorentino, do povo de Florença. E virou clássico, virou a referência. Então, na verdade, esse processo dinâmico de construção de linguagem, de cultura, de interpretação, ele precisa ser melhor entendido. E é o que a gente tenta. Talvez umas das riquezas do Cultura Viva seja essa mesma, colocar esses diversos mundos em conexão, em pé de igualdade.
Quantos Pontos de Cultura existem hoje no Brasil?
Turino – Serão 2.500 pontos de cultura até dezembro de 2010 com recursos transferidos, sem contar os que estão em processo de conveniamento. Esse dado é de uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que será divulgada em breve.
Quantas pessoas circulam em torno dos Pontos?
Turino – Em torno de um ponto de cultura atuam regularmente dez pessoas que trabalham de forma voluntária ou profissional. Circulam em atividade – não como beneficiário mas como participante de uma oficina, de um grupo musical ou de teatro -, cerca de 300 pessoas em atividades regulares. Além destes, estimamos que participam de forma esporádica 2.300 pessoas. Ou seja, é possível dizer que hoje nós reunimos em torno dos Pontos de Cultura 25 mil militantes da cultura, dos mais diversos segmentos, desde um maestro de música clássica até o menino do hip hop. Participam regularmente das atividades 750 mil pessoas e, de uma forma esporádica, mais 5,2 milhões de pessoas.
Tabela por região:
NE – 750
SE – 850
SUL – 135
CO – 175
NO – 210
Rede indígena – 90
Tabela por estado:
MA – 60
PI – 109
CE – 120
RN – 53
PB – 20
PE – 120
AL – 30
SE – 30
BA – 200
ES – 20
RJ – 230
MG – 150
SP – 450
PR – 40
SC – 60
RS – 35
MS – 45
MT – 40
GO – 70
DF – 20
TO – 48
PA – 60
AP – 15
AM -30
RR – 20
AC – 15
RO – 20
Quanto já foi investido no programa?
Turino – São 320 milhões de investimento. Dois terços desse valor são do MInc e um terço corresponde aos governos estaduais.
Você é um dos principais estudiosos sobre a cultura no PCdoB, tendo participado de todos os seminários promovidos para debater esse tema.. Na sua opinião, qual a importância desse debate no partido?
Turino – Eu diria que é um "recasamento" do Partido com a cultura. O Partido Comunista foi vital para a cultura brasileira. Não dá pra pensar na cultura sem falar no Partido. Aliás, é muito sintomático que nós tenhamos nascido quase que em paralelo à Semana de Arte Moderna, e assim o Partido teve uma presença vital na literatura, na dramaturgia, no cinema, em todo o debate artístico cultural no país. Quando houve a separação entre PCdoB e PCB, eu diria que o primeiro perdeu proximidade com esse campo da cultura e o segundo conseguiu manter por uns 15, 20 anos e depois se perdeu também. Hoje fica um tanto quanto desgarrada, mas é um setor do pensamento avançado, progressista e que transita nesse campo da cultura e da arte. Agora que o partido coloca essa questão de uma outra forma, inclusive com o avanço da política de quadros e de construção partidária, demos passos significativos nessa reaproximação e que se revelam na construção da política pública real do país. A construção dos Pontos de Cultura não foi organicamente pensada pelo Partido mas é a construção de comunistas à frente da cultura e que, seguramente, tem um papel na história e na trajetória da política cultural do país. Existe abrangência significativa, assim como no campo do cinema, e, em breve, com a referência da gestão do Rio de Janeiro. Ou seja, houve uma separação, um divórcio, passou um tempo, e estamos assim reconciliando.
Na sua opinião, qual o papel da cultura no novo projeto nacional de desenvolvimento?
Turino – A cultura está presente em tudo. Ela envolve o pensamento de forma abrangente, desde a construção simbólica. Sem ela não há como imaginar um processo de desenvolvimento intenso. Se a gente olhar no tempo também foi assim. Os períodos em que o país mais se desenvolveu foram momentos de profunda efervescência cultural. Por exemplo, os anos Juscelino Kubistchek, o fim dos anos 50, foram também da bossa nova, do revigoramento do cinema, das artes de uma forma geral. E é assim em todos os outros momentos históricos em outros lugares do mundo. São momentos que tem um outro papel, sobretudo, para um partido revolucionário, comunista, que é o de estar à frente, de questionar valores, de apresentar outras alternativas de vida e de convivência.