Os rumos do socialismo em Cuba no século XXI
A Fundação Maurício Grabois e a Associação dos Educadores Latino-Americanos da Baixada Santista (AELAM) promoveram, no dia 18 de janeiro próximo passado, um debate com o Professor cubano em visita ao Brasil, Jorge Enrique González Gómes.
Ele proferiu brilhante palestra em que apresentou informações históricas sobre seu país, contextualizando a revolução de 1959 e a situação atual, com suas conquistas e também seus problemas, desafios e perspectivas.
A Fundação Maurício Grabois e a Associação dos Educadores Latino-Americanos da Baixada Santista (AELAM) promoveram, no dia 18 de janeiro próximo passado, um debate com o Professor cubano em visita ao Brasil, Jorge Enrique González Gómes.
Ele proferiu brilhante palestra em que apresentou informações históricas sobre seu país, contextualizando a revolução de 1959 e a situação atual, com suas conquistas e também seus problemas, desafios e perspectivas.
O evento ocorreu na sede do Sindicato dos Urbanitários de Santos, cujo Presidente, Marcos Sérgio Duarte (o Marquito) compôs a mesa coordenadora dos trabalhos, juntamente com Maria do Carmo Luiz Caldas Leite, Presidente da AELAM e Nereide Saviani, Diretora de Formação da Fundação Maurício Grabois.
Participaram do debate vários educadores e educadoras associados à AELAM, sindicalistas de Santos e região, estudantes, dirigentes de entidades de massas e militantes e dirigentes partidários. Presença digna de nota foi a de Antonio Caldas, vice-prefeito de Botucatu/SP, que visitava a família, residente em Santos.
Segue síntese da palestra, elaborada pela Maria do Carmo Luiz Caldas Leite, que também é Professora da Universidade Católica de Santos e dirigente do PCdoB, na cidade.
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Os rumos do socialismo em Cuba no Século XXI
Jorge Enrique González Gómez2
"Los hombres no pueden ser más perfectos que el sol.
El sol quema con la misma luz que calienta. El sol tiene manchas.
Los desagradecidos no hablan más que de las manchas.
Los agradecidos hablan de la luz”.
(José Martí)
Em sua essência, todas as discussões sobre Cuba apontam que os processos na Ilha não podem ser entendidos sem o vínculo com as empreitadas históricas, que cunharam um imaginário de vertentes relativo às lutas de liberação, desde a época colonial. O caráter cubano emergiu de uma “cultura de resistência”, consolidada nas lutas, ao longo de trinta anos do século XIX, nas quais pereceram quatrocentos mil cubanos, ou seja, cerca de um terço da população da ilha na época e desenvolveram um sentimento próprio na população cubana, tendente a entrelaçar sua trajetória pessoal com a trama histórica do país, a qual oscila, de uma forma periódica, entre o passado de lutas, o presente marcado por dificuldades e os interrogantes do futuro.
A cubanía, de raiz afro-espanhola e de vocação latino-americana, promoveu os combates pela independência iniciados em 1868. Depois de 30 anos envoltos nas lutas pela independência, iniciada por Céspedes e revitalizada de forma pujante por Martí, o colapso do colonialismo na Ilha era iminente. Do ponto de vista político, todas as classes sociais do país, de forma ativa ou passiva, repudiavam o regime colonial. A burguesia açucareira cubana, que se havia prestado a fazer o jogo do autonomismo à Espanha, ainda que colaborasse economicamente com a insurreição, estreitava seus contatos com os Estados Unidos e o instava a intervir na luta.
A teoria da “fruta madura” fazia alusão à inevitabilidade de que Cuba cairia nas mãos dos Estados Unidos, quando se desprendesse da Espanha. Martí, no fim do século XIX, escreveu ao amigo mexicano Manuel Mercado que todo o objetivo de sua luta foi “ impedir a tiempo con la independencia de Cuba que se extiendan por las Antillas los Estados Unidos y caigan, con esa fuerza más, sobre nuestras tierras de América”.
Em 1898, o poder militar norte-americano interveio em Cuba e uma das primeiras preocupações objetivas do governo interventor foi a dissolução do Exército Libertador, que permanecia em armas nos campos cubanos. O fim do século XIX foi marcado pela primeira guerra imperialista do mundo moderno, quando a chamada Emenda Platt oficializou o direito dos Estados Unidos a arrendar as terras necessárias para bases navais. Foi assim que a Baia de Guantánamo ficou sob o controle estrangeiro até os dias de hoje.
As ações exercidas contra Cuba, desde o triunfo da revolução em 1959, não se enquadram na definição de “embargo”, ao contrário, transcendem e tipificam um bloqueio – uma relíquia da guerra fria, que terminou há muito tempo –, combate de baixa intensidade, sem bombas e estado de sítio, morte lenta por asfixia. Afetam-se o comércio, a saúde, a educação, os transportes, as comunicações, a tecnologia, a ciência, a produção energética, a produção industrial, a produção agrícola e, certamente, tudo isso incide de forma desfavorável na qualidade de vida do povo. Outras evidências, inseridas nesse quadro de tensão, têm vínculo com os problemas migratórios.
