Virada russa – arte de um tempo pulsante
Por Mazé Leite*
Um importante evento cultural está acontecendo entre setembro e novembro de 2009 no Centro Cultural Banco do Brasil, centro de São Paulo: a exposição de mais de cem obras de arte pertencentes ao Museu Estatal Russo de São Petersburgo, a maior e mais importante mostra de arte russa já exibida em nosso país. A mostra tem como curadores os cubanos Rodolfo de Athayde e Ania Rodríguez que contaram com o apoio de Yevgenia Petrova e Joseph Kiblitsky, do Museu de São Petersburgo. A mostra está disposta em três
Por Mazé Leite*
Um importante evento cultural está acontecendo entre setembro e novembro de 2009 no Centro Cultural Banco do Brasil, centro de São Paulo: a exposição de mais de cem obras de arte pertencentes ao Museu Estatal Russo de São Petersburgo, a maior e mais importante mostra de arte russa já exibida em nosso país. A mostra tem como curadores os cubanos Rodolfo de Athayde e Ania Rodríguez que contaram com o apoio de Yevgenia Petrova e Joseph Kiblitsky, do Museu de São Petersburgo. A mostra está disposta em três andares do prédio do CCBB na rua Álvares Penteado.
Através dela podemos percorrer não somente uma parte da importante história da Arte russa, mas formarmos uma idéia sobre a extrema riqueza artística daqueles anos que antecederam o maior acontecimento social do século XX: a revolução bolchevique de 1917. Do final do século XIX até por volta dos anos 1930, a Rússia assistiu a um fervilhar de movimentos artísticos de diversos matizes plenamente integrados às transformações que a sociedade russa ia tomando. Disputas e discussões aconteciam por todo lado, dentro da Academia de Belas Artes ou fora dela. Programas e manifestos iam surgindo a partir de grupos e associações de artistas que iam se formando, em disputa uns com os outros, mas convivendo naquele tempo onde reinava o pluralismo nas artes. O espírito que norteava os artistas russos da virada do século XIX para o século XX estava em perfeita harmonia com o cenário histórico em que mudanças urgentes se faziam necessárias em todos os aspectos da vida social daquele povo.
Por Mazé Leite*
Um importante evento cultural está acontecendo entre setembro e novembro de 2009 no Centro Cultural Banco do Brasil, centro de São Paulo: a exposição de mais de cem obras de arte pertencentes ao Museu Estatal Russo de São Petersburgo, a maior e mais importante mostra de arte russa já exibida em nosso país. A mostra tem como curadores os cubanos Rodolfo de Athayde e Ania Rodríguez que contaram com o apoio de Yevgenia Petrova e Joseph Kiblitsky, do Museu de São Petersburgo.
A mostra está disposta em três andares do prédio do CCBB na rua Álvares Penteado. Através dela podemos percorrer não somente uma parte da importante história da Arte russa, mas formarmos uma idéia sobre a extrema riqueza artística daqueles anos que antecederam o maior acontecimento social do século XX: a revolução bolchevique de 1917.
Do final do século XIX até por volta dos anos 1930, a Rússia assistiu a um fervilhar de movimentos artísticos de diversos matizes plenamente integrados às transformações que a sociedade russa ia tomando. Disputas e discussões aconteciam por todo lado, dentro da Academia de Belas Artes ou fora dela. Programas e manifestos iam surgindo a partir de grupos e associações de artistas que iam se formando, em disputa uns com os outros, mas convivendo naquele tempo onde reinava o pluralismo nas artes. O espírito que norteava os artistas russos da virada do século XIX para o século XX estava em perfeita harmonia com o cenário histórico em que mudanças urgentes se faziam necessárias em todos os aspectos da vida social daquele povo.
Após as reformas implementadas na Rússia por Pedro o Grande, a cultura russa viu-se impregnada dos valores e da estética da cultura européia. Artistas foram convocados para, pela primeira vez, criarem pinturas de paisagens ou retratos, ausentes na pintura russa. Até o final do século XVII, a arte plástica russa era reduzida às pinturas de ícones, influenciados pela religião Ortodoxa, que decoravam não somente igrejas, mas também palácios, edifícios públicos e casas.
No final do século XIX, os movimentos artísticos que ficaram conhecidos pelo nome de vanguarda russa, mudaram os rumos da história da arte naquele país em todos os setores: nas artes plásticas, na música, no teatro, na poesia, na arquitetura e no cinema que começava a nascer. Na contramão da europeização promovida por Pedro o Grande, os artistas se voltaram para a busca das raízes culturais do seu povo e podemos ver, nesta exposição, uma forte influência da cultura popular naquelas obras. Mesmo nos quadros mais abstratos do famoso pintor Vassili Kandínski, podemos divisar cores e formas que ele mesmo admite ter descoberto nas izbás, as casas dos camponeses que tanto o tinham encantado em seus tempos de jovem estudante de arte.
