Por Monica Simioni

Silvio Tendler é um dos documentaristas mais respeitados e premiados do país. Dirigiu longas que retrataram figuras importantes da história brasileira como os presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart, o geógrafo Milton Santos, o cineasta Glauber Rocha e o guerrilheiro Carlos Marighella. Ao todo são mais de 40 filmes no seu longo currículo, marcado pelo resgate da memória da lutas dos trabalhadores e do povo. Seu trabalho mais recente é a minissérie “Era das Utopias”, que começou a ser exibido dia 31 de agosto na TV Brasil. Segundo ele, o problema do cinema brasileiro hoje não é a produção. “O Brasil é um dos países que dá mais facilidade para a produção de cinema. O problema está concentrado na distribuição e exibição. O cinema no Brasil é caro e as salas são todas ocupadas pelos chamados blockbusters americanos. Usar bilheteria como critério de avaliação de um filme é injusto, é desigual, é desumano”.

Por Monica Simioni

Silvio Tendler é um dos documentaristas mais respeitados e premiados do país. Dirigiu longas que retrataram figuras importantes da história brasileira como os presidentes Juscelino Kubistchek e João Goulart, o geógrafo Milton Santos, o cineasta Glauber Rocha e o guerrilheiro Carlos Marighella. Ao todo são mais de 40 filmes no seu longo currículo, marcado pelo resgate da memória da lutas dos trabalhadores e do povo. Seu trabalho mais recente é a minissérie “Era das Utopias”, que começou a ser exibido dia 31 de agosto na TV Brasil.

Segundo ele, o problema do cinema brasileiro hoje não é a produção. “O Brasil é um dos países que dá mais facilidade para a produção de cinema. O problema está concentrado na distribuição e exibição. O cinema no Brasil é caro e as salas são todas ocupadas pelos chamados blockbusters americanos. Usar bilheteria como critério de avaliação de um filme é injusto, é desigual, é desumano”.

Para Tendler, a cultura tem papel fundamental no novo projeto nacional de desenvolvimento. E avalia: “Se os Pontos de Cultura movimentassem apenas a cultura, já valeria a pena. O que eu acho genial é que, além disso, movimenta também a economia”.

Em entrevista à jornalista Monica Simioni, no Seminário “O papel da Cultura no Novo Projeto de Desenvolvimento Nacional” realizado pela Fundação Maurício Grabois entre os dias 14 e 16 de agosto, Tendler adiantou ainda que irá fazer, "com muita honra", um filme sobre o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). “O Brasil precisa conhecer essa história”.

Leia a seguir a entrevista com o cineasta.

Nos últimos anos, a produção cultural do país vem sofrendo alterações profundas. Estamos no segundo governo Lula, onde foram elaboradas políticas públicas que se voltaram para esse objetivo. Neste contexto, como você vê a atual produção cinematográfica?

Silvio Tendler: Eu vejo com muito bons olhos. O valor de uma cinematografia é a sua diversidade. Ninguém aguenta só um tipo de cinema. Em um país com a dimensão do Brasil e a riqueza cultural que temos, não dá pra acreditar que só dá pra fazer um tipo de cinema. A produção pede essa diversidade. E com todas as críticas que está se fazendo, essa diversidade existe. O problema do cinema brasileiro hoje não é a produção. Ela é grande, é boa, ganha prêmios no exterior e o povo gosta. Ela tem aprovação em todos os critérios que se pode julgar um filme. O problema nosso é a distribuição. Você hoje tem as salas de cinema concentradas nos shoppings. As salas de cinemas são todas voltadas para um público de classe média alta. O cinema no Brasil é caro e as salas são todas ocupadas pelos chamados blockbusters americanos. Então, quando você lança um filme, ele vai para quatro ou cinco salinhas com poucos recursos. Ao lado disso, você tem um blockbuster com 90% das salas. Não dá pra comparar. Não dá pra falar de bilheteira. Usar bilheteria como critério de avaliação de um filme é injusto, é desigual, é desumano.

O poder econômico determina…

Tendler: E já não é de hoje, vem dos anos 80. Você gasta muito mais em um filme na divulgação, na mídia, na publicidade, do que na produção. Isso continua desigual. Você não investe na arte e na criação o quanto você gostaria de investir pra poder gastar o dobro do que seria razoável gastar em publicidade e divulgação. Nós vivemos nesse mundo. E não é uma característica do cinema brasileiro. O domínio e a concentração do cinema mundial nas mãos do cinema americano é uma realidade que atinge tanto nós quanto a França e todos países do mundo. A gente tem que lutar para mudar esses mecanismos.

Sobre o governo Lula – e é verdade que é uma coisa que o antecede um pouco -, o Brasil é um dos países que dá mais facilidade para a produção de cinema. Aqui nós temos uma série de problemas e de restrições, mas temos a maior liberdade para fazer um filme. E eu digo isso porque conheço bem o cinema do mundo inteiro.

O gargalo está, então, na distribuição?

Tendler – O problema está concentrado na distribuição e exibição. São duas coisas que vêm juntas. Quando você produz um filme, independente do conteúdo dele, de você dizer se quer ganhar dinheiro ou se quer passar recado, qualquer produção cinematográfica é uma produção cultural. Ela reflete uma realidade. O cara que quer ganhar grana vai tratar de problemas de uma forma que se comunique com o povo, que vai lhe responder com bilheteria. Ele tem essa fórmula do sucesso. Eu digo que quero passar a mensagem, quero discutir Brasil, o mundo e também estou fazendo um fato cultural, só que voltado para outro público e tenho plena consciência que é muito mais restrito. Mas eu acho muito importante falar com formadores de opinião, com estudantes que daqui a 20 anos vão estar dirigindo esta nação. Então estes dois tipos de cinema são igualmente necessários. Agora, quando a gente chega no resultado final, o meu tipo de cinema tem muito menos acessibilidade ao público porque ele não encontra os mecanismos de difusão que deveria ter. Precisamos revalorizar isso.