A Lei de Ajuste Cubano, promulgada em agosto de 1966, mediante a qual os Estados Unidos admitem a entrada ilegal dos cubanos, lhes concede residência e a possibilidade de trabalhar, tem como objetivo é transformar o tema em ferramenta de permanente desestabilização. Quando entrou em vigor, em 1996, a Lei Helms-Burton, de caráter extraterritorial, estabeleceu, entre outras medidas, a suspensão de fundos às instituições financeiras que fizessem negócios com Cuba. Incluindo a frustrada invasão à Baía dos Porcos, diversas escaramuças são promovidas ou apoiadas por grupos de cubanos no exílio.
Permeado por mudanças em todas as esferas da sociedade, não somente econômicos, o contexto atual ainda traz reflexos do desmoronamento do antigo campo do leste europeu e da extinção da URSS, países com os quais Cuba mantinha relações comerciais, que alcançavam um percentual significativo de aproximadamente 85%, tanto na importação como na exportação. A análise da situação atual de CUBA, ao término de 2009, passa pela compreensão de três fatores fundamentais:
– A crise econômica global do sistema capitalista, que afeta o país.
– A devastação causada por furacões, no segundo semestre de 2008.
– O bloqueio econômico dos EUA mantido por 50 anos.
Como desbobramento da crise econômica global do capitalismo acirrou-se em Cuba uma forte queda nos exportações do níquel, provocando consideráveis perdas nas entradas em moeda forte, uma vez que a cotização desta materia prima caiu na escala mundial, devido à contração do mercado. Somado a isso, ocorreu o decréscimo dos ingressos do turismo, ainda que tenha aumentado o número de turistas na Ilha. Outras significativas influências no quadro atual são a diminuição de acessos às fontes de financiamento, a tendência de alta dos preços de produtos industrializados e a baixa de preços dos manufaturados, juntamente com o aumento de custo dos alimentos, no mercado internacional.
Durante 2008, Cuba foi fustigada por três furacões de grande intensidade, num período contínuo de 72 dias. Diferentemente de outros, estes abarcaram quase todas as províncias do país, em especial as cidades de Pinar del Rio, a Ilha da Juventude e os territórios da Costa Sul, fortemente danificados. Estima-se o custo ocasionado pela ação úlimas catástrofes naturais em 10 bilhões de dólares, o que representa aproximadamente 20% do PIB do país.
O bloqueio econômico apresentou-se, em 2009, sob um disfarce de suavização, de acordo com os novos tempos que ocorrem na Casa Branca, mas, na realidade, manteve o seu elaborado mecanismo de proibições, o acossamento à economia, a perseguição aos países e às empresas que mantém relações com Cuba. O custo do bloqueio em termos econômicos equivale à perda acumulada de mais de 96 bilhões de dólares fortes (respaldados em ouro). Com o processo da queda desta moeda, os valores superariam os 200 bilhões.
A combinação desses três fatores apresentados provocaram uma redução drástica do crescimento econômico previsto para 2009, induzindo os ajustes no decorrer do ano de 2009. O plano, que previa um crescimento de 6% do PIB, foi ajustado para 1,7% e fechou o ano em apenas 1,4%, um crescimento discreto, ou seja, um logro, para condições adversas vigentes. Na atual conjuntura, o país requer um grupo de medidas para desafiar a crise mundial: em primeiro lugar as ações de enfrentamento do bloqueio e, simultaneamente, a concentração de esforços na recuperação da economia interna, em razão dos danos sofridos durante 2008. Este quadro inclui uma série de medidas, entre elas:
– Substituir as importações de produtos em termos gerais, particularmente de alimentos básicos, desenvolver a agricultura urbana e criar melhores condições para os planos de produção já existentes em cooperativas campesinas.
– Dirigir os investimentos para os setores que possam implicar em ingressos das divisas em moedas fortes a curto prazo.
– Aplicar esquemas de investimentos direcionados a setores específicos, tais como a produtividade do níquel, a fabricação de rum e de tabaco, a biotecnologia e o turismo.
– Incentivar a redução do consumo de combustíveis, aumentar o rigor no controle de uso, responsabilizando os dirigentes dos organismos centrais por esta execução.
– Liberar as forças produtivas do setor agropecuário, fomentando a agricultura familiar e racionalizando ao máximo o uso da terra.
Para implementar essas ações, Cuba conta com um povo preparado e qualificado – composto em sua maioria por quadros jovens –, resultado da obra da revolução, que tem resistido durante 51 anos ao embate promovido por seus adversários. O estado cubano confia nas vantagens de sua integração à ALBA, para seguir resistindo e vencendo, dentro dos fundamentos do socialismo. O advento de várias formas de propriedade e de produção agrícola, o desenvolvimento de empresas mistas, o incremento do turismo e o surgimento do trabalho por conta própria são fatores levados em conta na hora de formular os projetos.
No modelo societário, conquistado com a revolução, as organizações de massa e as diretrizes do partido, como instrumento de organização do povo, não se afastam em nada do socialismo, uma vez que as transformações não incluem a contratação de mão de obra por particulares ou por grupos investidores, porque o único empregador atual é o estado. A sociedade cubana não pode escapar às aceleradas transformações ocorridas no mundo, desde a segunda metade do século XX, mas não há retrocesso possível na defesa do socialismo e Cuba não voltará ao capitalismo!