O curador da mostra, Rodolfo de Athayde disse que essa vanguarda promoveu “uma mudança extraordinária na História” exatamente por causa desse vigor artístico e intelectual que caracterizaram aqueles anos que vão de 1860 a 1930. Aquelas “obras evidenciam a inquietude cultural dos anos que precederam o Outubro Vermelho, período em que o desejo de renovação resultou num contexto de transgressões onde os artistas passaram a buscar o seu próprio caminho na arte”, diz o curador cubano.
Essa exposição é uma boa amostra das diversas tendências nas artes plásticas daquela época. Podemos encontrar desde os belos quadros realistas do pintor Kuzma Petrov-Vodkin (“Mãe”, de 1915; “Na linha de fogo”, de 1916 e “A Manhã”, de 1917) até os abstratos “Círculo Branco e sem Objeto” de Alexsander Rodchenko ou o “Quadrado Negro sobre Fundo Branco” de Kasimir Maliévitch.
Natalia Gontcharova, uma das mais importantes artistas da vanguarda russa, se preocupava em evocar as tradições populares em suas obras, reproduzindo cenas da vida camponesa. Assim como seu companheiro, o pintor Mikhail Lariónov, fazia um tributo à arte popular urbana, onde o atraíam os painéis e letreiros de lojas e oficinas feitos por artesãos. Na exposição, podemos apreciar quadros como “Inverno”, pintado em 1911, de uma beleza plástica que impressiona pela simplicidade, e quatro telas verticais denominadas “Evangelistas”, que lembram a tradição dos ícones russos, mas pintados à maneira de Gontcharova, de inspiração na arte do povo. O quadro de Lariónov “Acácias na Primavera”, de 1904, já apresenta as novas tendências da arte russa, nas sutilezas dos tons de azul que tomam toda a tela.
Vladimir Tátlin, precursor do estilo construtivista, começou a criar seus quadros em relevo nos meados da década de 1910. Sua obra “Contra-Relevo de Esquina”, complexo em aço, alumínio, zinco e madeira, presente na mostra, traduz o mundo industrial que surgia, ao adotar formas, materiais e técnicas da moderna tecnologia, encarnando a idéia do artista-engenheiro, empenhado na construção de objetos concretos. Tátlin criou também duas maquetes de obras que ele intitulou de “Homenagem à III Internacional” e “Projeto para a Tribuna de Lênin”.
No segundo andar do prédio, encontramos também obras de Marc Chagall, Vassili Kandínski e Kasimir Maliévitch, ícones da arte moderna russa e mais conhecidos no ocidente. Tátlin, Kandinski, Mikhail Matiútchin, Maria e Boris Énder, assim como o próprio Maliévitch, que seguiram pelos caminhos da arte construtiva ou abstrata – diferentemente do que vemos nos dias atuais em relação às artes plásticas – não estavam desvinculados do contexto transformador da sua época. Suas obras também significavam uma linguagem de ruptura, e mesmo que se colocassem mais próximos de uma arte mais voltada para a valorização da cor e da forma, eram coerentes com o sonho de construção social de um novo mundo. Participavam desses diversos movimentos de artistas que buscavam formatar visualmente essa nova sociedade. Em 1920, por exemplo, um grupo de artistas construtivistas lançaram em Moscou um “Manifesto Realista” onde diziam: “O grupo construtivista tem por objetivo a expressão comunista de uma obra materialista construtiva”.
Em 1934 o I Congresso da União dos Escritores Soviéticos consagra o Realismo Socialista como a única tendência artística revolucionária, uma estética que fazia um retorno ao figurativismo próximo da pintura acadêmica. Com isso, as outras tendências artísticas sofreram um arrefecimento e alguns desses artistas abandonaram a URSS. Mas a maioria permaneceu, ou voltando-se mais ao realismo socialista ou migrando para outras formas de arte. Sabe-se que após a II guerra mundial, a CIA norte-americana, com a intenção de combater a enorme influência da cultura russa sobre os países do Ocidente, investiu milhões de dólares na valorização da pintura abstrata, pagando muito bem a artistas como Jackson Pollock e investindo em Nova Iorque como o novo centro cultural do mundo.
Esta exposição, portanto, tem um alto valor artístico e histórico, pois mostra como a vanguarda russa foi tão importante nas artes plásticas e no desenho gráfico das gerações que se seguiram. Fazem parte também dessa exposição, uma série dos famosos cartazes russos desenhados por esses artistas. Esses cartazes revolucionaram as técnicas de comunicação visual, usando desenhos bidimensionais, com cores chapadas, e letras de vários tamanhos, tudo disposto de forma plástica e equilibrada, que até hoje inspiram artistas gráficos por todo o mundo.
Temos, portanto, a oportunidade de ver, fora da Rússia, a qualidade das Belas Artes que se produzia naquele país por aquele povo e que tanta influência trouxeram para as artes no mundo.
* Artista plástica, militante do PCdoB de SP.