Quais os desafios da política pública de cultura?

Tendler – Eu acho que é produzir cultura. Eu não tenho grilo nenhum em defender a presença do Estado na cultura. Defendo isso há muitos anos. Me lembro quando o funesto presidente Collor, numa penada, extinguiu todos os órgãos de Cultura. Teve uma reunião num Teatro aqui no Rio de Janeiro com os funcionários de todos organismos estatais que haviam sido extintos – Funarte, Embrafilme -, e o pessoal tinha medo de falar. Aí me pediram para falar em nome deles. Eu li o recado ao presidente Collor, que dizia que não se cria cultura por decreto e não se extingue cultura por decreto. Nós estamos brigando com isso até hoje. O Collor passarão e nós passarinho, como diria o Mário Quintana. O Estado tem essa responsabilidade. E no Brasil mais ainda. Eu acho que no Brasil faz. A gente pode ter crítica, ter divergência, mas acho que é preciso reconhecer que hoje existe uma política pública de incentivo à cultura como um todo e, fundamentalmente, ao cinema. O cinema é um grande beneficiado. Eu digo que nós cineastas brasileiros, de uma certa forma, somos privilegiados porque as leis que se implementaram de produção cultural são muito menos restritivas que as leis francesas, por exemplo. Às vezes aqui tem um ou outro bobo que quer repetir fórmulas francesas e aí tenta aplicar a questão da produção cinematográfica com a televisão, mercado e não é por aí. Mas meus colegas são menos livres do que eu. O documentário francês é atrelado a uma exibidora de tevê, que diz que um idiota que sabe muito menos de cinema tem que ficar colado em você, dizendo o que você pode e não pode. Então, nesse sentido, aqui no Brasil, a gente tem mais liberdade. A gente tem sim que aprofundar essa democracia. Mas esse é o caminho certo.

Qual é o papel da cultura no novo projeto de desenvolvimento nacional?

Tendler – Total. O papel da cultura é, fugindo um pouco do cinema e indo para um outro xodó de vocês, que são os Pontos de Cultura, ela é fundamental. Ela gera empregos, movimenta a economia, não é apenas um fato cultural, o que, aliás, já seria fundamental. Se os Pontos de Cultura movimentassem apenas a cultura, já valeria a pena. O que eu acho genial é que, além disso, movimento também a economia. Ele tira jovens do limite da marginalidade e os converte em artistas e produtores culturais. Com isso, cria teatro na periferia, o hábito pela cultura, as pessoas que tem um teatro Mamulengo, com o tempo, vão entender o que é arte e vão querer ir ao teatro, vão querer consumir outra cultura. Então é muito boa essa política. O que a gente está vivendo hoje é extremamente positivo. Agora, a cultura tem uma derivada que é fundamental na formação da cidadania. Eu defendo uma cultura política. Não tenho nenhum grilo em dizer que meu cinema é político. E que o cinema muda o mundo sim! As pessoas acham que não, mas interfere sim. Se a gente não quisesse interferir na realidade, você não seria jornalista e eu não seria cineasta. As pessoas que mexem com informação e comunicação querem interferir na vida, a gente quer conversar e discutir publicamente, a gente tem a pretensão de que vamos mudar o mundo. Quando você pega um sábado para gravar uma conversa comigo e eu pego um sábado a tarde para conversar com você sobre política e cultura é porque eu tenho a pretensão de que isso será lido por alguém e que será influenciado por esse raciocínio e que vai passar essa coisa adiante. Então vai germinar um caminho de mudanças. E isso muito importante.

É verdade que você vai fazer um novo filme sobre os comunistas?

Tendler – Desde o meu primeiro filme, quando fiz o JK em plena ditadura ainda, no governo Geisel ainda, botei os comunistas no filme, botei o Luis Carlos Prestes saindo da prisão e os comunistas podendo voltar a respirar. No Jango, tem os comunistas lá também. Tem o Gregório Bezerra, tem os comunistas em Pernambuco. Os comunistas fazem parte da minha vida indiretamente. Eu nunca militei em nenhum partido político. Mas tenho um xodó com isso. Eu acho que os comunistas são muito importantes na história da humanidade. Ontem conversei com o Renato Rabelo, que eu conheço há muitos anos. E ele me aventou a hipótese de fazer um filme sobre o PCdoB. Eu falei para eles: Com muita honra, adoraria poder contar essa história, que acho que o Brasil precisa conhecer. Essa história é mais importante para o país do que para o partido, tenha certeza.

Este é o terceiro seminário que a Fundação Maurício Grabois realiza para debater o papel da cultura na sociedade contemporânea. Na sua opinião, qual a importância dessa discussão?

Tendler – Eu fico muito feliz de encontrar essa diversidade de gente aqui. São secretários de cultura do Brasil inteiro, representantes de entidades, ministérios, movimentos culturais, Pontos de Cultura, isso é que dá riqueza ao Brasil. Eu acho muito legal. E a cultura só se constrói, só se sedimenta, com amalgama. Então um encontro como este cria isso. É muito importante se fazer encontros como este que reúnam tanta gente de tantos lugares e das mais diversas vertentes culturais para criar um projeto único de país. Parabéns!